
O governo brasileiro pretende apresentar na COP30 um plano ambicioso para integrar os mercados de carbono do mundo todo. O objetivo é criar uma coalizão com a participação voluntária de países ou blocos com o objetivo inicial de substituir taxações de fronteira unilaterais como o CBAM, da União Europeia, que entra em vigor em janeiro.
Como aconteceu com o fundo de florestas TFFF há dois anos, o conceito será descrito em linhas gerais em Belém para buscar a adesão de outros países e avançar em um desenho prático.
Essa coalizão estabeleceria inicialmente um preço comum de carbono para quatro setores da indústria responsáveis por cerca de 20% das emissões globais de gases estufa: aço, alumínio, cimento e fertilizantes.
Os países que não fizerem parte do “clube” teriam de pagar um ajuste de fronteira para exportar esses produtos ou seus derivados aos que integram a coalizão.
“Estamos dialogando com União Europeia, com China, com Reino Unido, Noruega, enfim, vários potenciais parceiros”, diz Rafael Dubeux, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, ao Reset. “Se essa coalizão tiver um tamanho minimamente suficiente, ela já cobriria uma parcela grande das emissões.”
A iniciativa poderia multiplicar por sete a redução de gases lançados na atmosfera por esses quatro setores, em comparação com as políticas atuais, de acordo com um estudo realizado por economistas das universidades Harvard e MIT.
A ideia está alinhada aos objetivos da Convenção do Clima, ou UNFCCC, mas não faz parte da agenda oficial de negociações da COP nem depende da aprovação unânime dos países que a integram para existir.
O secretário-executivo da Fazenda explica que seria necessária a adesão voluntária individual à coalizão para que ela tenha chances de sucesso.
“Para viabilizar iniciativas ambiciosas, a gente tem a dificuldade de construir um consenso, porque [na UNFCCC] tudo tem que ser aprovado unanimemente. A resistência de um só país inviabiliza qualquer tentativa nesse sentido.”
Um clube do carbono
Ambição não falta à ideia. O objetivo maior é uma integração entre os sistemas de precificação de carbono existentes, sejam eles mercados ou impostos.
Mas essa é uma tarefa complicadíssima do ponto de vista operacional e político. Existem poucos exemplos no mundo de interoperabilidade entre sistemas de cap and trade, modelo de regulação que o Brasil vai implementar.
O foco inicial seria em algo intermediário, com um preço comum acordado entre os participantes da coalizão para as emissões dos quatro setores.
Por exemplo: caso um país que não integre esse grupo queira exportar aço para algum membro do clube, teria de pagar um ajuste de fronteira dando conta desse custo adicional associado ao carbono.
A lógica é a mesma do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), o mecanismo instituído pela União Europeia: igualar as condições frente a concorrentes externos que não estão sujeitos à precificação do carbono. Reino Unido, Austrália e Canadá planejam adotar políticas semelhantes.
Lições do CBAM
Essa proliferação de mecanismos unilaterais é um problema, diz Catherine Wolfram, professora de economia aplicada da escola de administração do MIT.
Wolfram estuda o assunto e, a pedido do governo brasileiro, escreveu em parceria com outros especialistas um estudo mostrando como uma política coordenada poderia ser mais eficaz e mais justa.
“O anúncio dessa política europeia abriu uma conversa global sobre o assunto. O impacto foi tremendo”, disse ela ao Reset. A ideia da coalizão é “pegar as partes boas do CBAM e não as ruins”.
Wolfram menciona como ponto negativo o fato de todos os exportadores estarem sujeitos à mesma sobretaxa para acessar o mercado europeu, o que resulta em um fardo econômico adicional para países mais pobres.
“Esse clube poderia ter faixas diferentes de cobrança, dependendo do nível de desenvolvimento econômico do país exportador”, afirma ela.
Outro aperfeiçoamento sugerido no estudo é uma simplificação nos reportes necessários – a UE vai isentar da sobretaxa pequenos e médios importadores por causa das complicações burocráticas.
Fase inicial
Dubeux, do Ministério da Fazenda, afirma que esse clube do carbono ainda está em gestação. Ele traça um paralelo com o fundo de florestas que deve ser oficializado na COP30.
O conceito do TFFF foi apresentado pelo governo brasileiro há dois anos, na COP28. Desde então, houve um intenso trabalho junto às partes interessadas para desenhar como esse fundo funcionaria na prática.
Também como o TFFF, o Brasil está puxando a discussão, mas se a ideia vier a se concretizar o país será apenas mais um participante em um sistema independente e com regras de governança.
“Estamos um ou dois passos atrás [em comparação com o TFFF]”, afirma Dubeux em relação ao que deve ser anunciado em Belém. “A gente gostaria de ter uma declaração conjunta de países se dispondo a participar, com um desenho básico da coalizão montado e, espero, um cronograma tentativo de implementação.”
Dubeux reconhece que mesmo essa “harmonização” inicial dos mercados de carbono, que viria antes de uma integração completa, tem outro grau de complexidade em relação ao fundo de florestas.
As conversas estão acontecendo, diz Dubeux. China, Noruega, Reino Unido e União Europeia contribuíram com o documento organizado por Wolfram . Mas ele diz ainda não poder afirmar se todos darão apoio formal quando a ideia for apresentada na COP. “Eu gostaria muito [de contar com essas adesões].”
Escalação inicial
Wolfram afirma que não há um número mínimo de países comprometidos para que a iniciativa vá adiante. “Quanto mais emissões [do grupo inicial], melhor. Se você considerar China, Brasil e União Europeia, já estamos falando de uma quantidade considerável, especialmente nos quatro setores em que estamos focando.”
Ela diz que, uma vez estabelecida, a coalizão pode ser “magnética”, especialmente se os integrantes representarem uma demanda relevante. Juntar-se ao clube para evitar a sobretaxa de carbono pode ser um incentivo importante.
A ausência dos Estados Unidos, algo dado como certo pelo menos no governo atual, também não seria um problema, na opinião de Wolfram. “Estranhamente, isso pode facilitar as coisas. Ter a liderança de um país de renda média, como o Brasil ou eventualmente a China, pode ser positivo”, afirma ela.
Já a guerra tarifária deflagrada por Donald Trump colocou em foco o comércio internacional. “Se quisermos continuar com o comércio global, precisamos de novos ajustes, se não multilaterais, ‘minilaterais’”, diz a autora do estudo.
Arregaçando as mangas
Como o fundo de florestas, a coalizão do carbono representa uma iniciativa alinhada com o regime climático da ONU, mas independente. Dubeux diz que não se trata de um “motim” de alguns países diante do ritmo glacial da diplomacia do clima.
“Adoraria ter os 200 países, mas a gente não tem 20 anos para negociar. Então temos que partir para arranjos alternativos, respeitando o multilateralismo. A coalizão é aberta, todos estão convidados e são incentivados a aderir”, afirma ele.
Entre as questões em aberto estão o status legal do clube (“poderia ser um tratado”), a governança e onde ele ficaria abrigado. Uma possibilidade seria dentro da própria estrutura da UNFCCC, que já tem um corpo técnico especializado.
Mesmo com essas incertezas, Dubeux diz que a ideia é factível: “Não tenho dúvida de que essa integração entre países não será trivial. Mas o diálogo tem sido muito promissor”.