A startup brasileira que promete um leite 'net zero'

Com suplementos na ração das vacas, práticas sustentáveis na fazenda e plantio de árvores, NoCarbon diz ter zerado o impacto climático de seus produtos

A linha de produtos do laticínio NoCarbon
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O empreendedor Luis Fernando Laranja gosta de dizer que a sua intenção com a NoCarbon, uma startup que afirma produzir leite e derivados neutros em carbono, é contribuir com o que ele chama de “planet-based diet”.

O trocadilho com a expressão “plant-based”, que indica os substitutos de carne e leite de base vegetal, não é uma alfinetada nas proteínas alternativas que ganharam destaque de uns anos para cá. É só realismo, afirma Laranja.

“Todas as projeções indicam que o consumo de proteína animal vai continuar crescendo”, diz ele. “Não existe a menor chance de escaparmos de uma catástrofe climática se não reinventarmos a pecuária.”

Fundada há pouco menos de dois anos, a NoCarbon vende leite, coalhada, queijos, kefir e outros laticínios com certificação orgânica e de bem-estar animal.

Mas o destaque fica com um terceiro selo: o que atesta a neutralidade em carbono dos produtos e dá nome à marca. O certificado é concedido pela Iniciativa Verde, organização não-governamental que tem um serviço de inventários de emissões e compensações para empresas por meio do plantio de árvores nativas.

O negócio da NoCarbon ainda é pequeno. São 4 mil litros de leite diários, uma gota no oceano de 93 milhões de litros produzidos todos os dias no Brasil. O faturamento de R$ 5 milhões do ano passado também está em outra galáxia quando se pensa em gigantes como Unilever e Danone.

Mas Laranja acredita ter encontrado uma fórmula replicável para minimizar o impacto climático do leite ordenhado das vacas.

“Não é coisa de bicho grilo que tem meia dúzia de animais e fica pingando homeopatia na língua das vacas, como o setor tradicional quer fazer parecer. Queremos mostrar que é possível [fazer as coisas de outro modo] em escala.”

A equação do net zero

O rebanho é de responsabilidade da Guaraci Agropastoril, empresa-irmã da NoCarbon. Ambas fazem parte da holding Caaporã, que também tem fazendas de pecuária de corte que integram pastagens com vegetação nativa.

Laranja descreve uma equação simples para atingir o net zero: reduzir ao máximo as emissões de gases de efeito estufa de todo o processo. Quando não der mais para cortar, fazer a compensação com o plantio de árvores na fazenda.

A formulação da ideia é elegante, mas esconde a complicação que é atacar o impacto negativo da pecuária no clima, um problema que também preocupa os frigoríficos brasileiros.

Um dos maiores problemas envolvendo bovinos é a fermentação entérica, ou o arroto do boi (ou da vaca, no caso da NoCarbon). Os 400 animais recebem suplementação alimentar para reduzir a produção de metano que ocorre naturalmente no processo de digestão.

“Somos a primeira fazenda de leite do país a usar o Bovaer”, afirma Laranja, referindo-se a um aditivo da holandesa DSM que promete cortar de 30% a 40% as emissões do gás.

(A Marfrig também testa um suplemento com um de seus fornecedores.)

Outras medidas incluem o manejo de dejetos, que são usados como fertilizantes para as áreas de pastagem. 

A conta de carbono do leite também contempla o uso de maquinário agrícola, o transporte até o consumidor e a eletricidade consumida.

A pegada de carbono da pecuária leiteira do país fica entre 2,5 kg e 3 kg de CO2 equivalente para cada litro de leite, segundo Laranja, um número que a NoCarbon conseguiu reduzir para pouco mais de 1 kg de CO2 equivalente por litro. 

Esse saldo que resta após as medidas de mitigação é compensado com reflorestamento. A empresa plantou cerca de 9.000 árvores nativas na Fazenda da Toca, na região de São Carlos (SP), onde é criado o rebanho.

NoCarbon Inside

A NoCarbon vende o leite puro, mas Laranja acredita que a chave para o crescimento da companhia estará em derivados, pois com a agregação de valor há melhores condições de absorver os custos atuais.

Produzir um litro de leite carbono zero hoje custa cerca de 25% mais que o mesmo litro em uma fazenda convencional.

“Digamos que a gente consiga baixar essa diferença para 10%”, afirma ele. “Se o leite for metade do custo de um iogurte, por exemplo, conseguimos fazer a conta parar em pé cobrando um prêmio de 5% no produto final.”

Hoje a NoCarbon faz toda a parte industrial em uma fábrica terceirizada também no interior paulista, e seu leite só é utilizado como ingrediente nas marcas próprias.

Mas Laranja vislumbra um modelo semelhante ao da Intel, que ganhou reconhecimento com a campanha “Intel Inside” mesmo com os seus processadores escondidos dentro dos computadores.

Timing ruim

Com poucas exceções, os produtos da NoCarbon são vendidos em grandes redes varejistas do Estado de São Paulo. Na área de fazenda atual, seria possível no máximo dobrar a produção.

Laranja e seus quatro sócios – que incluem Valmir Ortega,  fundador de outra startup com pegada ambiental, a Belterra – financiaram a operação com capital próprio até aqui e linhas de crédito bancárias.

A companhia também desenvolve alguns fornecedores no Estado, mas qualquer crescimento além disso virá de uma propriedade que a companhia está desenvolvendo na Bahia, que pode comportar uma produção 25 vezes superior à de hoje.

Por enquanto a fazenda está em preparação, com plantio de árvores e obras de infraestrutura. O plano era fazer uma rodada de captação no segundo semestre do ano passado para financiar o projeto, mas o timing não deu certo. ““Começamos em setembro, o pior momento possível”, diz o fundador.

Agora, o foco é estruturar um arranjo de blended finance junto a um banco. Laranja afirma que o desenho ainda está sendo feito, mas o objetivo é conseguir R$ 8 milhões em uma operação lastreada em recebíveis.

Missão

Para colocar em perspectiva a grandeza do desafio: a fazenda da NoCarbon é uma entre estimados 800 mil produtores de leite do país.

Laranja, que é veterinário especializado em qualidade de leite e trabalhou durante muito tempo na interface entre as fazendas e a indústria, encara o trabalho em parte como uma missão.

“Já chamei meu meus filhos e disse: ‘Olha, moçada você se lascaram’.  E pedi desculpas pelo que a minha geração fez: ter destruído o planeta em 50 anos.”A ideia de associar carbono e leite não parece muito intuitiva do ponto comercial, afirma ele. “Mas a marca é provocativa. Não vai passar despercebida. Temos que construir essa economia de baixo carbono, e é por isso que tocamos a empresa.”