O “mutirão pelo clima” proposto pela presidência da COP30 deve começar a sair do papel. O embaixador André Corrêa do Lago pediu a representantes de cinco setores-chave da economia brasileira soluções para acelerar seus processos de descarbonização. O primeiro plano, do setor de transportes, será apresentado nesta segunda-feira (12).
Um dos objetivos declarados da conferência de Belém é mobilizar atores que não são formalmente parte das COPs. Somente governos nacionais têm voz e voto nas conferências do clima, mas transformar em realidade os compromissos firmados pelos diplomatas depende do envolvimento de toda a sociedade, a começar pelos grandes poluidores.
O Reset ouviu alguns dos representantes que receberam o pedido da presidência da COP. Eles falam em “convite” ou “provocação”. O chamado foi feito para os setores de energia, pecuária, agricultura, floresta e transportes.
Esse tipo de articulação não faz parte da agenda oficial de negociações da conferência. O objetivo é alinhar o setor privado com os objetivos globais de redução de emissões de gases de efeito estufa. As propostas e compromissos são voluntários.
O desmatamento responde por quase metade do carbono lançado pelo Brasil na atmosfera. Conforme se avança na meta de zerar a devastação – em termos líquidos, contabilizando a recuperação de áreas degradadas –, a participação dos grandes poluidores (leia-se: empresas) cresce percentualmente.
“A COP é o melhor instrumento global para a gente fazer com que as metas climáticas aterrizem e a gente consiga chegar nelas”, avalia Marcelo Behar, consultor-sênior para a COP30 do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e do World Business Council for Sustainable Development (WBCSB).
Responsável por 16% das emissões brasileiras, o setor de transportes se organizou na Coalizão para Descarbonização dos Transportes no Brasil, a partir da “provocação” de Corrêa do Lago, e será o primeiro a entregar suas propostas.
O grupo reúne cerca de 50 organizações e é liderada por Motiva (novo nome da concessionária CCR), CEBDS, Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e o Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper.
Nesta segunda (12), o grupo vai entregar à presidência da COP30 um estudo inédito com um diagnóstico de onde o setor está e quais são as iniciativas prioritárias para reduzir suas emissões até 2050. O documento deve indicar também ações que dependem do governo, como incentivos e mercado regulado de carbono.
Lançada no fim de 2024, a coalizão definiu seis frentes para acelerar a transição para um sistema de transporte mais limpo: infraestrutura e interseccionalidades; mobilidade urbana; transporte rodoviário, transporte ferroviário; transporte aéreo e transporte aquaviário e cabotagem.
A expectativa do setor é que as discussões e propostas possam contribuir com o Plano Clima, que traduz na prática os compromissos de descarbonização assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, as NDCs.
Em abril, o governo colocou em consulta pública a Estratégia Nacional de Mitigação. Espera-se que em junho sejam divulgados os planos detalhados para cada setor, que também receberão contribuições antes de serem finalizados. Ambos fazem parte do Plano Clima.
Procurada, a presidência da COP30 não retornou ao pedido de entrevista.
Agro
Os setores agrícola e pecuário estão se articulando juntos para criar uma coalizão nos mesmos moldes do segmento de transportes. Responsável por quase 30% das emissões brasileiras, o agronegócio é a atividade econômica mais poluidora – diferentemente de outros países, nos quais o setor de energia costuma liderar.
O CEBDS coordena a articulação. A organização promoveu em abril, na Bahia, um evento preparatório para a COP30, o Action Agenda on Regenerative Landscapes (AARL) Cerrado Summit, juntamente com a Boston Consulting Group (BCG) e o WBCSD.
“Estamos sistematizando as contribuições que vieram do Cerrado Summit, que é um dos modelos que a gente acredita para construir essas contribuições, e entregar para o Mapa [Ministério da Agricultura e Pecuária] e para a presidência da COP30”, diz Juliana Lopes, diretora de natureza e sociedade do CEBDS.
O grupo identificou três principais lacunas de transição para o setor: financiamento, métricas viáveis e políticas públicas.
No primeiro, apontam um desalinhamento da oferta de capital, especialmente para os pequenos e médios produtores. “A gente escuta do setor setor financeiro que o capital existe, mas que ainda tem pouco projeto pronto para absorver. Do outro lado, os produtores falam que vão atrás desse capital e não o encontram, ou quando encontram enfrentam uma série de barreiras burocráticas”, diz Matheus Munhoz, gerente de projetos do BCG.
A segunda lacuna diz respeito à medição da pegada de carbono do setor. As metodologias para calcular as emissões de gases de efeito estufa do campo são consideradas pouco adaptadas à realidade da agropecuária tropical. As que existem e são reconhecidas internacionalmente foram desenvolvidas para países de clima temperado.
A terceira brecha está na falta de políticas públicas de escala para incentivar a adoção de práticas mais sustentáveis de produção. “Precisamos oferecer sinais de mercado claros para que o produtor enxergue que vale a pena adotar essas práticas, seja por meio da precificação ou condições de crédito”, diz Munhoz.
O grupo fez um estudo sobre a viabilidade econômica da adoção de práticas regenerativas no Cerrado – 25% da soja do mundo é produzida nesse bioma, que abriga 30% da biodiversidade do planeta. Elas renderiam US$ 100 bilhões para o Cerrado até 2050, com aumento de produtividade e redução de custos de produção, e demandaria US$ 55 bilhões em investimentos.
Energia
No setor de energia, uma das iniciativas é um estudo da Catavento, consultoria focada em clima e energia, para identificar os riscos e oportunidades de países no contexto de transição energética.
A análise, desenvolvida em parceria com o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) e o Instituto Clima e Sociedade (iCS), é uma atualização de um material apresentado na COP29, de Baku. A versão atualizada, com previsão de ser publicada até julho, vai abranger os 15 países de maior relevância no mercado de óleo e gás – entre produtores e consumidores, como Brasil, Estados Unidos, Rússia, China e Arábia Saudita.
Os países serão analisados com base em cinco critérios: relevância para a indústria de óleo e gás, incluindo carvão; competitividade no setor; segurança energética e capacidade de aderir à transição energética; perfil de emissões e resiliência institucional e social.
Representante de empresas de toda a cadeia de petróleo, o IBP defende que a produção deve ser priorizada em países cuja intensidade de carbono por barril de petróleo é mais baixa. “Quem vai ficar pelo caminho são dois tipos de países: aqueles cuja produção de petróleo acaba sendo muito cara e os que não são competitivos em termos de carbono”, afirma Roberto Ardenghy, presidente do IBP.
O executivo faz coro com os que defendem que a última gota de petróleo seja extraída do Brasil.
Entre 2005 e 2024, a produção diária de petróleo do Brasil mais que dobrou: saiu de 1,6 milhão de barris para 3,4 milhões, de acordo com a Agência Nacional de Petróleo. Esse crescimento colocou o Brasil entre os 10 maiores produtores do mundo. No ano passado, o petróleo liderou as exportações do país pela primeira vez, ultrapassando a soja.
* Colaboraram Victor Sena e Ilana Cardial