Nesta semana, a petroquímica Braskem engrossou o coro — ainda rouco no Brasil — de empresas que têm assumido o compromisso de se tornar neutras em carbono até 2050.
A intenção é importante, mas promessas que se cumprirão dentro de 30 anos só podem soar abstratas. E, quando se trata de emissão de gases de efeito estufa, especialmente num setor altamente poluente e dependente de insumos fósseis, parece algo ainda mais intangível.
Afinal, como a Braskem pretende chegar lá?
O Reset conversou com Jorge Soto, diretor de desenvolvimento sustentável da petroquímica, e destrinchou os compromissos, que envolvem tecnologias de captura de carbono, plástico verde e metas de economia circular.
O tamanho do buraco
A Braskem é a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas, com unidades no México e Estados Unidos, além do Brasil, e mais duas plantas na Europa. Seus produtos servem de matéria-prima para o plástico que vai no saco de lixo, na garrafa PET, na embalagem de xampu, no solado do tênis e no painel do carro.
Posicionada num setor altamente poluente, que depende da queima de combustíveis e resíduos fósseis em seu processo produtivo, o tamanho da sua pegada de carbono é enorme: 10,5 milhões de toneladas por ano.
Isso equivale à quase totalidade das emissões de todo o município de São Paulo em 2019 (12,5 milhões de toneladas) e é o volume que a empresa pretende neutralizar até 2050.
O compromisso principal: ‘net zero’ até 2050
A Braskem se comprometeu a ser neutra em emissões de carbono até 2050. Esse compromisso engloba as emissões nos chamados escopos 1 e 2, que representam, respectivamente, tudo aquilo que é emitido diretamente em seu processo produtivo e aquelas relativas à energia que compra.
Fica de fora do compromisso o chamado escopo 3, que são as emissões de sua cadeia de valor (fornecedores e clientes). Por enquanto, a empresa diz atuar junto a clientes e fornecedores para motivá-los a reduzir suas próprias emissões diretas.
Ao se dizer ‘neutra’, não quer dizer que a Braskem deixará de emitir CO2 e outros gases de efeito-estufa até 2050. “Como a maior parte das indústrias de base, é impossível zerar as emissões completamente”, diz Soto.
Para se tornar neutra em carbono, a companhia pretende combinar um corte de suas emissões em termos absolutos com maior uso de fontes limpas de energia e projetos que capturem carbono da atmosfera.
Ou seja, parte significativa do cumprimento da meta virá de uma compensação com novas atividades.
Um dos meios: plástico verde
Uma das apostas que Soto cita como exemplo é a produção do chamado plástico verde, que leva o selo I’m Green.
O plástico verde da Braskem é feito, desde 2010, a partir do etanol desidratado. Como a cana-de-açúcar absorve CO2 da atmosfera para crescer, como qualquer planta, essa captura entra na conta da Braskem para a neutralização.
Segundo Soto, hoje não é possível dizer quanto do compromisso virá de cada uma dessas ações. “Não queremos fechar agora um conjunto de projetos, porque novas tecnologias surgirão e escolheremos as melhores alternativas do ponto de vista de emissões e também econômico.”
A tendência é que o plástico verde seja produzido em maior escala, diz ele. A demanda para exportação tem crescido mesmo em meio à pandemia e atualmente a companhia estuda a ampliação da planta, que fica em Triunfo, no Rio Grande do Sul.
Mais que a compensação, a aposta no plástico verde é praticamente um hedge para um dia em que efetivamente os derivados fósseis virem obsoletos.
No limite, todo o plástico poderá ser verde no futuro?
“Hoje só não é economicamente viável porque a alternativa fóssil é muito mais barata. O investimento em desenvolvimento tecnológico tem que vir acompanhado de incentivo econômico. E qual é esse incentivo? A precificação de carbono”, diz ele. No futuro, quando a emissão de CO2 for precificada, a equação irá se inverter a favor do plástico verde, conclui.
A etapa intermediária: cortar emissões até 2030
O segundo compromisso da empresa é reduzir em 15% as emissões totais de gases de efeito-estufa até 2030. Ou seja, sair dos atuais 10,5 milhões para 8,9 milhões de toneladas de CO2 equivalente.
“Muitas empresas, inclusive a Braskem, se comprometiam com reduções de intensidade, que eram motivadas pela melhoria da eficiência. Agora é um compromisso de redução absoluta”, diz Soto.
A intensidade de emissão é medida em função da quantidade de produtos fabricados, ou seja, quanto CO2 é lançado na atmosfera para cada tonelada produzida — o que, no caso de um aumento da produção, pode resultar em crescimento absoluto.
Para cortar as emissões propriamente, a empresa aposta na melhoria de processos produtivos, com menos perdas, e também no aumento da eficiência energética.
Um exemplo é o projeto Vesta, no ABC Paulista, que está substituindo turbinas que usam gás natural por motores elétricos de alta eficiência. “Essa substituição vai levar à redução de 100 mil toneladas de GEE por ano a partir de 2021.”
Matriz energética
Hoje, 60% de toda a energia usada pela Braskem vem da queima dos resíduos do seu próprio processo produtivo. “A nossa maior dificuldade está em eliminar as emissões vindas da queima dos resíduos. Se eu não queimar os resíduos, o que eu faço com eles?”, diz Soto.
Traçando um paralelo com o setor minerador, ele diz que a petroquímica não tem escória para joga fora. “Nós utilizamos os restos do processo produtivo para gerar energia. Mas isso gera emissões.”
A matriz energética da empresa se completa com energia elétrica (8,6%), gás natural (25%) e demais combustíveis externos (6,4%). Os dados são de 2019.
Hoje, as fontes renováveis respondem por 6,4% do consumo energético total da companhia, ou 72% da energia elétrica. “A Braskem quer se diferenciar por compra de energia renovável. Nosso desafio é aumentar bem esse patamar.”
Meta de economia circular
Junto das metas de emissão de CO2, a Braskem incluiu outra, de retirada de resíduos plásticos do meio-ambiente.
Atualmente, ainda de forma experimental, a empresa produz 10 mil toneladas de produtos a partir da reciclagem de plástico. Até 2025, a meta é produzir 300 mil toneladas e depois chegar a 1 milhão de toneladas em 2030 — volume que equivale a quase 11% da produção atual da companhia.
“É uma quebra de paradigma, porque a indústria petroquímica como um todo trabalha de forma linear e queremos migrar para uma forma circular, trazendo resíduos para dentro do nosso processo produtivo.”
Hoje, já ocorre a reciclagem de materiais residuais da própria Braskem, e algo de aterros. Mas, para chegar nesse 1 milhão de toneladas, a empresa depende de uma melhora na coleta e gestão de resíduos nas cidades — e tem se envolvido nisso.
No mês passado, a companhia fechou o primeiro contrato para retirada de plástico de aterros sanitários. O acordo com a Tecipar, especializada em engenharia ambiental, evitará que mais de duas mil toneladas de resíduos plásticos sejam despejadas todos os anos no aterro sanitário de Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo. O volume é equivalente a 36 milhões de embalagens.
Com a parceria, foi criada uma usina de triagem para separar os resíduos orgânicos dos sólidos. O plástico triado pela Tecipar será, então, direcionado para um reciclador parceiro da Braskem. “Estamos entrando como viabilizador. Alguém que compra, processa e recoloca o plástico no mercado.”