Em um planeta em ebulição, reduzir as emissões de gases de efeito estufa é passo essencial para mitigar os danos da mudança climática. Se mantida a trajetória atual de emissões de gases de efeito estufa, o mundo caminha para um aquecimento de mais de 2,5ºC e já vivencia os desastres humanitários e materiais causados em diferentes países.
Não é preciso ir longe para ver uma prova: nesse momento, mais de 400 mil pessoas estão desabrigadas ou desalojadas por conta das enchentes que assolam o Rio Grande do Sul. Até o momento, há ao menos 131 mortos.
Enquanto as temperaturas renovavam recordes no ano mais quente já registrado, o setor de combustíveis fósseis, principal responsável pelas emissões de CO2, seguiu sendo beneficiado: os 60 maiores bancos do mundo financiaram US$ 705 bilhões em óleo, gás natural e carvão em 2023.
Quase metade desse valor, US$ 347 bilhões, foi destinado para expansão dessas atividades.
O ranking foi liderado por JPMorgan, Mizuho e Bank of America (BofA).
O levantamento consta na edição mais recente do ‘Banking on Climate Chaos’ (BOCC), que retrata a relação do sistema bancário com empresas de combustíveis fósseis. O relatório é elaborado por sete ONGs, como Rainforest Network e Sierra Club.
Quando se considera todo o período desde o Acordo de Paris, firmado em 2015, a cifra sobe para US$ 6,9 trilhões entre empréstimos, emissões de títulos de dívida e ações.
Daqui a seis meses, líderes globais devem se reunir em Baku para mais uma edição da conferência do clima, que terá as finanças como tema central. Em um avanço histórico na reunião passada, a COP28 conquistou o compromisso dos países signatários por uma transição que afaste suas economias dos combustíveis fósseis.
“A mensagem é clara: os combustíveis fósseis são um fim mortal para as pessoas e o planeta”, dizem os autores do BOCC, “Consequentemente, qualquer investimento em empresas produtoras de petróleo e gás é inconsistente com a limitação do aquecimento a 1,5ºC.”
A metodologia do levantamento foi atualizada nesta edição, o que impede a comparação com os números absolutos da publicação anterior. Agora, em vez de utilizar apenas as informações do terminal da Bloomberg, são considerados diferentes provedores de dados, o que aumenta a precisão dos números e o escopo dos bancos, com perspectivas menos centradas nos Estados Unidos, segundo as organizações.
O platô dos compromissos
Dos 60 bancos listados, 54 têm metas de longo prazo para alcançar o net zero – até 2060, no máximo.
São 43 as instituições que determinaram metas intermediárias específicas para o setor de fósseis. Dessas:
- 42 têm metas para o setor de energia;
- 41 adotaram metas para a exploração e produção convencional de óleo e gás;
- 8 contam com metas que se aplicam para empréstimos e subscrição de ações e títulos, e
- 6 têm metas ligadas à mineração de carvão destinado para termelétricas.
O progresso na adoção de políticas que abordam o carvão foi lento em 2023, avaliam os autores do BOCC. Para óleo e gás, a marcha foi acelerada, mas isso não se refletiu na melhoria da qualidade dessas políticas.
“Os bancos parecem ter alcançado um platô em suas políticas que, no geral, continuam muito fracas para conter a expansão de óleo e gás. Apenas La Banque Postale [França] e Danske Bank [Dinamarca] possuem diretrizes melhores.”
Outros 35 bancos têm algum tipo de restrição para financiamento de óleo e gás – mas elas não têm impacto significativo para limitar a expansão dessa indústria, de acordo com o relatório.
As instituições financeiras se apoiam nas promessas de petroleiras, que têm reduzido suas ambições climáticas e que não raro comunicam compromissos net zero que deixam de fora o chamado escopo 3 de suas emissões, o que inclui o uso final de seus produtos e que responde pela maior parte das emissões.
“As metas da ExxonMobil, por exemplo, incluem apenas as emissões dos escopos 1 e 2 (diretas e de eletricidade) de suas operações, ainda que mais de 85% das emissões da companhia venham de seus clientes queimando o óleo e o gás vendidos por ela”, dizem os autores do BOCC.
Zoom na Amazônia
O levantamento dá atenção à Amazônia, dada a importância ecológica do bioma. A conclusão dos autores é que os compromissos dos maiores bancos do mundo são insuficientes para proteger a floresta.
Dos 60, apenas BNP Paribas, HSBC, Société Générale, Intesa Sanpaolo, Barclays and Standard Chartered têm algum tipo de financiamento para companhias ativas na extração de petróleo e gás na região.
No ano passado, o financiamento total para essa finalidade foi de US$ 632 milhões, uma queda em relação aos US$ 802 milhões registrados em 2022. O BofA liderou os investimentos com US$ 162 milhões.
As transações analisadas estão ligadas a 24 companhias para as quais há evidência direta de envolvimento na extração de combustíveis fósseis na Amazônia distribuída pelo Brasil, Equador, Peru e Colômbia.
O bioma foi palco de um período de seca severa no ano passado, que levou os rios aos menores níveis já registrados e afetou meio milhão de pessoas. Mesmo com a ocorrência do El Niño, o evento dramático teve a mudança climática como principal fator, concluíram cientistas da World Weather Attribution, grupo acadêmico que avalia a “culpa” do aquecimento global em um evento extremo.
O aumento da temperatura global também influencia a onda de calor que atinge a África Oceidental e contribuiu com os incêndios florestais extremos no Canadá e as chuvas e nevascas intensas registradas em países como Rússia e Romênia no ano passado.