Brasília – Um dos principais objetivos da presidência da COP30 na última reunião preparatória da conferência de Belém foi desarmar possíveis “bombas” que possam travar a conferência antes mesmo do início das negociações.
O risco de um impasse na definição da agenda oficial da COP, que deve ser adotada por consenso antes do início das discussões, persiste. “Não está fora de perigo”, disse Ana Toni, diretora-executiva da COP30.
Mas os diplomatas brasileiros afirmam ter encontrado um “clima mais construtivo” entre os representantes das 67 delegações que compareceram à pré-COP, realizada em Brasília nesta semana.
São dois os temas mais contenciosos, que países estão usando como “moeda de troca” para incluir suas demandas na agenda de negociações: o financiamento climático e o Balanço Global do Acordo de Paris, especialmente a parte que se refere a “uma transição que se afaste dos combustíveis fósseis”.
A presidência das COPs não têm o poder de ditar o que entra e o que sai da agenda. Ela tem que ser acordada entre as quase 200 nações que fazem parte da Convenção do Clima da ONU. O papel da presidência é facilitar esse meio de campo.
Além de marcar um início conturbado em Belém, uma disputa prolongada pode roubar tempo precioso das duas semanas de negociações.
Um episódio em Brasília foi representativo. Em uma sessão plenária sobre transição energética no contexto da implementação do Balanço Global, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva enfatizou a importância do abandono do uso de petróleo e de carvão.
Os relatos de observadores são de que Abdelrahman Al Gwaiz, assessor-chefe de sustentabilidade da Arábia Saudita, teria protestado e dito que o Balanço Global não trata apenas disso, por isso não havia razão para tratá-lo com destaque.
O Balanço Global, ou GST, na sigla em inglês, é um mecanismo do Acordo de Paris que avalia o progresso coletivo dos países em relação à meta de limitar o aquecimento global em 1,5ºC. Ele foi aprovado dois anos atrás, na COP de Dubai, com a primeira menção em 30 anos aos combustíveis fósseis.
De um lado, alguns países (Europa, Canadá e Austrália) querem avançar para medidas mais práticas, talvez com prazos ou determinando quem deveria parar primeiro de produzir petróleo, gás e carvão. Outros, liderados pela Arábia Saudita e pela China, se opõem a qualquer tipo de detalhamento, meta ou até mesmo um acompanhamento formal dessa transição.
Uma das metas do Balanço Global é triplicar as energias renováveis até 2030. Em uma agenda paralela da pré-COP, o Brasil anunciou o compromisso de quadruplicar a produção e uso dos combustíveis sustentáveis até 2035, como hidrogênio, biogases, biocombustíveis e combustíveis sintéticos.
Esses combustíveis sustentáveis são uma solução para setores em que a eletrificação não é possível, pelo menos com as tecnologias atuais. Eles incluem transportes aéreo, marítimo e rodoviário pesado. Japão, Itália e Índia demonstraram apoio à iniciativa brasileira e a expectativa é que mais países se somem ao compromisso internacional durante a Cúpula de Líderes da COP30.
Moeda de troca
A questão da “transição para longe” dos fósseis deve ser condicionada a uma outra: o financiamento climático. Na COP do ano passado foi fechado um acordo possível sobre o tema, mas que gerou grande descontentamento. Ficou decidido que o mundo desenvolvido tem até 2035 para atingir US$ 300 bilhões anuais em financiamento climático para as nações mais pobres.
Uma vez decidido o montante entre as partes, os detalhes sobre a operacionalização disso, com a definição de critérios, seria realizada pela Comissão Permanente de Finanças da Convenção do Clima, a UNFCCC. Mas as nações emergentes querem que o assunto volte para a pauta como item de negociação, o que inicialmente não está previsto para a COP30.
“É um trade off. Eles argumentam que, se os países desenvolvidos querem falar de transição para longe dos fósseis, vamos ter que falar de financiamento”, diz André de Castro, especialista em direito internacional e diretor técnico da Laclima, uma associação de advogados focados em política climática, que acompanhou a pré-COP em Brasília.
Segundo ele, emergentes como China e Índia se comprometeram com a transição energética, mas a velocidade vai depender de ter recursos. “Isso tem como pano de fundo o fato de que pediram US$ 1,3 trilhão de financiamento anual, mas vieram só US$ 300 bilhões”, lembra Castro.
Esse bloco negociador, chamado de LMDC (sigla em inglês para países em desenvolvimento com pensamento semelhante), têm ainda uma outra carta na manga: as medidas comerciais unilaterais baseadas em justificativas climáticas. O principal exemplo delas é o CBAM, sobretaxa que a União Europeia vai cobrar de importados como aço e cimento, que embutem muito carbono.
Essa foi uma vitória conquistada nas reuniões preparatórias do meio do ano em Bonn, na Alemanha: as medidas comerciais unilaterais foram incluídas nas discussões de transição justa, que trata dos impactos socioeconômicos da descarbonização sobre trabalhadores e comunidades vulneráveis.
Clima mais ameno
O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, indicou que as conversas foram construtivas na pré-COP em Brasília. Esse ponto foi classificado por observadores como uma conquista, já que o clima em reuniões preparatórias anteriores foram classificados como “polarizado” e até “tóxico”.
“Tem um certo alinhamento entre esses 70 países [presentes na pré-COP] em torno das prioridades, como o multilateralismo. Vamos ter boa vontade para negociar”, disse Claudio Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima, uma rede de ONGs.
Promovida pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro, a pré-COP aconteceu nesta terça (13) e quarta-feira (14) na capital brasileira. Ela não faz parte do calendário oficial da Convenção do Clima da ONU, mas tem sido realizada nos últimos anos pelos países-sede da conferência para antecipar negociações da agenda. Os observadores destacaram a presença de alto nível de ministros de países importantes, como China e Índia.
O encontro segue por mais dois dias em Brasília, mas agora a portas totalmente fechadas, sem observadores e imprensa – os jornalistas tiveram acesso apenas à transmissão de falas de abertura e encerramento de algumas plenárias e coletivas.
Desfazendo nós
As três principais decisões esperadas de Belém são o chamado Programa de Transição Justa, as Metas de Globais de Adaptação e o Balanço Global. Cada um deles teve três rodadas de discussões na pré-COP em Brasília.
As conversas aconteceram no nível político. As minúcias de cada um desses itens ainda precisam ser resolvidas pelos negociadores, durante a COP. O objetivo principal da reunião era tratar das diferenças no nível político.
Corrêa do Lago disse que a presidência brasileira conseguiu mapear as “linhas vermelhas”, ou seja, os pontos sobre os quais os países não estão dispostos a fazer concessão alguma.
Segundo ele, foram testadas algumas alternativas, sem revelar detalhes sobre elas. “Algumas das alternativas tiveram nota muito baixa, então acho que deixaram de ser alternativas”, disse em entrevista coletiva a jornalistas. “Mas continuamos com algumas e vamos seguir trabalhando.”
Notícia ruim
A COP em Belém, porém, já vai começar com um resultado ruim: o gap de ambição dos países nos compromissos de cortes de emissões de gases de efeito estufa.
Até o momento, apenas 62 países entregaram suas NDCs, as Contribuições Nacionalmente Determinadas. A promessa é que o número chegue a pelo menos 100 até a COP de Belém.
Na solenidade de encerramento da pré-COP, a ministra brasileira Marina Silva disse que é preciso enfrentar a insuficiência de ambição das NDCs. Caso contrário, “não estaremos à altura do desafio que nós mesmos estamos nos colocando”.
A UNFCCC vai apresentar no dia 28 de outubro o relatório que sumariza todas as NDCs apresentadas até o fim de setembro. “O gap é certeza, o documento vai mostrar o tamanho dele”, diz Castro, do Laclima.
“A ciência é clara: serão necessárias muito mais ambição e implementação para manter o limite de 1,5 grau Celsius ao nosso alcance. Em Belém, teremos uma visão mais clara de quão distante o mundo está de cumprir as metas do Acordo de Paris – e precisaremos responder com um plano concreto”, disse a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed.