Nas debêntures de infra, governo põe foco na transição verde

Setor de petróleo não poderá usar os instrumentos; decreto mira energias renováveis, hidrogênio de baixo carbono e biocombustíveis

Geração eólica é contemplada nas novas regras das debêntures de infraestrutura; petróleo fica de fora
A A
A A

Com as novas regras para emissão de debêntures de infraestrutura e incentivadas, publicadas via decreto presidencial ontem, o governo busca direcionar recursos para financiar a transição para uma economia de baixo carbono. 

Projetos de petróleo não poderão fazer uso nem das novas debêntures de infraestrutura, que acabam de ser criadas, e nem das antigas debêntures incentivadas, que existem desde 2011 com benefícios fiscais aos investidores pessoas físicas e que tiveram as regras atualizadas. 

O setor de energia é um dos quinze considerados prioritários para aplicação das debêntures e, dentro dele, o governo elencou sete segmentos que enfatizam a tônica na transição energética: 1) geração por fontes renováveis, transmissão e distribuição; 2) gás natural; 3) produção de biocombustíveis e biogás (exceto a fase agrícola); 4) produção de combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono; 5) hidrogênio de baixo carbono; 6) captura, estocagem, movimentação e uso de dióxido de carbono; 7) e dutovias para transporte de combustíveis, incluindo biocombustíveis e combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono.

Outro ‘twist’ a favor da descarbonização trazido pelas novas regras é a possibilidade de enquadrar investimentos complementares aos projetos originais de infraestrutura que tenham a finalidade de reduzir ou mitigar emissões de gases de efeito-estufa. 

“O governo incluiu uma série de coisas que tem a ver com a transição energética e com uma sustentabilidade maior, seja na cidade, com o transporte urbano, seja na matriz energética, excluindo petróleo e térmicas em geral, e mantendo [apenas] fontes renováveis”, avalia Marina Anselmo Schneider, sócia da área de financiamento de projetos do escritório Mattos Filho.

Criadas por lei em janeiro, as debêntures de infraestrutura se diferenciam das debêntures incentivadas pelo beneficiário do incentivo fiscal. 

Nas incentivadas, as pessoas físicas que investem nesse tipo de papel têm o rendimento isento dos 15% de Imposto de Renda (IR). Esse benefício fez com que esses papéis ganhassem enorme tração nos últimos anos e, mesmo com os prazos longos e risco maior dos projetos, caíssem no gosto dos investidores individuais em busca de retornos maiores. 

Já na nova modalidade de infraestrutura, o benefício fica com o emissor do título, ou seja, as companhias, que vão poder deduzir os juros pagos aos investidores na apuração de seu lucro líquido e no pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). 

A intenção é atrair os bolsos de investidores institucionais, como fundos de pensão e seguradoras, que já contam com benefício fiscal e que agora poderão ser atraídos pela remuneração dos papéis de infraestrutura, que tende a ser maior.

Os 15 setores contemplados pelas regras são: logistica e transportes; mobilidade urbana, energia; telecomunicações e radiodifusão; saneamento básico; irrigação; educação pública; saúde pública; segurança pública e sistema prisional; parques urbanos públicos e unidades de conservação; equipamentos públicos culturais e esportivos; habitação social, por meio de parcerias público-privadas (PPPs); requalificação urbana; transformação de minerais estratégicos para a transição energética; iluminação pública.

As novas regras também eliminam a necessidade de que os projetos sejam aprovados um a um pelos respectivos ministérios, com a intenção de simplificar os processos. No entanto, será necessário aguardar que cada uma das pastas publique suas portarias elencando as prioridades e demais exigências dos seus setores.

Schneider, do Mattos Filho, destaca a determinação de que projetos que envolvam serviços públicos de Estados e municípios precisarão de uma aprovação ministerial prévia, o que pode burocratizar o processo nesses casos.

“Na prática, se for uma rodovia federal, não precisa de uma portaria específica. Se for uma rodovia estadual, pode ser que precise. Isso cria uma burocracia, a meu ver, que não precisava.”

Alexei Bonamin, advogado sócio das áreas de mercado de capitais, private equity e venture capital do TozziniFreire, questiona a determinação de que projetos de educação e saúde devem ser de natureza “pública e gratuita”.

Segundo ele, a intenção foi não liberar o benefício para todo o setor empresarial de saúde, de educação, que tem outros meios de se financiar. “Mas quanto mais a gente fizer investimentos em saúde e educação, melhor, pois afeta positivamente o social.”

Ele destaca que o decreto especifica que projetos de habitação social estão abarcados pela regulamentação apenas se forem executados via parceria público-privada (PPP).

“Isso traz uma restrição. Muitos projetos, às vezes em comunidades, têm ONGs participando. Nesses casos não será possível fazer [a emissão de título] porque não há uma PPP?”, questiona.