Brasil chega à COP16 sem plano para biodiversidade

País se une a outros 163 signatários que não apresentaram suas estratégias nacionais; governo promete plano robusto ainda este ano

Brasil chega à COP16 sem plano para biodiversidade
A A
A A

Sobre o Apoio

A 16ª Conferência de Biodiversidade da ONU começa nesta segunda-feira, 21, com o gosto amargo – e já conhecido – da frustração provocada pelo insucesso de países em cumprir prazos. O Brasil e outros 163 signatários do “Acordo de Paris da Biodiversidade” chegam em Cali, na Colômbia, sem um plano nacional claro para proteger e restaurar a fauna e flora locais. 

A expectativa era que os 196 países que se comprometeram com o Marco Global Kunming-Montreal da Diversidade Biológica, negociado nas duas edições anteriores da conferência, apresentassem suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAPs, na sigla em inglês) atualizadas até a COP16. Nem 20% o fizeram.

Parte do trabalho também envolvia apresentar metas nacionais em linha com o acordo – 105 dos 196 países apresentaram ao menos uma até o momento. 

O Brasil não vai fazer uma coisa nem outra. 

“Sendo o Brasil o país que abriga mais de 20% da biodiversidade do planeta, é esperado que desempenhe um papel-chave durante o evento e que lidere a discussão pelo exemplo. No entanto, ao não entregar a sua NBSAP durante o evento, o Brasil perde o seu protagonismo”, diz em nota a ONG The Nature Conservancy Brasil, referência global sobre conservação do meio ambiente.

A organização destaca, no entanto, a expectativa “muito grande” sobre os compromissos que serão firmados e o reconhecimento de um grande esforço de diálogo com a sociedade, “que deve resultar em uma estratégia robusta”.

O plano do governo brasileiro é apresentar em Cali um balanço das atividades dos últimos dois anos, mostrando um alinhamento das ações com o Marco Global.

De responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, o documento com as metas nacionais para além de 2030 e como o país pretende cumpri-las deve ser concluído até o fim do ano. 

Um dos motivos para o atraso é o envolvimento de todas as partes interessadas, segundo Braulio Dias, diretor de conservação e uso sustentável da biodiversidade no MMA e único brasileiro a ter ocupado a secretaria executiva da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), ao Reset.

“O Brasil é um país grande territorialmente, com uma população grande e diversificada. Para fazer a revisão, é preciso fazer uma ampla consulta”, afirma Dias.

Vanessa Pereira, coordenadora de Biodiversidade do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), observa também que o país decidiu por fazer uma revisão de sua NBSAP, não apenas uma atualização.

A ressurreição da Conabio

Outro motivo é político. A Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) foi retomada neste ano, após ter sido extinta na gestão Bolsonaro. Composto igualmente por membros do governo e da sociedade civil, é o colegiado que promove a implementação dos compromissos assumidos pelo Brasil junto à CDB.

“Imagine a complexidade de fazer a revisão e atualização da estratégia nacional de biodiversidade do país mais biodiverso do mundo. Isso enquanto se recupera as instâncias de participação social desmontadas pelo governo anterior”, diz Gustavo Pacheco, chefe da divisão de Biodiversidade do Ministério de Relações Exteriores, que lidera as negociações na CDB. 

A primeira reunião da comissão ocorreu na semana passada. O MMA apresentou uma versão consolidada das metas nacionais propostas e debateu as ações a serem priorizadas no novo plano, diz Dias. 

“Nós precisamos de ao menos 30 dias para convocar uma nova reunião, então, infelizmente, não foi possível concluir esse processo antes da COP16. Mas não houve nenhum entrave, nós estamos [com o cronograma] em andamento”, afirma o diretor. 

Com a recomendação da comissão, a nova NBSAP vai para etapa final de aprovação. Uma reunião com diferentes ministros com competências ligadas à biodiversidade será convocada para que as metas e o plano sejam apresentados, analisados e submetidos à aprovação. Por último, será publicado um decreto presidencial para formalizar a aprovação das estratégias.

Por que esse plano importa?

As NBSAPs são o instrumento mais importante em nível nacional para que o Marco Global alcance suas 23 metas até 2030, como acordado em 2022, na COP15 de Montreal, no Canadá. 

A meta mais famosa, batizada de “30×30”, estabelece que cada país deve proteger ou conservar ao menos 30% de suas áreas terrestres, marinhas e aquíferas, por exemplo. 

A WWF Global compilou uma série de recomendações para os governos sobre “As NBSAPs que precisamos”, para que o nível mais alto de ambição nacional seja estabelecido. A revisão das estratégias deveria ser tratada como exigência mínima para os planos nacionais, não como seu limite, defende a organização ambiental em meio à crise de destruição da biodiversidade e a ameaça de um milhão de espécies em risco de extinção ao redor do mundo. 

A organização divulgou uma plataforma constantemente atualizada na qual registra a análise de seus especialistas sobre as NBSAPs já entregues à CDB. Dos 17 países megadiversos, que abrigam 70% da biodiversidade global, apenas Austrália, China, Indonésia, Malásia e México entregaram suas estratégias. Outros países, como a anfitriã Colômbia, devem apresentar suas estratégias durante a COP16.

A estratégia australiana foi criticada pela WWF pela desconexão entre o compromisso de reverter a perda de biodiversidade e o nível de ambição apresentado no plano. A falta de ações práticas e as poucas alterações feitas desde 2019 também foram destacadas. Já o plano chinês teve uma avaliação positiva e foi considerado ambicioso, especialmente dada a complexidade e tamanho do país. 

Das sete maiores economias do mundo, membros do G7, apenas Itália, Canadá, Japão e França já entregaram suas NBSAPs, assim como a União Europeia, que tem representação no grupo. Os Estados Unidos não são signatários da CDB. 

Avanços do Brasil

No lugar da NBSAP, o governo brasileiro pretende frisar compromissos assumidos pelo país, como o desmatamento zero até 2030, a restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa e o avanço nas políticas de repartição de benefícios para as populações tradicionais. 

A lista de feitos conta com a ampliação do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (CNUC), que abrange cerca de 1.780.000 km², e a aprovação de 55 planos de Manejo Integrado do Fogo de unidades de conservação federais. 

Foram destacadas sete iniciativas que somam investimentos estimados em US$ 900 milhões e contribuem para 17 das 23 metas da CDB. Os mais custosos são um programa para consolidar, no mínimo, 60 milhões de hectares de unidades de conservação na Amazônia (US$ 408,8 milhões) e outro para aumentar as Áreas Marinhas e Costeiras Protegidas (US$ 117,8 milhões).

“Acho que nós temos muitos motivos para entrar de cabeça erguida nessa COP, porque o que nós estamos promovendo aqui não é trivial. Por exemplo, acabamos de aprovar o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa. (…) Talvez seja a maior entrega que vamos fazer no âmbito dos compromissos assumidos”, disse Rita Mesquita, secretária nacional de biodiversidade, florestas e direitos animais, em briefing no Itamaraty na última quinta-feira, 17. 

Além das NBSAPs, as negociações na COP16 terão como temas principais o financiamento global para a biodiversidade e a definição de regras para a repartição de benefícios pelo uso das Informações de Sequências Digitais (DSI, na sigla em inglês).