EMPRESAS

Barrada em bolsas de valores, Shein paga o preço por falta de transparência das ‘blusinhas’

Após tentativas frustradas de IPO em Nova York e Londres, gigante chinesa do fast-fashion agora considera uma listagem confidencial em Hong Kong para não abrir dados operacionais e financeiros

Barrada em bolsas de valores, Shein paga o preço por falta de transparência das ‘blusinhas’

A abertura de capital da Shein em bolsas de valores ocidentais tinha tudo para ser uma das maiores do setor de varejo dos últimos anos. Mas não foi. A gigante chinesa da fast fashion não conseguiu lançar o IPO em Nova York e teve o processo travado em Londres duas vezes. A falta de transparência sobre a procedência de seus produtos, assim como as condições de trabalho e requisitos ambientais, foi um dos entraves.

A marca considera, agora, uma listagem confidencial em Hong Kong, segundo a Reuters. Esse tipo de pedido confidencial tem menos exigências regulatórias e permite que a empresa avance no processo de listagem sem a obrigação de divulgar publicamente informações operacionais e financeiras. 

A bolsa da ex-colônia britânica tem regras mais flexíveis, especialmente para empresas chinesas. Mas essa rota deve trazer menos prestígio e levantar menos capital – o que pode frustrar os planos da empresa de expansão global.

A falta de informações tem batido no bolso da varejista. A agência antitruste do governo francês multou nesta quinta-feira (3) a Shein em 40 milhões de euros por supostos descontos enganosos e alegações vagas de impactos ambientais, após uma investigação que durou quase um ano. A empresa não recorreu da decisão e aceitou pagar a multa.

Fundada na China em 2012 e hoje sediada em Singapura, a empresa é acusada há anos de violações trabalhistas, impacto ambiental e pouca transparência na cadeia de fornecimento. A falta de informações sobre aspectos financeiros da companhia também é apontada como um empecilho nos planos de abertura de capital.

Rejeitada dos dois lados do oceano 

A primeira tentativa de listagem da Shein foi feita nos Estados Unidos, onde a empresa esperava levantar entre US$ 60 bilhões e US$ 90 bilhões. Mas a Securities and Exchange Commission (SEC, reguladora do mercado de capitais americano) suspendeu o processo diante de preocupações com o uso de trabalho forçado em sua cadeia de produção, especialmente na região de Xinjiang, na China. 

A exigência da SEC era clara: a Shein precisaria comprovar que os fornecedores não utilizam mão de obra uigur, minoria étnica da região – o que a empresa não conseguiu fazer de forma convincente.

Sem sucesso nos EUA, a Shein passou a mirar a bolsa de Londres. No fim de maio, obteve sinal verde da Financial Conduct Authority (FCA), o regulador inglês, mas ainda precisa da autorização de Pequim, o que está travado. Segundo a Reuters, o governo chinês estaria relutante em aprovar a abertura de capital de uma empresa que já realocou sua sede para fora do país e que pode revelar dados considerados sensíveis.

Enquanto isso, a empresa lida com forte resistência política e institucional no Reino Unido. Mais de 20 parlamentares britânicos, além de organizações da sociedade civil, já se manifestaram contra o IPO, citando preocupações com direitos humanos e sustentabilidade. 

O cenário geopolítico complicado também estica a corda. De um lado, a ofensiva do presidente americano Donald Trump para minar a exigência de que as empresas divulguem riscos climáticos e emissões pode abrir brechas para a Shein. De outro, a guerra comercial tarifária entre EUA e a China impacta o custo das “blusinhas” da Shein. 

Mas o episódio mostra como a Europa pode se tornar a “polícia da sustentabilidade do mundo” com suas regras de reporte de impacto climático, gestão de resíduos e proteção de investidores, segundo a Bloomberg.

“Talvez em suas esferas locais as regulamentações estejam sendo retiradas, mas eles ainda são afetados por essas regulamentações que estão acontecendo na Europa e isso afeta como eles agem”, disse Veronika Thieme, diretora associada para a Europa na Carbon Trust, empresa de consultoria ambiental, em entrevista para a agência de notícias.

Em abril, uma auditoria do governo do Reino Unido concluiu que a Shein não cumpre os requisitos da Modern Slavery Act – a lei britânica contra trabalho análogo à escravidão. A empresa afirma ter uma política de “tolerância zero” contra esse tipo de prática, mas não divulga relatórios auditáveis nem permite inspeções independentes em sua cadeia produtiva.

Plano B

A resistência à Shein não é nova. A empresa opera com um modelo ultracompetitivo: estima-se que 6 mil novas “blusinhas” e outras peças sejam adicionadas ao site da marca por dia, com preços muito abaixo da média do mercado. Para viabilizar essa escala, depende de uma rede fragmentada de pequenos fornecedores – muitos deles sem contratos formais ou garantias mínimas de condições de trabalho.

Reportagens já revelaram jornadas exaustivas em fábricas parceiras na China, com trabalhadores recebendo poucos centavos por peça produzida. Em 2021, uma investigação da ONG suíça Public Eye mostrou que alguns trabalhadores chegavam a fazer turnos de até 75 horas semanais. 

As peças da Shein também são criticadas por sua baixa durabilidade, o que reforça o modelo descartável e agrava o impacto ambiental do consumo de moda. Expressão disso é a busca incessante da marca por novas tendências para viralizar no TikTok, com influenciadora de “fashion hauls” comprando e descartando roupas por likes.

A Shein também enfrenta pressão de investidores institucionais que gostariam de ver a empresa se comprometer com práticas sustentáveis mais sólidas, o que abriria portas para fundos de investimento e reduziria riscos regulatórios no longo prazo. Alguns fundos europeus e americanos sinalizaram que não pretendem participar do IPO, seja onde for, caso ele avance sem mudanças estruturais.

Outras marcas de fast fashion, como Temu e AliExpress, também são  alvo de pressão regulatória semelhante. A tendência indica que uma má reputação não é só questão de marketing: é dinheiro que deixa de entrar no caixa de empresas com aspirações globais.