Diplomatas reunidos em Busan, na região costeira da Coreia do Sul, falharam em chegar a um consenso na elaboração do tratado global para conter a poluição plástica. As negociações foram encerradas ontem, 1º, após impasse dos países sobre conter a produção de plástico, interromper o uso de químicos prejudiciais à natureza e definir o mecanismo de financiamento para apoiar economias em desenvolvimento nesta trajetória.
Atualmente, a produção anual de plástico é de 400 milhões de toneladas e, se seguir neste ritmo, deve triplicar até 2060, estima a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Metade desse peso vai para aterros sanitários e menos de um quinto é reciclado.
Cerca de 20 milhões de toneladas de plástico vão parar em ecossistemas aquáticos, dos lagos aos mares, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). E a sua versão minúscula é uma das que mais preocupam: os microplásticos causam prejuízos à saúde humana e podem afetar a biodiversidade marinha, impactando cadeias alimentares.
No início de 2022, 175 países se comprometeram no âmbito do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) a buscar medidas ambiciosas para por fim à poluição plástica. Desde então, foram feitas quatro reuniões e a quinta, que esperava-se ser a última, teve início na segunda-feira passada, 25 de novembro.
Há duas posições claras entre países no desenho do tratado. Um grupo defende que é necessário estabelecer medidas para cortar a produção de plástico no mundo, enquanto outro, minoritário, argumenta que a solução está na maior reciclagem e melhor gestão de resíduos.
“É lamentável que, apesar de um apoio significativo para medidas ambiciosas, não tenhamos chegado a um consenso. Precisamos agir com urgência, pois cada dia sem ação tem consequências devastadoras”, disse Michel Santos, gerente de políticas públicas do WWF Brasil, que acompanhou os debates na Coreia do Sul.
Sem um consenso sobre o tratado, a reunião de Busan foi pausada – algo parecido com o que ocorreu na COP16 da Biodiversidade, em Cali. A data e o local de retomada sobre o plástico ainda não foram definidos.
O que está em jogo
Diferentemente das COPs, que reúnem partes de convenções já estabelecidas há décadas (como a do Clima e a da Diversidade Biológica), as negociações sobre plástico estão em um estágio anterior.
O objetivo é chegar a um tratado que seja acatado pelos países.
São três os principais pontos de divergência:
- Interromper o uso de componentes químicos danosos à natureza na produção dos plásticos;
- Estabelecer um limite para a produção de plástico; e
- Definir como se dará o financiamento das economias ricas para as em desenvolvimento para apoiar a implementação do tratado.
“O tema da poluição plástica cresceu muito rapidamente na agenda internacional. Não se falava sobre isso há cinco ou dez anos, e há menos de três se aprovou no Pnuma uma resolução histórica. Com isso, teve início um processo de negociação do tratado”, diz Pedro Prata, oficial de políticas públicas para a América Latina da Fundação Ellen MacArthur.
Quando concluído, o tratado será juridicamente vinculante – o que significa que os países que o adotarem serão obrigados a colocá-los em prática.
Nas negociações, as nações decidiram adotar um processo de consenso, ou seja, é preciso concordância unânime para decisões sejam tomadas. As COPs funcionam da mesma maneira.
Caso fosse escolhido o sistema de votação, ficaria afastado o risco de que um único país bloqueie avanços. Mas Santos aponta que o consenso significa decisões com mais força política.
“Pode ser uma estratégia destinada a garantir que todos os países se sintam engajados e responsáveis pelo resultado final, promovendo uma abordagem mais unificada e colaborativa fundamental para lidar com crises ambientais urgentes”, afirma.
Lobby do petróleo
Na busca por um acordo global que envolve plástico, é inevitável falar da indústria de óleo e gás, que dá origem à maior parte do plástico existente no mundo.
As negociações caminhavam em ritmo lento nos primeiros dias. Na quinta-feira, 28, o Panamá liderou um bloco de mais de 100 países em uma nova proposta para reduzir os níveis de produção plástica a “patamares mais sustentáveis”.
Grandes produtores de petróleo, em especial Rússia e Arábia Saudita, se mostraram resistentes à ideia de estabelecer um teto para a produção anual de plástico, segundo observadores. Os países se fecharam para qualquer proposta nessa linha e bateram na tecla de que o foco deveria estar em ampliar a reciclagem e gestão de resíduos.
Já o Brasil enfrentou divergências internas e não conseguiu chegar a um consenso sobre o tema, como mostrou a Pública. Ao mesmo tempo, o país apoiou junto a outros 93 países a proposta mexicana para que haja um compromisso obrigatório no tratado por uma eliminação gradual (do inglês phase out) daqueles produtos plásticos e componentes químicos mais danosos.
A novela do financiamento
O leitor que acompanha a cobertura de COPs já sabe: é na hora de colocar a mão no bolso que as conversas esquentam.
“O Brasil é um líder no tópico do financiamento nos tratados de clima e biodiversidade, e agora colocou o assunto como prioritário nesse tratado desde o início”, afirma Prata.
A principal luta do país neste aspecto é sobre a governança do veículo que irá gerir os recursos levantados por meio do tratado do plástico. O Brasil tem questionado o uso do Global Environment Fund (GEF), que fica abaixo do Banco Mundial, para gerenciar esse dinheiro, uma vez que as economias em desenvolvimento – que são justamente os receptores desses recursos – têm pouco poder nas decisões feitas.
De olho no setor privado, os diplomatas também debateram a responsabilidade expandida de quem gera a poluição. Companhias como a Coca-Cola ou a Unilever poderiam fazer um aporte em determinado mecanismo que correspondesse a um valor de compensação pela poluição plástica que gerou, por exemplo.
“As empresas pedem para os governos para que exista um tratado ambicioso e com regras globais”, diz Prata, “Elas sentem a pressão dos consumidores e preferem lidar com um conjunto de regras globais do que várias regras muito localizadas”. A Fundação Ellen MacArthur e a WWF coordenam a Coalizão Empresarial pelo Tratado de Plástico, que reúne 285 empresas, incluindo Pepsi, Coca-Cola, Nestlé e Unilever.
A reunião de Busan seguiu a onda de incertezas até o fim que assombrou as conferências em Baku e em Cali no mês passado. A maioria dos países insistiu sobre a necessidade de que os compromissos firmados no tratado sejam robustos para combater a poluição causada pelo plástico, cuja degradação leva de 400 a mil anos.