Uma fabricante de ventiladores mecânicos de médio porte sediada em Cotia, na Grande São Paulo, virou do dia para a noite uma das principais protagonistas no enfrentamento ao coronavírus — e um dos casos mais emblemáticos de como a colaboração faz diferença em momentos de crise.
No começo do ano passado, no estouro da pandemia de covid-19, a Magnamed mobilizou uma força-tarefa sem paralelos unindo empresas como Positivo, Suzano, GM e Embraer para garantir a entrega de 5 mil respiradores para abastecer o Sistema Único de Saúde (SUS) em menos de quatro meses.
Para isso, foi necessário andar dez anos em um.
Antes do pedido emergencial, a companhia tinha capacidade de produzir 200 ventiladores por mês. Em julho, no auge das entregas, fabricou nada menos que 2040 equipamentos — com a última entrega feita no começo de setembro.
Agora, passado o susto, é a Magnamed que pode finalmente respirar. E os aprendizados da experiência da operação de guerra contra o coronavírus alçaram a companhia a um novo patamar.
No seu ‘novo normal’, a capacidade de produção dobrou, de 200 para 400 equipamentos por mês.
“Durante essa crise, a Magnamed identificou novos fornecedores que poderiam ajudar a diminuir seus custos no futuro e descobriu gargalos na produção. Melhoramos uma série de processos internos com a ajuda e o olhar de profissionais de outras companhias que nos indicaram na prática como melhorar a nossa dinâmica”, afirma o CEO, Wataru Ueda.
Atualmente, por conta da segunda onda da covid-19, a produção segue atípica, com demanda média em torno de 300 ventiladores por mês. A maior parte (75%) vem do setor privado, que teve os pedidos congelados no ano passado para atender à demanda do SUS. Outros 13% ainda vêm do setor público e 12% de exportações.
“Entendemos que o mercado interno está bem abastecido, mas com a pandemia ainda em curso, não é possível falar em saturação, apenas que estamos prontos para atender qualquer eventual alta de demanda do mercado interno e externo”, explica o CEO.
De olho no mercado externo
Turbinada, agora a Magnamed está mirando a expansão internacional — de olho num mercado estimado em cerca de US$ 5 bilhões por ano. A expectativa é de uma nova rodada de captação para acelerar a internacionalização, mas prazos e valores ainda não foram definidos.
A meta é que, em cinco anos, as vendas para outros países representem 80% da receita, afirma Ueda. Antes da pandemia, a exportação representava 35% das vendas da empresa. A ideia é investir pesado no mercado dos Estados Unidos, além de ampliar as vendas para Índia, México, Colômbia e África do Sul.
“Os mercados da América Latina são importantes, mas poucas cidades dos Estados Unidos podem dar um retorno maior em menor tempo”, diz Marcos Olmos, diretor de venture capital da Vox, gestora de impacto que investe na companhia desde 2015.
Nos Estados Unidos as leis estabelecem prazos mais curtos de vida útil dos respiradores, gerando uma demanda frequente de renovação dos equipamentos.
A Magnamed já recebeu algumas certificações internacionais e pode funcionar na Europa, mas ainda aguarda autorização do Food and Drugs Administration (FDA), espécie de Anvisa dos Estados Unidos. A ideia é transformar seu centro de distribuição em território americano numa fábrica operacional ainda em 2021, assim que tiver a autorização.
Tese de impacto
A Vox investiu na Magnamed em 2015 sob a tese de que muitas UTIs estavam desativadas Brasil afora, especialmente em lugares mais pobres, por falta de equipamento. A gestora acreditava que uma fabricante nacional — com foco em custo e qualidade — era uma forma de garantir um número maior de leitos ativos de UTI.
“O que vemos agora comprova nossa tese de investimento. Sem a empresa, o Brasil não teria suprido sua demanda. Pensar em impacto e cooperar não é mais opcional, é mandatório para enfrentarmos nossos desafios como sociedade”, resumiu Daniel Izzo, sócio fundador da Vox, em recente artigo no LinkedIn.
Entre os acionistas mais antigos da empresa, está também o Fundo Criatec, de inovação do BNDES, gerido pelas firmas de venture capital KPTL e Antera, que fez o primeiro aporte em 2008.
Fundada em 2005 por três engenheiros com experiência na indústria médica, a Magnamed já exportava para mais de 60 países e uma investida maior no mercado externo já estava nos planos, mas a corrida para produzir ventiladores mecânicos fez a empresa colocar os planos em modo de espera.
Sem dívidas
O pedido relâmpago do Ministério da Saúde foi o maior dos 15 anos de história da Magnamed e fez com que a empresa encerrasse 2020 com uma receita de R$ 343 milhões, cerca de oito vezes o registrado em 2019.
Com o aumento do dólar no início das aquisições de materiais e a escassez de componentes, os custos aumentaram, apertando as margens. Mas a companhia — que precisou recorrer a empréstimo relâmpago com o BV e uma garantia do BTG para dar início ao pedido extraordinário — saiu do perrengue sem dívidas.
“Iniciamos as aquisições de componentes com recursos próprios e empréstimos no mercado financeiro até a assinatura do contrato com o Ministério da Saúde, que, no processo colaborativo, previa adiantamento de recursos para aquisição de matéria prima com liberação auditada”, diz Ueda. À medida que entregava os ventiladores ao Ministério da Saúde, havia reconhecimento e abatimento dos valores adiantados.
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