
A União Europeia aprovou uma nova lei para reduzir o desperdício da indústria da moda. Ela se aplica a todos os produtores têxteis – de marcas de luxo a marketplaces – mas tem como alvo especial o impacto ambiental da fast-fashion, responsável pela produção acelerada de roupas – tão acelerada que o termo já foi atualizado para ultra-fast-fashion para dar conta de definir o fenômeno.
A medida é considerada uma das principais iniciativas para conter o descarte desenfreado de materiais desse setor e faz parte do plano da UE de alcançar uma economia circular até 2050. “A Europa está reescrevendo as regras do desperdício de moda”, disse o site The Fashion Law, que classificou a medida como “histórica”.
A ideia é responsabilizar quem produz. O Parlamento Europeu aprovou na semana passada a adoção de um sistema chamado Responsabilidade Estendida do Produtor (EPR, na sigla em inglês), que abrange todo o ciclo de vida dos produtos.
Com isso, os Estados-membros da UE são obrigados a estabelecer programas que garantam que os produtores, e não os contribuintes, paguem os custos para recolher, triar e reciclar seus produtos têxteis – entram nessa conta roupas, calçados, cobertores, cortinas e até colchões, em uma segunda etapa.
Conhecida como “imposto da economia circular”, a proposta foi apresentada em 2023 e agora está prestes a ser assinada pelos presidentes do Parlamento e pelo Conselho da União Europeia, os dois colegisladores do bloco, para então ser publicada no Diário Oficial europeu. A partir daí, os países do bloco terão 20 meses para definir suas regras locais, ou seja, devem começar a valer em meados de 2027.
As exigências valem para todos os produtores, até os que vendem online sem estarem sediados no bloco, obrigando os gigantes da fast-fashion online a cumprirem as normas, tal como as marcas europeias tradicionais. Pequenas empresas terão um ano extra para se adequar.
Na UE, cerca de 12 milhões de toneladas de resíduos têxteis são gerados todos os anos, mas apenas 1% desses materiais é reciclado, segundo a Comissão Europeia.
E o consumo não para de crescer: os europeus compraram, em média, 17 quilos de roupas por pessoa em 2019, volume que subiu para 19 quilos em 2022 – suficiente para encher uma mala grande de viagem. Do total, cerca de 12 quilos são descartados por pessoa a cada ano, indo para aterros ou incineração.
Fast-fashion no alvo
O Parlamento Europeu autorizou explicitamente os governos nacionais a abordar práticas de fast fashion e ultra-fast fashion ao projetar seus sistemas de EPR, segundo o site The Fashion Law.
Isso significa que os mecanismos de contribuições financeiras podem ser vinculados à pegada ambiental das peças de vestuário, penalizando itens de curta duração, de fabricação barata e difíceis de reciclar. Em contrapartida, empresas que investem em durabilidade, reparabilidade ou design circular podem se beneficiar de taxas mais baixas.
A legislação visa não apenas transferir custos, mas também incentivar mudanças estruturais. Ao vincular as despesas de gestão de resíduos aos produtores, os legisladores esperam direcionar o setor para modelos mais lentos e sustentáveis, afastando-o das tendências do descarte.
Quem lucra, paga
A indústria da moda tem um impacto climático bem maior do que se imagina. Só em 2022, os produtos têxteis europeus emitiram cerca de 355 kg de carbono por pessoa, o equivalente a viajar 1.800 km em um carro a gasolina, segundo um paper do Parlamento Europeu.
A produção de roupas também usa muita água e solo. Para produzir uma camiseta de algodão, por exemplo, são necessários 2,7 mil litros de água – quase a quantidade que uma pessoa bebe em dois anos e meio. Em média, o consumo de têxteis por europeu exige: 323 metros quadrados de terra, 12 metros cúbicos de água e 523 kg de matérias-primas.
Seguindo a lógica do “quem polui paga”, a UE quer reduzir o impacto da moda rápida e incentivar modelos mais circulares de produção.
“Essa legislação vai acelerar a transição para modelos de negócios circulares e um consumo mais sustentável”, disse James Beard, chefe de conformidade voluntária da Valpak, empresa que auxilia companhias a atenderem exigências em reciclagem, ao The Wall Street Journal.
Beard também alerta que “os requisitos vão gerar custos e pressão operacional para os produtores, que já enfrentam dificuldades”. O desafio, segundo ele, será equilibrar as novas obrigações financeiras com a competitividade.
Marcas que antes passavam a terceiros os custos ambientais de seus produtos terão agora de incluir a gestão de resíduos diretamente em seus modelos de negócio.
Uma das grifes mais tradicionais e valiosas do mundo, a francesa Chanel anunciou neste ano a criação de uma nova plataforma de circularidade focada em transformar resíduos têxteis em matéria-prima.
Menos restos no prato
A nova diretiva da UE também inclui metas de combate ao desperdício de alimentos. Hoje, quase 60 milhões de toneladas de comida vão parar no lixo todos os anos na União Europeia – o equivalente a 132 kg por pessoa, segundo o Parlamento Europeu.
Com a nova lei, até 2030 cada país terá de reduzir: 30% o desperdício em mercados, restaurantes e lares; e 10% os resíduos gerados pela indústria e pela transformação de alimentos.
As metas têm como base a média de restos alimentares registrada entre 2021 e 2023 no bloco.