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Em planos de descarbonização, parte do desmatamento entra na conta do agro

Planos setoriais com metas de reduções de emissões vão a consulta pública; agropecuária terá responsabilidade por perda de vegetação em terras privadas

Em planos de descarbonização, parte do desmatamento entra na conta do agro

O governo apresentou na última sexta-feira (18) como pretende obter as reduções de emissões de carbono prometidas pelo país nas NDCs, os planos nacionais de descarbonização entregues à Convenção do Clima da ONU.

Para cumprir o orçamento de carbono nacional, a chave são as políticas públicas de controle do desmatamento, responsável por cerca de metade dos gases estufa lançados pelo país.

A proposta contida na Estratégia Nacional de Mitigação coloca parte da responsabilidade sobre proprietários rurais quando vegetação nativa é derrubada para abrir novas áreas produtivas.

Inversamente, a recuperação de áreas degradadas em terras privadas também será contabilizada para o setor agropecuário.

“É um plano de ação, de implementação, que tem que estar organizado conforme as responsabilidades e quem tem os instrumentos na mão”, disse ao Reset Aloisio Melo, secretário de Mudança Climática do Ministério do Meio Ambiente.

“Foi um trabalho nada trivial de olhar para a categoria mais detalhada das emissões [desmatamento], como ela é decomposta, e ver como está vinculada a que setor econômico, a que área de política governamental.”

Planos setoriais

Foram divulgados sete planos setoriais: conservação da natureza, agricultura e pecuária, cidades (incluindo mobilidade urbana), energia (incluindo combustíveis e mineração), indústria, resíduos e transportes.

São previstas reduções das emissões para cada um deles, com uma meta para 2030 e outra para 2035, correspondentes aos compromissos brasileiros dentro do Acordo de Paris.

Os planos serão colocados em consulta pública entre 28 de julho e 18 de agosto. Depois de revistas e eventualmente acolhidas as contribuições, ele passa por um processo de aprovação que inclui um conselho com todos os ministérios.

Essas estratégias setoriais de redução de emissões fazem parte do Plano Clima, que também conta com um componente de adaptação às mudanças climáticas.  A expectativa é que até outubro ele possa ser oficializado.

Agronegócio

 O setor agrícola é central dentro do plano brasileiro, pois é a atividade econômica que mais emite gases de efeito estufa. Aqui entram tanto a produção agrícola e pecuária quanto a abertura de novas áreas, o que é chamado de “mudanças do uso do solo” – leia-se: desmatamento.

No “padrão contábil” usado para reportar as emissões de um país, toda perda de vegetação nativa entra na categoria de mudança de uso do solo. Esta é a categorização feita pelo IPCCC, o painel de cientistas que orienta a Convenção do Clima.

Mas cada país pode decidir como vai obter as reduções – no final, os resultados precisam apenas ser uniformizados. “Essa organização interna diferente não é exclusividade brasileira”, afirma Melo.

Antecipada pelo Reset em maio, essa mudança tem impacto significativo nas obrigações de descarbonização que cabem ao agronegócio dentro das reduções totais de gases de efeito estufa que o país pretende alcançar.

Ao incluir nessa conta também conta eventuais ganhos pela restauração nessas áreas, a ideia é criar incentivos econômicos para evitar a supressão vegetal mesmo em áreas em que a atividade é permitida e também para iniciativas de recuperação.

“No Plano de Agricultura e Pecuária são refletidas as ações do setor produtivo, que têm maior relação com as políticas setoriais e arranjos de implementação existentes nos imóveis rurais, enquanto as ações que dependem diretamente do Poder Público, estão consideradas no Plano de Conservação da Natureza”, diz o plano setorial.

Para ter uma noção do saldo contábil dessa mudança, as emissões decorrentes do desmatamento em áreas de produção agrícola representam 70% das emissões brutas de mudança do uso do solo do inventário nacional. Em números absolutos, em 2022 elas somaram 1,393 bilhão de toneladas de CO2.

O plano do governo é que as emissões do setor caiam para 891 milhões de toneladas em 2030 e para entre 700 milhões e 640 milhões de toneladas em 2035 – a meta de mais longo prazo é apresentada em uma faixa na NDC brasileira. 

O caminho do agro

Como vamos chegar lá? 

“A principal estratégia de mitigação está na drástica redução da supressão de vegetação nativa no setor produtivo [agropecuário]”, diz o documento. “Essa categoria responde sozinha pela maior parte da meta setorial.” Confira a figura abaixo:

Emissões da agricultura e pecuária entre 2005 e 2022

Fonte: Plano Setorial Agricultura e Pecuária, Plano Clima

O plano propõe 10 alavancas prioritárias: (1) recuperação e conversão de áreas degradadas e manejo sustentável; (2) sistemas integrados de produção (como lavoura-pecuária e agroflorestal); (3) ampliação da produção florestal; (4) aumento da produtividade e eficiência no campo; (5) ampliação sustentável da irrigação; (6) aproveitamento de resíduos e redução de perdas na produção; (7) ampliação de sistemas agroecológicos e de baixo carbono; (8) aumento da produção de biocombustíveis; (9) redução do desmatamento legal e prevenção de incêndios; e (10) aquicultura sustentável e de baixo carbono. 

As ações para colocar isso em prática foram divididas em dois grupos. As “ações impactantes” são as de redução direta de emissões e aumento de remoções de carbono, como incentivos a adoção de plantio direto, recuperação de pastagens degradadas, expansão de sistemas integrados, melhora nas práticas de manejo e abate de bovinos, entre outras. 

Já as “ações estruturantes” criam condições para a execução das impactantes, o que abrange financiamento, inovação, regulação, capacitação, governança, assistência técnica, bioeconomia, digitalização e integração de políticas. O documento cita exemplos concretos do que é preciso fazer: a reformulação do crédito rural com critérios climáticos e a regulamentação de pagamento por serviços ambientais. 

Estão a cargo do diagnóstico e da tarefa quatro ministérios: da Agricultura e Pecuária (Mapa), do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA). 

Transporte e indústria

As emissões de gases geradas a partir do transporte de mercadorias e pessoas no Brasil têm espaço para crescer no Plano Setorial, ao contrário do que está previsto para agropecuária. 

Até 2030, o setor pode elevar as emissões em até 9% em relação a 2022, o que somariam 126 milhões de toneladas de carbono ao ano. Em 2035, a pegada de carbono segue com permissão para subir porque a faixa que precisa ser cumprida tem um piso de 8% e um teto de 16%.

No segmento estão empresas de todo o tipo: frete marítimo, terrestre e aéreo, companhias de aviação civil, administradores de rotas ferroviárias. Também entram no escopo as operações de concessionárias que administram rodovias, portos e aeroportos, por exemplo. 

As recomendações do Plano para que o setor cumpra as metas incluem a substituição do combustível utilizado por alternativas de baixo carbono, investimentos em distribuição, priorização de ferrovias e hidrovias, melhorias das estradas para otimizar percursos – agenda parecida com a que o setor apresentou para reduzir suas emissões.

Para o setor industrial, o plano setorial também prevê espaço para aumento de emissões. Elas podem crescer até 11% em 2030, alcançando 198 milhões de toneladas de carbono equivalente. Até 2035, a alta permitida fica entre 13% e 34%. 

Na lista de prioridades, está a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis como biomassa, biogás, biometano e hidrogênio de baixa emissão, a eletrificação de parte dos processos e ganhos de eficiência energética de 4% a 8%. Também é recomendada a redução de gases super poluentes, do tipo HFCs.

O Reset procurou organizações representantes do agro, pecuária, transportes e indústria para comentar os planos setoriais, mas todas disseram que eles ainda estão sob análise.