
O anúncio do Plano Safra é sempre cercado de muitas expectativas e negociações. De um lado, o governo federal, interessado em dar continuidade a uma política pública de inequívoco sucesso e, de outro, o setor agropecuário, em busca de garantir boas condições de financiamento para a atividade.
O valor do plano para a agricultura familiar foi anunciado nesta segunda-feira (30) no Palácio do Planalto: R$ 89 bilhões em investimentos para o biênio 2025/2026. E hoje deve sair o montante do plano destinado ao empresariado do setor.
A agropecuária brasileira cresceu forte e de maneira quase ininterrupta nos últimos anos. O valor bruto de produção, que mensura monetariamente tudo que foi produzido a cada ano, saltou de R$ 930 bilhões em 2018 para R$ 1,4 trilhão em 2025.
Este crescimento, associado às restrições fiscais do governo, impõe o desafio recorrente de financiar um setor cada vez maior com recursos públicos progressivamente mais escassos. Ou seja, o cobertor é curto e a escolha de cobrir os pés implica descobrir o pescoço.
No Plano Safra, a escolha não é só entre bananas e abacaxis, ou soja e pecuária, mas é, também, entre agricultores familiares e empresariais. Com planos construídos simultaneamente e anunciados um em seguida ao outro, os dois segmentos enfrentam a mesma escassez orçamentária. Ela é hoje agravada pela alta da taxa Selic, de 15% ao ano. Isso significa menos recursos orçamentários para compensar juros maiores, sem comprometer a saúde fiscal do Estado. É uma conta que não fecha, o cobertor ficou curto demais.
É preciso priorizar quem vai se beneficiar desse recurso público cada vez mais escasso e mais caro. Todo mundo o quer, uma vez que financiamento em montante e condições condizentes são essenciais a todos os empresários, rurais e urbanos. Há muito tempo, diversos estudos sinalizam na mesma direção: o Brasil precisa privilegiar os agricultores familiares e, nos recursos disponibilizados aos produtores empresariais, concentrar a alocação de modo a garantir que a atividade agropecuária seja realizada de maneira sustentável, por meio de práticas de baixa emissão de carbono e metano, preservando a biodiversidade e com respeito às elegibilidades legais e salvaguardas sociais.
De forma pragmática, é preciso progressivamente atrelar a oferta de crédito rural subsidiado com recursos públicos à implementação do Plano de Transformação Ecológica (PTE), lançado pelo Brasil em 2023, com a missão de alinhar desenvolvimento econômico a proteção ambiental e redução das desigualdades.
Também os planos nacionais de mitigação e de adaptação, atualmente em consulta pública, bem como os planos setoriais, trazem oportunidades de operacionalizar o redirecionamento estratégico desses recursos, ao traçar diretrizes para a descarbonização de diferentes setores da economia visando o cumprimento dos Compromissos Nacionalmente Determinados (NDCs) anunciados pelo Brasil no ano passado, durante a COP de Baku.
Algumas medidas já sinalizam positivamente em favor da ampliação de mercado para uma agropecuária de menor emissão e socialmente mais inclusiva. São exemplos a decisão da organização da COP30, em Belém, de que 30% da alimentação servida no evento devem provir da agricultura familiar, e a destinação de 30% do fundo do Programa Nacional de Alimentação Escolar à aquisição de alimentos da agricultura familiar, com progressiva diminuição do uso de processados nas escolas do país.
Independentemente dos volumes envolvidos, essas iniciativas são um reconhecimento da necessidade de garantir espaços e mercados para um segmento agrícola que produz alimentos de fato, e não fibras, energia ou insumos para uma longa cadeia de produção, cuja demanda é comparativamente mais estruturada.
A Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), em fase avançada de discussão, é igualmente importante, não apenas “dentro da porteira”, mas para mudar todo o sistema agroalimentar, sinalizando que os incentivos – com recursos públicos e privados – serão progressivamente direcionados às práticas, técnicas e tecnologias sustentáveis.
Assim, não apenas os produtores rurais, mas também a agroindústria de processamento, de máquinas e equipamentos, de insumos, e também os agentes do comércio atacadista e de varejo, seguirão o mesmo caminho ou para se beneficiar dos incentivos atuais, ou de mercados consumidores cada vez mais exigentes e cientes da sua contribuição para evitar a catástrofe climática.
* Paulo André Camuri é doutor em economia e gerente de clima e inteligência de dados do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora)