Com inteligência artificial, I.Systems poupa de energia a embalagens para a indústria — e já tem Ambev como acionista

Com tecnologia que evita desperdício, companhia dobrou de faturamento em 2020 e agora aposta em solução que prevê demanda para as fábricas

Com inteligência artificial, I.Systems poupa de energia a embalagens para a indústria — e já tem Ambev como acionista
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O telefone demorou a tocar. Desconfiadas da capacidade de três nerds formados pela Unicamp para desenvolver uma inteligência artificial capaz de aumentar a eficiência das linhas de produção, as indústrias deram muitos perdidos em Igor Santiago, Ronaldo Silva e Danilo Halla nos primeiros quatro anos do negócio.

Até que, lá por 2011, a química Rhodia e a São Martinho, usina de açúcar e álcool, romperam a barreira da descrença.

Dez anos depois, a I.Systems se tornou uma das principais empresas de inteligência artificial aplicada à indústria no país e exibe uma carteira invejável de clientes, com mais de 50 grandes grupos, como Suzano, Votorantim, Cargill, Bunge, Braskem e Ambev — esta última também sua acionista.

Com a tecnologia da startup, a Ambev produz mais cerveja utilizando menos gás e energia elétrica, por exemplo. A mesma coisa acontece com a fabricante de celulose Suzano, que consegue controlar com precisão a entrada de vapor gerado pelas caldeiras movidas a gás e biomassa.

De forma simplificada, a inteligência da I.Systems funciona como o piloto automático de um avião. Se o operador da máquina é como o piloto, que faz a decolagem e a aterrissagem, o software entra em ação para levar a aeronave ao destino da forma mais eficiente e segura possível.

A partir de inputs simples como dados de pressão e temperatura, o sistema, batizado de Leaf, faz correlações para dar ordens à máquina e ajustar os fatores.

“Nosso software lê as informações, decide qual a melhor ação e fala para a máquina: ‘abra a válvula’, ‘acelere o motor’ e assim por diante”, diz Igor Santiago, o CEO da empresa.

Não é a todo tipo de indústria que a tecnologia se aplica. “Nossa praia é o agronegócio, o papel e celulose, a mineração. Se tem líquido, pó ou gás envolvidos, a gente dá dinheiro ajustando a quantidade das coisas. Se tem contagem de peças, como na indústria automobilística, não é a nossa praia.”

Depois de bater cabeça nos primeiros anos vendendo licenças permanentes dos produtos, desde 2017 a I.Systems migrou para um modelo de receita recorrente.

O Leaf, carro-chefe da empresa, custa de R$ 10 mil a R$ 30 mil mensais. “Esse modelo casou muito com o nossa ideia de sermos parceiros, de estarmos sempre junto do cliente, mantendo o produto funcionando.”

Com mais de 100 funcionários, a empresa dobrou o faturamento em plena pandemia, no ano passado, e deve repetir a dose em 2021.  “Com a onda ESG, todo mundo está fazendo compromisso de carbono e tem data para resolver. Para a gente é um sonho”, diz Santiago.

A empresa não abre os números globais. O CEO diz apenas que até 2016 a startup dava lucro, quando resolveu acelerar o crescimento, invertendo o sinal. “Em 2020 fizemos como o [Jeff] Bezos e demos um lucrinho só para mostrar que era possível.”

Da Coca à Ambev

Para desgosto da hoje sócia Ambev, tudo começou numa fábrica da Coca-Cola.

Em 2006, a então namorada de Santiago — hoje sua esposa — trabalhava na Femsa de Jundiaí, a maior engarrafadora de Coca do mundo. O gerente relatou um problema de controle. “Ele não conseguia colocar exatos 2 litros numa garrafa de jeito nenhum. Então colocava um pouco a mais para não lesar o cliente.”

O desperdício era enorme, porque sempre que faltava ou sobrava líquido, o controle de qualidade mandava dispensar tudo, inclusive a  garrafa pet.

Depois de passar quatro anos programando, o trio finalmente fez o sistema funcionar, o que economizou 500 litros de refrigerante e 100 mil garrafas pet logo no primeiro ano. 

“Na faculdade, eu sonhava em criar uma máquina que gerasse energia limpa para o mundo e não deu certo. Mas conseguimos criar um negócio que deixa as empresas mais eficientes e o mundo, mais sustentável,” diz Santiago.

A tecnologia hoje é patenteada no Brasil e tem o registro aprovado ou em análise em países como Estados Unidos, Alemanha, França, Canadá e China. 

O que ajudou os sócios a estruturar o negócio e vencer de vez a descrença do mercado foi a chegada, em 2013, do primeiro investidor, o fundo Pitanga. 

Com recursos dos fundadores da Natura, Guilherme Leal, Luiz Seabra e Pedro Passos, do banqueiro Pedro Moreira Salles e dos então executivos do Itaú Unibanco Candido Bracher e Eduardo Vassimon, o fundo escolheu a empresa como primeira investida depois de analisar outros 700 negócios durante dois anos. 

Em 2018, o Pitanga encerrou seu ciclo na empresa, dando lugar à cervejaria Ambev, que resolveu acelerar o desenvolvimento de tecnologias da I.Systems depois de ter provado a eficácia como cliente, e o fundo de venture capital Provence, do investidor Leo Figueiredo.

Bola de cristal

Hoje, o que faz brilhar os olhos do CEO é um produto desenvolvido nos últimos anos com uma indústria parceira e que deve entrar no mercado em breve, batizado de Calix.

“Com ele, conseguimos prever a demanda, as vendas futuras dos clientes. Nossos investidores brincam que é a bola de cristal”, diz Santiago. 

Funciona assim: o software consegue mapear automaticamente padrões de consumo por produto, por região, por loja e fazer milhões de previsões. 

“Enquanto o Leaf faz tudo sozinho, o Calix trabalha com a equipe. Ele é a força bruta que calcula milhões de possibilidades e que se soma ao insight da equipe”, diz Santiago. “Um trabalho que levaria um mês para ficar pronto, é feito em seis horas e tem um resultado 10% a 30% melhor.”

Como aqui não se trata de regular variáveis em uma linha de produção, Santiago diz que o produto escancara um novo mercado para a empresa.

“A fórmula é expansível e queremos vender também no varejo. Se conseguirmos prever melhor o varejo, comunicaremos melhor para a indústria. Isso evita desperdício, desabastecimento. Imagina a riqueza de um sistema desse integrado à cadeia toda.”

Nos próximos dois a três anos, a I.Systems planeja atender toda a América do Sul a partir do Brasil. E, para isso, vai usar caixa próprio. “Sou um empreendedor meio das antigas. Essa coisa de ter Ebitda de menos 50% e levantar capital a cada 12 a 18 meses me dá até frio no estômago”, diverte-se. 

Dentro de três anos, no entanto, a coisa muda de figura.

“Vamos levantar nova rodada para internacionalização nos Estados Unidos. Poderíamos fazer com nosso caixa, mas como a diferença de câmbio é muito grande e a oportunidade do mercado americano também é, vamos partir para uma capitalização em dólar.”

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