A difícil missão de Corrêa do Lago, o presidente da COP30

Experiente nas negociações internacionais, diplomata terá de encarar crise de confiança que atinge a cooperação global – e Donald Trump

A difícil missão de Corrêa do Lago, o presidente da COP30
A A
A A

Sobre o Apoio

O presidente da COP30 será o embaixador André Corrêa do Lago, secretário de clima, energia e meio ambiente do Ministério das Relações Exteriores. A escolha foi anunciada no começo da tarde desta terça-feira (21).

A indicação põe fim à expectativa sobre uma das definições cruciais para a Conferência do Clima da ONU, que acontece entre 10 e 21 de novembro, em Belém do Pará.

O carioca Corrêa do Lago, 65, é um dos mais experientes diplomatas brasileiros em negociações climáticas internacionais. Ele assumiu a liderança das delegações brasileiras em COPs no início do atual governo e antes disso já havia trabalhado com o tema em outras passagens por Brasília.

Ana Toni, secretária da mudança do clima do Ministério do Meio Ambiente, será a diretora-executiva da conferência. Juntos, os dois serão os responsáveis pela condução das negociações.

Em tempos normais, a tarefa da dupla já não seria trivial: todas as decisões tomadas em COPs dependem da unanimidade entre os quase 200 signatários da Convenção do Clima.

Obviamente, a normalidade ficou em algum lugar do passado. A conferência de Belém vai colocar à prova a habilidade de seus condutores como poucas vezes aconteceu em mais de 30 anos de COPs do clima.

A última edição, realizada na capital do Azerbaijão, terminou com recriminações generalizadas entre o mundo desenvolvido e os países mais pobres e vulneráveis à mudança do clima.

Embora tenha sido definido um número – US$ 1,3 trilhão de dólares –, ele por enquanto é só isso: bits de um PDF, tinta num pedaço de papel.

Em nenhum lugar está escrito em detalhes de onde vai sair esse dinheiro. Corrêa do Lago e a diplomacia brasileira herdaram essa missão ingrata.

Os azerbaijanos em tese terão de ajudar a resolver a encrenca, mas é pouco provável que haja muitas esperanças no Itamaraty, dada a inépcia que os anfitriões da CO29 demonstraram na condução das conversas em Baku.

Efeito Trump

O outro complicador para Belém é a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Numa breve entrevista concedida em Brasília, Corrêa do Lago foi questionado sobre o impacto da decisão de Donald Trump.

Ele afirmou não ter dúvidas de um impacto “significativo”, mas que as consequências potenciais ainda estão em análise. E, repetindo a postura de Joe Biden e da considerável parcela não-negacionista da população americana, o embaixador disse que os EUA não são apenas o governo federal, a entidade que formalmente está abandonando a cooperação global.

“Os EUA são um dos países que têm respostas para a mudança do clima. Tem tecnologia, empresas extraordinárias e vários Estados e cidades muito envolvidos neste debate”, afirmou. Traduzindo: a realidade encontra maneiras de se impor.

Apesar do anúncio da segunda-feira, o processo de desligamento dos Estados Unidos leva ao menos um ano. E o país está abandonando o Acordo de Paris, mas ainda é signatário da Convenção do Clima.

Isso significa que “ainda é possível manter diálogo” com os americanos, disse Corrêa do Lago, mesmo que eles fiquem de fora do principal instrumento do esforço global contra a mudança do clima.

Mais Trumps?

Um outro risco, por enquanto insondável, é que outros líderes populistas decidam copiar Donald Trump. Em novembro passado, na COP29, o presidente argentino, Javier Milei, ordenou que seus negociadores voltassem a Buenos Aires, num movimento interpretado como uma reverência ao então recém-eleito americano.

A Argentina, por enquanto, não parece inclinada a deixar Paris, mas tudo é possível com líderes voláteis como Milei.

Em 23 de fevereiro, a Alemanha vai realizar eleições antecipadas. O partido extremista Alternative für Deutschland, cujas bandeiras são o combate à imigração e à integração global, está em segundo lugar nas pesquisas e pode ser o fiel da balança na formação de um novo governo.

No Canadá, que deve eleger o sucessor do premiê Justin Trudeau até outubro, também existe a possibilidade de que a direita populista radical inspirada em Trump torne-se uma força política majoritária.

Na Áustria, Herbert Kickl foi incumbido de formar um novo governo depois de seu Partido da Liberdade ser o segundo mais votado nas eleições legislativas do ano passado. A campanha se baseou em mensagens xenofóbicas, islamofóbicas e euroceticismo.

A medida do sucesso

O caminho até Belém será provavelmente o maior desafio em quatro décadas de carreira diplomática de Corrêa do Lago, que foi embaixador do Brasil no Japão e chefiou a representação do país na Índia antes de voltar a Brasília para seu cargo atual.

Com complicações garantidas e outras que podem se materializar até novembro, Corrêa do Lago terá dez meses de trabalho intenso. A liderança brasileira será avaliada pelas decisões referendadas na plenária final da COP30, mas a preparação começa imediatamente.

A delicada costura entre os interesses divergentes – e muitas vezes antagônicos – que marca as horas finais das conferências não é um lance de mágica, mas sim um trabalho que se desenvolve ao longo do ano.

Além de dar prosseguimento às discussões sobre financiamento climático, alguns itens serão obrigatórios, como a adaptação climática. O ano passado foi o mais quente da história, e a sucessão de eventos extremos é implacável.

O país também assumiu a missão de manter ao alcance o limite de 1,5°C no aumento médio da temperatura global. Mesmo que seja virtualmente impossível atingir esta meta sem a colaboração dos americanos, a presidência brasileira se comprometeu a estimular planos nacionais de descarbonização (NDCs) alinhados com esse objetivo.

O conjunto dos planos submetidos diante do que a ciência diz necessário para que o mundo não saia de vez da rota do 1,5°C será outra medida do sucesso da liderança brasileira.

Arquitetura climática

Corrêa do Lago é admirador de arte e tem uma paixão particular pela arquitetura – ele foi o primeiro brasileiro escolhido para integrar o júri do Pritzker, o mais prestigioso prêmio do mundo do setor.

Agora, é sua contribuição para a arquitetura climática global que será sujeita à avaliação do mundo.