COLUNA - ALEXANDRE TEIXEIRA

Empresas infelizes são insustentáveis

Encontrar o equilíbrio certo entre trabalho presencial e remoto é um dos grandes desafios para garantir equipes engajadas, satisfeitas e produtivas

Empresas infelizes são insustentáveis
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Todas as empresas felizes se parecem, cada empresa infeliz é infeliz à sua maneira. Esta é uma crença minha pelo menos desde 2012, quando publiquei o livro Felicidade S.A. Neste pós-pandemia, porém, devo admitir que o leque de opções para a infelicidade vem diminuindo, ao menos quando se trata do modo de organização do trabalho.

Há as companhias infelizes em que se trabalham três dias por semana no escritório e dois dias por semana em casa. E aquelas que “só” exigem duas jornadas presenciais para cada três remotas. A causa da infelicidade não está na relação entre estes números, mas na quase aleatoriedade dessas fórmulas.

Ao forçar idas muitas vezes inexplicáveis ao local físico de trabalho, para longos dias de videochamadas que seriam feitas com mais conforto e menos deslocamentos em casa, o modelo de trabalho atual, que chamo de Híbrido 1.0, hoje é o principal fator de descontentamento organizacional.

Por que isto é relevante para a audiência do Reset? Porque nela, além de haver profissionais que tomam decisões sobre gestão de talentos – e/ou sofrem as suas consequências –, há pessoas genuinamente preocupadas com a sustentabilidade das empresas. E empresas infelizes são insustentáveis.

O incômodo com modelos híbridos mal desenhados, inevitavelmente, começará a ser captado em breve nas pesquisas de engajamento. Talvez já esteja sendo, mas esse não é o tipo de informação que as companhias divulguem voluntariamente. São dados que só aparecem no agregado, quando há pesquisas sobre o tema.

Meu livro recém-lançado, O Dia Depois de Amanhã, é uma tentativa de entender e explicar por que o modelo Híbrido 1.0 não funciona e como o Design de Experiências de Trabalho pode reinventá-lo. O futuro (próximo) do trabalho é (predominantemente) híbrido, tendendo ao remoto.

Visões diferente de futuro

Mas este destino não vai se concretizar sozinho. Vivemos no momento uma batalha entre três correntes de pensamento: as forças da mudança, o conservadorismo do status quo e as forças do atraso. Esta coluna, que estreia hoje, promete oferecer despachos deste front.

A ofensiva revolucionária começa no fatídico março de 2020. Até os gestores mais conservadores foram forçados a engolir o trabalho remoto durante a pandemia, mas a maioria não se desapegou do sistema de comando e controle. Esta é a chave para decifrar o enigma do presente do trabalho. O modelo Híbrido 1.0, nas versões 3×2 e 2×3, nasce dessa contradição.

Tal como adotado na maioria das empresas, ele não funciona. É aleatório, inflexível e mentalmente preguiçoso. Não funciona, porque as regras não fazem muito sentido, e as pessoas só estão voltando aos escritórios porque são obrigadas a voltar.

Quem gostou de trabalhar em casa não entende por que, depois de dois anos com um bom desempenho à distância, precisa retornar ao espaço físico da companhia.

Lideranças sabem que o trabalho remoto é uma experiência positiva para funcionários e que a maioria quer manter essa possibilidade, mas preferem a volta a um modelo tão presencial quanto possível. Não há dúvida de que a tecnologia ajudou a preservar a produtividade durante a pandemia, mas o medo de perder esses ganhos pode estar influenciando o retrocesso ao trabalho presencial.

A resistência dos chefes

Qual a razão de fundo para a resistência da maioria das lideranças ao trabalho remoto? Acham muito difícil liderar virtualmente. Péssima notícia para empresas, profissionais e investidores preocupados com o futuro, visto que, daqui para frente, trabalhadores deverão privilegiar modelos remotos ou híbridos. Nos Estados Unidos, 69% dos homens e 80% das mulheres dizem que opções de trabalho remoto já estão entre os principais fatores ao escolher um novo emprego.

O trabalho híbrido veio para ficar. Nove em cada dez organizações das principais economias do mundo estão adotando esse modelo, diz a McKinsey. Logo, parte da complexidade de gerir pessoas será lidar com a multiplicidade de opiniões em relação a de onde trabalhar.  Se uma parcela dos gestores não consegue dirigir remotamente, precisamos de uma autoescola para lideranças.

Como diz Nicholas Bloom, fundador da WFH Research, a maior pesquisa global sobre trabalho remoto/híbrido, “quando vê um mau motorista se envolver num acidente, você não pensa em se livrar dos carros. Você diz: ‘Precisamos de gente que saiba dirigir direito’.”

Durante a pandemia, pesquisas mostravam que as principais dificuldades ao dirigir times remotos eram: baixa disponibilidade de equipamentos, difícil adaptação de funcionários, problemas com a conexão à internet, desafios para desenvolver a cultura e prejuízos à criatividade. A esta altura de 2023, as três primeiras questões estão resolvidas. As duas últimas, por sua vez, estão entre as razões pelas quais a parte presencial do híbrido se justifica.

Se você tem responsabilidade sobre o design das experiências de trabalho na sua organização – ou quer problematizá-lo com propriedade –, minha recomendação é: comece pelo porquê.

É preciso explicar por que as pessoas terão de estar (mais) presentes no escritório, se esse for o desejo da liderança. Deixar claro quando e com que frequência devem se reunir pessoalmente.

Monitorar se trazer funcionários para o escritório está propiciando atingir os objetivos esperados – inclusive os de ESG, se você concordar que sustentabilidade começa do portão para dentro da companhia. Se você acreditar que o conceito de trabalho híbrido é uma tela em branco na qual se podem desenhar infinitos modelos. Empresas felizes podem ser diferentes.

Alexandre Teixeira é jornalista, cofundador da plataforma de conteúdo ODDDA, focada em futuro do trabalho, e autor de cinco livros, incluindo “O Dia Depois de Amanhã