
O desempenho negociador da presidência brasileira da COP30 foi excepcionalmente competente, confirmando o acerto da decisão de atribuir o comando das negociações a um experiente diplomata, secundado por um time entrosado e extremamente qualificado no trato das complexas questões técnicas e políticas discutidas nessas conferências.
Ao menos duas grandes vitórias lhe devem ser creditadas. A primeira, a de defender a essência multilateral do Acordo de Paris em dificílimo momento de tensões geopolíticas, desmontando um impasse nos últimos dias da conferência que, mesmo depois de aparentemente contornado, ressurgiu em público durante a última sessão plenária, quase pondo em risco a própria conclusão da COP30.
A segunda foi tornar a COP30 um momento em que se conseguiram avanços cruciais na perspectiva de implementação das decisões de conferências passadas, fruto de alinhamento em torno de consensos emergentes sobre questões estruturais da agenda multilateral do clima conseguido pela liderança brasileira. Daí resulta um mandato claro para a presidência da COP30 implementar importantes decisões durante 2026, inclusive definindo o espinhoso problema dos mecanismos de financiamento da transição nos países emergentes, de onde deve vir o grosso das emissões nas próximas décadas.
Desmontando as tensões
O impasse mencionado acima originou-se de duas fontes inesperadas de grande antagonismo e tensão. De um lado, a pressão para aprovar um roadmap para o abandono do uso de combustíveis fósseis, definido em termos genéricos na COP de Dubai, em 2023. Que haja oposição a isso pode parecer curioso, pois a queima de combustíveis fósseis é de longe a maior causa do aquecimento global e já estamos perigosamente além dos objetivos de aquecimento máximo do Acordo de Paris.
Entretanto, no jargão diplomático, um roadmap, ou mapa do caminho, é definido como um plano estruturado que, além de definir responsabilidades e critérios de desempenho das partes, fixa objetivos claros, sequenciamento de ações e prazos para sua execução. Nesse sentido, o impasse ocorrido era previsível, pois sua aprovação por consenso, como obrigam as regras da Convenção do Clima da ONU, é hoje impossível.
A razão é simples. O mero anúncio de um roteiro impositivo pode ter efeito significativo sobre o preço de ativos das indústrias de petróleo, gás e carvão, e em setores e países onde o uso de fósseis é de difícil substituição no curto prazo, desorganizando os processos nacionais de transição energética. A proposta, portanto, atravessava, no jargão diplomático, uma “linha vermelha” definida não só pelos países produtores, liderados pela Arábia Saudita, mas por grandes consumidores (e emissores) como China e Índia, além da Rússia, Nigéria e outros. Uma oposição de peso em uma COP sem a presença dos Estados Unidos, mas hoje certamente alinhado com a visão dos países produtores.
De outro lado, durante a COP tomou corpo uma coalizão de países em desenvolvimento demandando mecanismos de financiamento para sua adaptação aos efeitos das mudanças do clima. Nas palavras do chefe da delegação europeia, os europeus “estenderam a mão” a este grupo, segundo o jornal francês Le Monde.
Durante a primeira semana da conferência, o movimento a favor do roadmap para o fim dos combustíveis fósseis cresceu e se tornou bastante vocal depois que os europeus engrossaram o grupo. Surpreendentemente, como amplamente noticiado, a União Europeia chegou a ameaçar abandonar as negociações junto com o Reino Unido na véspera da reunião plenária de encerramento caso o roadmap para os combustíveis fósseis não fosse incluído formalmente nas decisões – o que destruiria a legitimidade da COP30.
Entretanto, os conflitos sobre essa questão e alguns pontos técnicos sobre os programas de adaptação foram aparentemente contornados em negociações de alto nível nas horas finais. Em relação aos fósseis, em particular, com um acordo de aprofundar o tema durante a presidência brasileira.
Mesmo assim, para surpresa da mesa da conferência, as questões ressurgiram com força durante a plenária de encerramento, onde apenas se aprovam formalmente as resoluções negociadas na conferência. Um bloco latino-americano formado em torno da Colômbia, com apoio da União Europeia, bloqueou o processo decisório usando a necessidade de decisões por consenso, acusando a presidência da COP de bater o martelo sobre matérias ainda não consensuadas.
O impasse só foi contornado depois de mais de uma hora de interrupção dos trabalhos, com a presidência brasileira reiterando a promessa de retornar à discussão sobre o fim do uso dos combustíveis fósseis durante uma conferência especial na Colômbia, em abril de 2026, evitando assim a aprovação formal de um roadmap na COP30.
Acelerando a implementação
Mas essa foi a parte jogada para a plateia. Na questão substantiva de tornar a COP30 a “COP da implementação”, como anunciado pelo Brasil ao longo de 2025, Belém foi um retumbante sucesso. De fato, esta conferência pode ficar na história como o ponto de virada, quando se aproveitou um alinhamento em torno de vários consensos emergentes entre os signatários do Acordo de Paris tanto para acelerar a implementação de decisões já tomadas nos últimos anos, quanto para conferir um claro mandato para que a presidência brasileira desenhe os instrumentos de financiamento da transição.
O documento síntese da COP30, é a chamada “Decisão Mutirão”. A parte particularmente importante deste documento é um conjunto de decisões sintetizadas no Global Implementation Accelerator, um pacote de medidas consistentes com decisões passadas da conferência das partes do Acordo de Paris que, pela primeira vez são integradas dando urgência, coerência e centralidade aos planos nacionais de mitigação (NDCs) e de adaptação, e associando sua execução com o financiamento aos países em desenvolvimento.
O financiamento aos países em desenvolvimento era um ponto central da pauta de Belém. Depois de um começo auspicioso na COP de Glasgow, onde prevaleceu visão otimista sobre o papel do setor financeiro privado, os fluxos de financiamento têm evoluído erraticamente, em parte por influência do instável ambiente macroeconômico global, mas, principalmente, porque a maioria dos países em desenvolvimento tem desvantagem estrutural no acesso aos mercados privados de capital.
Por outro lado, o avanço do aquecimento global torna urgentes os investimentos adicionais em adaptação, normalmente só viabilizados por investimentos públicos.
Este roteiro definindo o caminho para gerar os investimentos necessários, ainda segundo o Mutirão (parágrafos 54 e 55), deverá ser formulado tecnicamente por um grupo de trabalho a ser em breve convocado pela presidência da COP30, para “estabelecer um programa de trabalho de dois anos sobre financiamento climático, inclusive sobre o Artigo 9, parágrafo 1, do Acordo de Paris, no contexto do Artigo 9 do Acordo de Paris como um todo’.”
Este relatório, quando concluído, será de certo modo a forma final, operacionalizável, do chamado Roteiro de Baku a Belém, publicado antes da COP30, definindo, dimensionando e sugerindo como implementar instrumentos de financiamento públicos e privados, transferidos das economias de alta renda média para as economias emergentes, para chegar aos US$ 1,3 trilhão de investimentos na transição em 2035, visto como o volume consistente com a trajetória proposta pelo Acordo de Paris. Agora, é botar mãos à obra.