Mais de 80 ONGs internacionais, incluindo Greenpeace, Anistia Internacional e Oxfam, publicaram uma carta conjunta pedindo o fim das compensações de emissões de gases do efeito estufa com créditos de carbono.
Essa prática, também conhecida como offsetting, estaria “minando” os esforços globais contra a mudança do clima e tomando o lugar de reduções reais nos gases lançados na atmosfera, na visão das organizações.
O texto não traz argumentos novos, mas seu timing é crítico. Depois de um longo período de crise, precipitado por denúncias sobre a integridade dos projetos geradores de crédito, o mercado voluntário dá sinais de recuperação.
Iniciativas de autorregulação gestadas há mais de um ano começam a apresentar resultados práticos. O Banco Mundial e o governo americano recentemente vieram a público endossar esse mecanismo como parte do arsenal das soluções climáticas.
No Brasil, a expectativa é que esses ativos possam ser comercializados dentro do mercado regulado, que vai estabelecer obrigações para setores muito poluentes. A legislação está tramitando no Congresso.
As ONGs afirmam que todo o sistema em torno dos créditos de carbono é inerentemente pouco confiável e sofre com problemas estruturais que não foram resolvidos “em mais de duas décadas”.
Entre as deficiências apontadas no documento estão a adicionalidade questionável (ou seja, muitas das reduções vendidas provavelmente teriam ocorrido com ou sem esse mercado) e a exploração de populações indígenas.
Essa posição não é unânime entre organizações de defesa do meio ambiente. ONGs grandes e de alcance global, como The Nature Conservancy e Environmental Defense Fund, acreditam que créditos íntegros têm um papel a desempenhar nas finanças climáticas.
Net zero
A publicação da carta foi motivada por uma “crescente pressão” em favor do uso de compensações como parte dos planos de descarbonização corporativos, segundo os autores.
O texto menciona especificamente o vaivém recente da iniciativa Science Based Targets (SBTi), que concede o selo de maior prestígio para as estratégias net zero das empresas.
A entidade, que avalia os planos à luz da ciência, anunciou que os créditos de carbono seriam aceitos como parte complementar aos esforços de descarbonização (com restrições), e depois voltou atrás.
“Permitir que empresas e países atinjam seus compromissos climáticos com créditos de carbono deve desacelerar as reduções de emissões globais, além de não providenciar nada perto dos recursos necessários para o Sul Global”, diz o documento.
“Pedimos regras de contabilidade de carbono e de definição de metas climáticas corporativas que sejam científicas, ambiciosas, equitativas, robustas, críveis e transparentes.” Planos de descarbonização, sejam voluntários ou compulsórios, devem “excluir o offsetting”, segue o texto.
Espera-se para este ano uma definição da SBTi em relação ao uso de compensações. De qualquer maneira, uma eventual autorização dos offsets estará condicionada à apresentação de um plano completo de cortes efetivos por parte da companhia. As compensações devem ser aceitas somente para parte das chamadas emissões de escopo 3, da cadeia de valor das empresas.
Finanças climáticas
Os créditos de carbono são negociados no mercado voluntário, que tem esse nome pois os compradores não são obrigados a reduzir suas emissões. Cada tonelada de carbono que deixou de ser emitida (evitando o desmatamento, por exemplo) ou foi removida da atmosfera corresponde a um crédito.
Os créditos de desmatamento evitado, os mais comuns no Brasil, foram particularmente afetados pela crise de confiabilidade que derrubou o mercado nos últimos meses.
O escândalo da Operação Greenwashing, que revelou um enorme esquema de corrupção e grilagem de terras na Amazônia ligado à geração de créditos, foi outro golpe para as empresas brasileiras que atuam no setor.
Um dos argumentos dos defensores do mercado de offsets é que, apesar das falhas, ele existe. Um mecanismo da ONU para criar um sistema global foi estabelecido no Acordo de Paris, em 2015, mas até hoje não foram definidas suas regras de funcionamento.
Além disso, os créditos seriam uma maneira de transferir recursos do mundo desenvolvido para países que não têm condições de arcar com todos os custos de mitigação e adaptação da crise climática.
As entidades que subscrevem a carta afirmam que, pelo contrário, o comércio de offsets “mina os preços de carbono dando a falsa ideia de que existem opções de abatimento [de emissões] ultra-baratas ao redor do mundo”.
Essa suposta distorção criaria incentivos contrários aos investimentos que as empresas precisam fazer para transformar suas cadeias de valor e seus sistemas econômicos.