
Mark Carney foi o grande vencedor das eleições gerais do Canadá, realizadas nesta segunda-feira (28) – e o clima também pode comemorar uma vitória.
O resultado tem repercussões que vão muito além das fronteiras do país. Eleito primeiro-ministro do Canadá, Carney, 60 anos, não é político e nunca havia disputado uma eleição, mas sua reação firme contra as bravatas e ameaças de Donald Trump mudou o rumo da disputa e deu ao seu Partido Liberal uma vitória considerada virtualmente impossível meses atrás.
O economista formado em Harvard e Oxford é mais conhecido por dirigir o Banco Central de seu país durante a crise financeira global de 2008 e o Banco da Inglaterra em meio à turbulência do Brexit.
Mas nos últimos anos ele vinha se dedicando em tempo integral ao clima. Carney foi o fundador e primeiro líder do Gfanz, uma coalizão internacional cujo objetivo é colocar o setor financeiro no caminho do net zero.
O movimento foi lançado na COP26, há três anos e meio, com um otimismo que hoje parece ingênuo. Os grandes bancos americanos se viram alvo da direita radical e negacionista e começaram a titubear em seus compromissos climáticos. Com a vitória de Trump, os remanescentes pularam do barco.
Os canadenses não votaram em Carney por causa de sua campanha pela descarbonização das carteiras dos bancos e pelo olhar climático sobre os investimentos.
O tema central da campanha foram Donald Trump e suas tarifas punitivas e sugestões de que o Canadá deveria ser o 51º Estado americano. Carney assumiu o papel de líder da resistência. O candidato da oposição, o conservador Pierre Poilievre, hesitou em rebater os ataques vindos da Casa Branca.
A preocupação prioritária do novo governo será lidar com o vizinho que até janeiro era um aliado e parceiro comercial e agora tornou-se um perigoso fator de instabilidade.
“Estamos mais uma vez em um daqueles momentos decisivos da história”, disse Carney em discurso após a confirmação de sua vitória. “Nossa antiga relação com os Estados Unidos, baseada numa integração estável, acabou.”
O clima não foi um tema importante na campanha. Ainda assim, o veredicto do eleitor canadense também pode representar um fortalecimento de uma frente mundial contra o negacionismo climático personificado por Trump.
A atuação de Carney sempre foi muito próxima da Convenção do Clima e dos objetivos do Acordo de Paris. No mínimo, o país vai continuar atuante na esfera da diplomacia climática internacional, especialmente com a realização da próxima COP no Brasil.
Carney conhece o país e tem um relacionamento próximo com integrantes do governo. Em mais de uma ocasião debateu em eventos com o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, sua então bandeira principal: como colocar as finanças globais para trabalhar pelo clima.
“Ninguém é triple A se não tivermos mais planeta”, disse ele numa passagem por São Paulo, no começo do ano passado.
Carney foi um entusiasta de primeira hora do Eco Invest, programa que busca trazer o capital privado estrangeiro para financiar empreendimentos verdes por aqui.
Nessa mesma viagem, ele assinou uma colaboração com o BNDES para criar uma plataforma digital com o objetivo de unir investidores internacionais e projetos brasileiros. A iniciativa foi o embrião da Brazil Investment Platform, anunciada em outubro passado.
Carney também disse em repetidos discursos, no Brasil e no exterior, que a próxima fronteira da inovação financeira está na “interseção entre natureza e clima”. Mesmo quando os créditos de carbono atravessavam sua pior crise, ele sempre se manteve firme na defesa das chamadas soluções climáticas baseadas na natureza.
Essa relação estreita com o setor privado, e particularmente com o mundo das finanças, é o exemplo mais bem acabado do objetivo da presidência brasileira da COP30: aproximar o “mundo real” do que se negocia no âmbito das Nações Unidas.
Não é algo simples. Como mostram as dificuldades enfrentadas pelo Gfanz, boas intenções muitas vezes não resistem ao contato com a realidade.
E o mundo é outro desde a longínqua COP26, em Glasgow (a cidade dá o nome ao Gfanz: Glasgow Financial Alliance for Net Zero). O fator Donald Trump não ameaça só a transição energética nos Estados Unidos.
O alinhamento de Trump com o presidente russo, Vladimir Putin, obriga os países europeus a tirar recursos de todas as áreas – incluindo das políticas de redução de emissões – para reforçar suas tropas e comprar tanques e aviões.
Ao menos a incontinência verbal do presidente americano garantiu em Ottawa um governo que vai lhe fazer frente. Nos dias de hoje, é importante comemorar as pequenas vitórias.