
Derivado do petróleo, o plástico não só emite CO2 na atmosfera como também é o principal poluidor de rios e oceanos. Mas o ritmo de consumo do planeta inviabiliza a paralisação total da produção de embalagens e produtos feitos a partir deste material.
Como a reciclagem não é o negócio principal da maioria das empresas que utilizam o plástico na cadeia, elas não conseguem estruturar programas próprios de logística reversa. Isso dificulta a destinação correta dos resíduos e, posteriormente, a reciclagem. Para ajudar a mitigar este problema, foi criado um mecanismo financeiro: o de créditos de plástico.
O plano tem outros objetivos importantes além de impulsionar a economia circular. Um deles é remunerar de maneira mais justa a cadeia de reciclagem, com uma nova fonte de renda para catadores e suas famílias. Outro é gerar maior competitividade para as resinas plásticas recicladas, quase sempre mais caras que o plástico virgem. Com os valores obtidos via créditos, é possível investir em inovação para ampliar a produtividade na cadeia de reciclagem.
O funcionamento é parecido com o do mercado de créditos de carbono. Quando uma determinada quantidade de plástico é coletada ou reciclada, catadores e recicladoras transformam isso em créditos que podem ser comercializados com empresas que precisam atestar compromissos ambientais ou compensar os resíduos que elas próprias não dão conta de recuperar.
Por exemplo: uma empresa tem um compromisso, regulatório ou interno, de garantir a logística reversa de 500 toneladas de embalagens. Se ela só tem capacidade de coletar e reciclar 10% deste material, o restante pode ser compensado com a compra de créditos de uma recicladora. Estes créditos são estruturados e certificados por empresas especializadas no mecanismo.
Resina virgem x resina reciclada
Um dos argumentos centrais deste mercado é buscar equilibrar o jogo entre resina virgem e reciclada. A primeira, altamente poluente, é derivada do petróleo e acompanha a volatilidade internacional dos combustíveis fósseis. A segunda depende de coleta seletiva, mão de obra intensiva, triagem e processos industriais mais caros – desafios que encarecem o uso do plástico reciclado.
“O produto reciclado nunca cai de preço no mesmo ritmo que o virgem, o que derruba a competitividade da cadeia reciclada”, afirma Bruno Igel, CEO da Wise Plásticos, uma das três empresas brasileiras que já conseguiram certificar créditos pela Verra, maior certificadora de créditos de carbono do mundo, e agora também de plástico.
A carga tributária também pesa. “Eu compro a sucata, faço todo o processo de reciclagem e, na hora de vender o produto, pago a tributação novamente, como se ele fosse virgem. É um serviço ambiental sem pagamento ambiental”, diz Cláudio Balbino, fundador da Polibalbino, recicladora de Guarulhos que também já obteve a certificação da Verra.
Com os 21 mil créditos que já emitiu, a Polibalbino ergueu uma nova planta de reciclagem, que ampliará sua capacidade de 800 para 1.300 toneladas por mês, saltando de 150 para 200 funcionários.
Os créditos funcionam, portanto, como um subsídio indireto, injetando recursos na cadeia e viabilizando a produção e venda de resina reciclada. “Se recebo 500 dólares por tonelada em créditos, consigo vender meu material por um preço mais barato. Isso pode expandir a indústria de reciclagem, mantendo o negócio economicamente viável”, diz Igel.
Modelos existentes
O modelo encontra, no Brasil, respaldo legal no decreto Nº 11.413/2023, que regulamenta a logística reversa no país, e na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de 2010, que obriga fabricantes e importadores a recolher parte das embalagens que colocam no mercado.
Internacionalmente, ele segue regras de diferentes organizações, entre elas a Verra. Três empresas brasileiras já obtiveram a certificação da entidade para seus créditos de plástico. Em todo o mundo, são 28.
Juliana Rolla, CEO do grupo Oma, que desenvolve créditos de plásticos, avalia que o sistema brasileiro deve competir com os créditos de coleta certificados internacionalmente pela Verra.
Isso porque uma tonelada de crédito já certificada em um sistema não pode fazer parte de um segundo, para evitar sobreposição. Já os créditos de reciclagem da Verra seriam complementares ao sistema brasileiro, na opinião de Rolla.
“A preocupação com a bicreditação é uma questão da integridade, algo extremamente relevante em um mercado que ainda é sumariamente voluntário”, diz.
Preços, desafios e oportunidades
Atualmente, projetos certificados vão de US$ 100 a US$ 1.000 por tonelada de plástico reciclado. Os valores dependem do tipo de iniciativa, segundo Jorge Barbi, gerente da Kosher Climate no Brasil, empresa indiana que estrutura créditos de plástico.
Programas vistos como mais “nobres”, como pequenas ONGs que resgatam resíduos plásticos diretamente do oceano, costumam alcançar valores mais altos.
O mercado tem cifras bem mais altas que as dos créditos de energia renovável, que giram em torno de US$ 2 por tonelada, e projetos de restauração florestal, em torno de US$ 50 por tonelada de carbono removido.
Os números sinalizam um bom negócio para países como o Brasil, que ainda tem mais de 3 mil lixões ativos e gera quase 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, segundo dados de 2024 da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente.
O cenário é consequência de coleta seletiva precária e baixa taxa de reciclagem, que perduram sob justificativa de não haver viabilidade financeira para implementar a PNRS.
Apesar de os desafios ainda serem grandes, há otimismo. Para Barbi, a poluição plástica está a caminho de ganhar o mesmo nível de atenção que as emissões de carbono.
“Microplásticos e impactos na saúde são temas cada vez mais presentes. É questão de tempo até que o mercado ganhe a escala necessária.”
Coleta e reciclagem
A experiência da Plastic Credit Exchange (PCX), das Filipinas, virou referência internacional para créditos de plástico. Inicialmente uma ONG que angariava recursos para coleta de resíduos, a entidade evoluiu e estabeleceu um padrão global e um marketplace próprio, com cerca de 15 mil unidades aguardando comercialização.
No caso da PCX, o crédito é gerado a partir da comprovação de que o plástico foi coletado e reciclado, tratando a cadeia como um processo único. A Verra, por sua vez, adota a possibilidade de emitir créditos separados para coleta e para reciclagem.
Essa diferenciação distribui melhor os recursos. No modelo brasileiro de logística reversa, o crédito geralmente remunera cooperativas de catadores e outros elos da cadeia de coleta, mas não chega até o reciclador industrial.
“É uma categoria que emprega muita gente, com relevância social, e que continua em desvantagem. A separação entre coleta e reciclagem é um avanço importante para dar mais segurança a essa indústria”, explica Barbi.
Rolla elogia o peso que a certificação da Verra confere a impactos socioambientais, em especial ao conceito de adicionalidade, que também existe no mercado de créditos de carbono: a garantia de que o impacto positivo não ocorreria sem os recursos dos créditos.
“Mas é importante lembrar que, assim como o carbono, ele não pode ser considerado a única solução ou única fonte de receita.”
Guerra com gigantes
Após três anos de debates, a tentativa da Organização das Nações Unidas de aprovar um tratado global do plástico fracassou. Países produtores de petróleo e petroquímicos rejeitaram metas mais duras de redução de produção do material no mundo, deslocando a responsabilidade para a gestão de resíduos.
O impasse mostra que a solução ideal, diminuir ao máximo a produção de plástico virgem, segue distante. Mas abre espaço para os mecanismos voluntários, segundo Gabriel Ruske, diretor da EcoCircle, desenvolvedora de projetos de créditos de plástico, presente na rodada final de negociações em Genebra.
“Se não há acordo entre nações, sobra para iniciativas de mercado darem o tom. É a chance de os créditos de plástico crescerem pelo lado reputacional, já que as empresas precisam mostrar que estão fazendo algo.”
A comparação com o mercado de carbono tem sido inevitável, mas ele levou quase três décadas para amadurecer, após o Protocolo de Quioto. O de plásticos, no entanto, ainda engatinha e, na opinião de Ruske, depende de mais engajamento da sociedade e de uma boa dose de educação sobre o tema para evoluir. Já Rolla acredita que o impasse direciona a responsabilidade para a iniciativa privada. “E, como sempre acontece, a regulação vai acompanhar o movimento do mercado.”