Na carreira ou no consumo, a sustentabilidade (ainda) é luxo

Mais que incerteza econômica atual, desigualdades estruturais impactam estilo de vida ‘verde’, indica a consultoria Deloitte

Consumir de forma sustentável é luxo para poucos, aponta estudo
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Comprar uma escova de dente de bambu, fazer feira de vegetais orgânicos e ter um carro elétrico, como se sabe, não são opções para todo mundo. 

Uma pesquisa recém-publicada pela Deloitte constata que as pessoas que se identificam como de baixa e média renda têm menor acesso a alternativas de produtos sustentáveis em comparação às de alta renda, o que resulta em menor engajamento prático com a causa climática. E o acesso desigual a um estilo de vida sustentável não se aplica apenas às opções de consumo. A vida profissional também é afetada, segundo o estudo. 

E não é que as pessoas não se importem: entre todos os 24 mil participantes da pesquisa, distribuídos por mais de 20 países, 68% veem a mudança climática como emergência e mais da metade diz ter mudado suas ações. “Mas é que, para muitos, a escolha sustentável simplesmente não é uma escolha”, aponta o estudo. 

A pesquisa foi realizada a cada seis meses entre setembro de 2021 e março de 2023, com o maior número de respondentes na América do Norte, na Europa e no Leste e Sul da Ásia. 

Em meio à crise energética na Europa, inflação crescente e incerteza econômica, a Deloitte buscou entender o impacto do cenário macroeconômico sobre o posicionamento climático das pessoas ao redor do globo. Com base nos dados levantados, a consultoria conclui que, mais que o cenário econômico negativo atual,  a (falta de) mudança de comportamentos pode ter suas raízes em desigualdades socioeconômicas mais profundas e sistêmicas.

Além das compras

As desigualdades se refletem sobre ambientes de trabalho e espaços públicos, de acordo com o estudo. 

O chamado climate quitting ganhou espaço no noticiário recente, dando nome aos pedidos de demissão por funcionários que não viam seus valores sociais e ambientais alinhados com os das empresas empregadoras. O fenômeno, no entanto, parece ser opção apenas para alguns, afirma a Deloitte. 

Entre os entrevistados de mais alta renda, 46% disseram ter considerado mudar de trabalho para uma companhia com práticas mais sustentáveis. Entre os que se declaram de baixa ou média renda, essa porcentagem cai para menos de 20%. 

E silenciar sobre o tema não significa estar satisfeito. Questionados sobre já terem conversado com seus supervisores sobre sustentabilidade no trabalho, 24% dos respondentes de alta renda disseram nunca tê-lo feito, contra 62% dos de baixa renda. A percepção de que o empregador não está fazendo o suficiente para o combate às mudanças climáticas é compartilhada por 37% e 77% de cada grupo, respectivamente. 

O custo como barreira 

Também de olho na faixa de renda, o prêmio pago por produtos sustentáveis tem peso diferente no bolso de cada um. 

Em março deste ano, dos respondentes que não haviam adquirido um produto sustentável no último mês, o custo foi um empecilho para 20% entre os de mais alta renda. Na base da pirâmide, essa parcela dobrou. 

No outro grupo, dos que compraram algum produto no mesmo período, dois terços afirmaram ter pagado ao menos 20% a mais que a alternativa tradicional e 40% disseram estar dispostos a pagar mais pelo produto verde.

Ações individuais 

É fato que processos de adaptação e mitigação climática exigem transformações estruturais na indústria e em diversos setores, como energia e mobilidade. Mas, na visão da Deloitte, isso não elimina o papel das atitudes individuais para demandar de empresas e governos produtos sustentáveis e mais acessíveis e políticas que viabilizem isso. 

Mesmo com mais possibilidades de acesso a bens e serviços com pegada climática menor, os mais ricos – responsáveis pela maior parte das emissões de carbono na sociedade graças ao seu estilo de vida – estão menos dispostos a mudar atitudes individuais, como voar menos ou simplesmente comprar menos coisas, segundo a consultoria. 

“Algumas dessas escolhas podem ser guiadas por necessidades econômicas entre os respondentes de renda mais baixa, mas essas descobertas também destacam um apetite limitado para abrir mão de muitas das comodidades que se tornaram parte integrante de muitas de nossas vidas: férias em locais distantes; viagens em carros de propriedade pessoal, ocupando um único lugar; carne em todas as refeições; e entrega quase instantânea em nossas portas de praticamente qualquer produto”, nota o estudo. 

Os dados sugerem ainda que as faixas de renda também têm impacto direto na participação da população no debate público sobre a questão climática. A parcela de pessoas de renda mais baixa que nunca contatou autoridades oficiais por questões climáticas (25%) ou nunca participou de manifestações pela causa (65%) é mais que o dobro que a de maior renda (11% e 29%, respectivamente). 

Sem oportunidades de participação significativa de todo o espectro da população nas negociações pelo clima, “simplesmente encorajar os que ganham mais a ‘fazer mais’ poderia arriscar fortalecer tendências e desigualdades” e tornar a transição justa ainda mais difícil de se alcançar, conclui o estudo.