OPINIÃO: Por que o agro deve ficar fora do mercado regulado de carbono

Existem instrumentos mais eficientes e já prontos para forçar a redução de emissões do setor; precificação do carbono deve focar na indústria

Colheitadeiras em campo de soja no Mato Grosso
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A Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei 412/2022, que  cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). É um passo importante para o Brasil, finalmente, ter um mercado regulado de carbono, cujo objetivo central deve ser fazer a economia brasileira rodar emitindo menos gases de efeito estufa. 

A proposta passará ainda pela Câmara e pode, em caso de mudanças, retornar ao Senado. Se implantado, o SBCE funcionará dando um teto máximo de emissões por instalação e permitindo compra e venda de cotas e créditos dentro desse limite.

Ao atribuir um preço às emissões, o mercado regulado sinaliza ao empresário o momento a partir do qual se torna mais vantajoso investir em novos equipamentos e processos do que comprar permissões de emissão. 

Seu foco é eliminar as emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis em plantas industriais e de geração de eletricidade. Nelas, queimam-se gás, carvão mineral e óleo fóssil para gerar calor para os diferentes processos. 

E o setor da agropecuária, segundo maior emissor de gases de efeito estufa no Brasil? Ao avaliar a aplicabilidade desse mecanismo de mercado no agro, percebe-se que há limitações significativas.

Suas emissões vêm, principalmente, do rebanho bovino  – fermentação entérica e dejetos –, da aplicação de fertilizantes à base de fósseis, da produção de arroz em áreas alagadas e do consumo de diesel em máquinas e implementos.

No caso da geração de calor de processo industriais, a ideia é que um preço do carbono gradativamente mais alto induza a adoção de outras fontes de energia – eletricidade, carvão vegetal e, um dia, hidrogênio.

No atual estado da arte da produção agropecuária do mundo, o teto (cap) do mercado regulado não faria sentido para a criação de ruminantes, não incentivaria a produção de arroz de sequeira, nem seria factível na aplicação de fertilizantes.

Ficando no exemplo da carne, o desenvolvimento de proteínas alternativas pode eventualmente atingir a escala e aceitação pelo público a partir do qual poderia se pensar em dispensar o gado bovino. Por enquanto, isso ainda é utopia.

Acreditamos que, por estas razões, o setor agropecuário não deva ser um dos focos principais do SBCE. É possível que, num horizonte de tempo mais longo, uma estratégia de precificação possa potencialmente influenciar os preços relativos do arroz ou a substituição de proteína animal por alternativas. Mesmo assim, um mercado cap-and-trade não seria o instrumento adequado para dar este sinal.

Do ponto de vista da agroindústria, as instalações que processam produtos agropecuários, por consumirem pouco combustível fóssil, estarão, na maioria das vezes, isentas das obrigações previstas no SBCE.

A maior parte delas não teria nem sequer que relatar suas emissões – obrigação prevista no PL aprovado apenas para quem supera as emissões de 10 mil toneladas de CO2e por ano. No entanto, entendemos que plantas industriais, como frigoríficos, que emitam mais de 25.000 toneladas anuais de CO2e, devem fazer parte do esforço coletivo de reduzir as emissões de carbono da economia brasileira. 

O agro vendedor de créditos

Outro ponto importante é que o agro tem interesse em participar do SBCE – não como ente regulado, mas como ofertante de créditos de carbono do mercado voluntário. 

O PL 412/2022 deixa aberta esta porta e transfere seu detalhamento para a futura regulamentação. O desafio reside em equilibrar a oferta e a demanda de créditos para evitar uma queda drástica nos preços das cotas, o que poderia enfraquecer o poder de incentivo do sistema. 

Do ponto de vista estrito do funcionamento de um sistema cap-and-trade, o regulador terá dois instrumentos principais de controle: o volume de cotas nos planos de alocação e os preços teto e piso que parametrizam o comércio das cotas.

O regulador não tem mão no preço dos créditos de carbono do mercado voluntário. Se um grande volume destes ativos inundar o sistema, isso faria o preço da cota de emissões despencar. O resultado? Nesse cenário, o agente regulado preferiria comprar créditos de carbono baratos do que investir na descarbonização de seus processos. O mercado deixaria de ser um instrumento da transição da economia para zero emissões. 

Por isso, é importante reforçar que o agro poderá usar a porta dos créditos de carbono voluntário, admitidos no SBCE. Gerenciar a qualidade e a quantidade de créditos voluntários no sistema será um aspecto importante, mas secundário, do funcionamento do mercado regulado. 

O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões deveria ter sido criado uma década atrás. A falta deste instrumento levou parte do setor industrial a permanecer com pegadas altas de carbono. Assim, não temos dúvidas de que é muito importante que o PL 412/2022 seja aprovado no Congresso o mais rapidamente possível, na estrutura proposta.

Seria lamentável perder esta oportunidade de legislar sobre o SBCE antes da COP28 – e o agro é um aliado importante nesse caminho até Dubai.

* Shigueo Watanabe Jr. é especialista em mudanças climáticas e energia e pesquisador no Instituto Talanoa, onde desenvolve projetos sobre os aspectos climáticos de políticas públicas