Estande da Indonésia na COP30

Belém Fora das salas de negociações da COP30 começou a tomar forma uma transformação que expõe as limitações da cooperação climática internacional e ao mesmo tempo dá sinais de uma nova configuração das conferências do clima.

Agenda de Ação, o nome oficial, diz pouco. Trata-se de um mecanismo criado pelo Acordo de Paris para servir de ponto de contato do resto do mundo com as Conferências do Clima da ONU.

Nos dez anos desde Paris, essa parte do regime climático foi alvo de desdém por parte de muitos. O que não é negociado e referendado pelos quase 200 países seria blablabla, dizem os críticos.

Eles argumentam que a Agenda de Ação se baseia em iniciativas voluntárias e portanto seria uma zona livre para anúncios que fazem muito barulho no lançamento, mas depois não prestam contas do que fazem – quando fazem.

A visão da presidência brasileira para esta e para as próximas COPs é diferente. A regulamentação do Acordo de Paris está finalizada, e a Agenda da Ação é uma maneira de implementá-la com a participação de quem não é parte formal das negociações. São acadêmicos, empresas, sociedade civil e governos subnacionais.

“É o momento de demonstrar que o processo [de transição] é essencialmente econômico e social”, diz ao Reset o peruano Manuel Pulgar-Vidal, presidente da COP20, em Lima, e líder global de clima e energia do WWF Internacional.

Foi sob a presidência de Pulgar-Vidal que a COP idealizou a Agenda de Ação. Mais de uma década mais tarde, ele afirma que esse mecanismo precisa entrar numa terceira fase, que mostre o progresso no “mundo real”.

A costa-riquenha Christiana Figueres, uma das arquitetas do Acordo de Paris, disse ao Reset que as COPs já são um lugar do setor privado, e a presença em peso de executivos de empresas brasileiras e estrangeiras em Belém são uma indicação de que os sinais políticos enviados pelas conferências se traduzem em ação, mesmo que o processo oficial seja laborioso e demorado.

Fio condutor

Em Belém, o Brasil apresentou uma versão repaginada e reorganizada desse lado paralelo das COPs. O fio condutor é o Balanço Global (GST, na sigla em inglês), concluído na COP28, em Dubai. “Eu o chamaria de plano climático global”, diz o peruano.

Foi no GST que apareceu a primeira menção aos combustíveis fósseis em três décadas de diplomacia climática. Como as negociações de Belém mostraram, avançar no tema é difícil com a necessidade de consenso entre quase 200 países.

As iniciativas voluntárias não dependem de nada disso. Basta reunir quem está disposto – e fazer.

A presidência brasileira promoveu uma reformulação sem precedentes da Agenda de Ação. Centenas de iniciativas lançadas ao longo da última década sob este grande guarda-chuva não tinham nenhum tipo de acompanhamento formal.

Desta vez elas foram organizadas em seis grandes eixos, incluindo a transição dos fósseis, e a partir de agora o plano é monitorar o progresso do que se decide nas COPs no mundo real – a implementação, palavra-chave de Belém.

Até aqui, não havia qualquer tipo de monitoramento formal. Anúncios feitos com alarde durante COPs eram esquecidos – e ao longo do último ano a presidência brasileira descobriu que algumas iniciativas nem sequer existiam mais.

Para fazer parte dessa nova fase da Agenda de Ação, uma das condições foi a divulgação de reportes. “Pedimos indicadores quantitativos, não só textos descrevendo resultados. Isso começou a nos dar uma clareza maior sobre o que elas se comprometeram a fazer e onde estão nesse ciclo de entrega”, disse ao Reset Bruna Cerqueira, que coordenou o trabalho da Agenda de Ação.

Entre os avanços identificados – “as alavancas que aceleram a ação climática”, segundo Cerqueira – estão investimentos da ordem de US$ 1 trilhão até 2030 para ampliar a resiliência das redes elétricas e triplicar a capacidade renovável mundial.

Do lado ambiental, o relatório final da Agenda de Ação destaca o volume crescente de áreas naturais protegidas ou restauradas — florestas, terras e oceanos. Milhões de agricultores migram para práticas de agricultura regenerativa e os investimentos já comprometidos chegam a US$ 9 bilhões, cobrindo mais de 210 milhões de hectares e envolvendo 12 milhões de produtores em mais de 110 países.

A dimensão social da ação climática também chama atenção. A campanha Race to Resilience beneficiou 437,7 milhões de pessoas, ampliando sua capacidade de enfrentar riscos climáticos. Empresas, cidades e regiões somando US$ 400 bilhões em faturamento anual reduziram mais de 850 mil toneladas de CO2 apenas em 2024, superando a marca de 1 milhão de toneladas desde o início do programa.

TFFF e mapas do caminho

O fundo de florestas TFFF, a coalizão para harmonizar mercados regulados de carbono e a conferência paralela para discutir a transição dos combustíveis fósseis no ano que vem também são exemplos de esforços à margem das COPs.

Elas não fazem parte da Agenda de Ação oficialmente, mas representam o tipo de esforço que será necessário para colocar em prática o que foi decidido nas últimas três décadas.

Da mesma forma, a iniciativa da presidência brasileira de preparar dois roadmaps, um para o fim dos combustíveis fósseis e outro para acabar com o desmatamento, não será parte do processo oficial da COP.

O mesmo vale para o mapa que aponta caminhos para atingir US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 em financiamento da transição de países em desenvolvimento.

O chamado Baku to Belém Roadmap, apresentado na capital paraense, não foi submetido à aprovação das partes. A conferência apenas o “notou”. Mas os brasileiros querem continuar desenvolvendo as ideias ali contidas pelo menos até o fim de sua presidência, que vai até o começo da COP31, na Turquia.

Só as ideias em mais de 80 páginas do roadmap renderiam anos de intermináveis discussões em salas de COPs, tempo que o mundo não tem.

A mobilização de capital privado ou a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento, duas propostas desse mapa do US$ 1,3 tri, não são leis internacionais e, portanto, não haveria de quem cobrar seu cumprimento, dizem alguns ativistas.

“Há vozes críticas, sempre houve. Quando lançamos a agenda de ação climática diziam que trazer outros atores poderia desviar o foco nas negociações”, diz Pulgar-Vidal. “O tempo mostrou o contrário. Acho que o apoio dos atores não-estatais e dos governos subnacionais foi muito importante para se alcançar o Acordo. Hoje, são eles que dão mais respaldo político ao processo.”