As metas de logística reversa para o setor de eletroeletrônicos brasileiro são progressivas — e ambiciosas. Em 2021, as fabricantes tinham de garantir o descarte correto de equipamentos antigos no equivalente a 1% de sua produção. Em 2025, a proporção vai chegar a 17%.
As receitas da Circular Brain, startup que criou um sistema inovador para unir fabricantes com o mundo dos recicladores, estão crescendo ainda mais rápido que as obrigações estabelecidas na lei.
Os R$ 2,5 milhões que a companhia faturou em 2022, seu primeiro ano completo de operações, devem saltar para R$ 55 milhões este ano. Para 2024, a expectativa é que o número dobre, e em 2025 o crescimento esperado é de outros 30%.
“Nossos negócios aumentam pelo menos na mesma proporção da exigência regulatória”, diz Marcus Oliveira, Cofundador e CEO da Circular Brain. A empresa tem como sócios a gestora Barn Investimentos e a BR Angels.
O nome da startup é apropriado, porque a companhia não oferece a reciclagem dos produtos em si: seu negócio é a informação.
Os recicladores que atuam na ponta do descarte de eletroeletrônicos — que vão de grandes eletrodomésticos como geladeiras e máquinas de lavar até celulares — sempre existiram.
Eles fazem o desmonte dos equipamentos que coletam, separam o que tem valor de revenda (como plásticos e alguns metais) e enviam para aterros o que não é reciclável.
Mas esses negócios costumam ser pequenos e pulverizados. Segundo Oliveira, ninguém sabe exatamente bem o que, onde e como eles trabalham.
Com a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2020, criaram-se as obrigações regulatórias para os fabricantes — e foi aí que a Circular Brain encontrou uma oportunidade de juntar as duas pontas.
O sistema desenvolvido pela empresa recolhe os documentos que certificam quanto os recicladores recolheram, o que foi revendido e assim por diante.
Essas informações são reunidas e transformadas numa espécie de crédito que é então vendido aos fabricantes para que comprovem sua adequação às exigências da lei.
“A lógica é a mesma do mercado de carbono”, diz Oliveira. “O fabricante ‘emite’ novos produtos e precisa fazer essa compensação com a logística reversa de produtos antigos.”
Solução digital
A figura desse “crédito de logística reversa” não existe na prática. Nas palavras de Oliveira, é uma abstração que a Circular Brain colocou em prática com o uso da tecnologia digital.
A empresa desenvolveu um software que funciona como ferramenta de gestão para empresas de reciclagem e é oferecido gratuitamente pela startup.
Além de digitalizar um tipo de negócio ainda analógico, o sistema gera o “lastro” para os créditos vendidos pela Circular Brain, na forma de notas fiscais, manifestos de transporte de resíduos e documentos emitidos pelo órgão ambiental.
“Conseguimos comprovar que cada tonelada de resíduo eletrônico tem o descarte documentado”, diz Oliveira.
A solução engenhosa foi abraçada pela indústria. A Circular Brain já vendeu o equivalente ao descarte de 170 mil toneladas pelos próximos três anos — é daí que vêm as receitas da companhia.
A maior parte vem de um contrato a Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (Abree), que inclui companhias como Samsung, LG, Weg e Lorenzetti.
Não é muito diante dos 2 milhões de toneladas anuais de resíduos eletroeletrônicos gerados no país anualmente, mas Oliveira afirma que o setor está dando os primeiros passos de uma longa caminhada.
Além das informações organizadas, a startup também vende alcance nacional. “Nenhuma empresa vai sair procurando soluções no Brasil inteiro. Nós fazemos isso para elas”, afirma Oliveira.
Muitas companhias faziam campanhas nacionais de coleta, em parceria com varejistas, por exemplo, mas acabavam contratando recicladores em uma ou mais cidades, o que as obrigava a transportar os resíduos por longas distâncias.
O custo de frete é o mais alto de toda a cadeia da logística reversa, diz Oliveira, e isso sem levar em conta as emissões de gases de efeito estufa.
A startup ajuda os recicladores a organizar suas próprias campanhas de coleta e oferece um serviço em parceria com a Kangu (empresa de logística do Mercado Livre) para abastecê-los com sua “matéria-prima”.
Aumentando a rede
Com uma demanda grande já garantida, agora o esforço vai ser na outra ponta da cadeia. A rede da Circular Brain tem hoje cerca de 25 recicladores, e o plano é chegar a 70 ainda este ano. Mais de 500 já foram mapeadas.
O foco da Circular Brain são empresas pequenas, diz Oliveira, que em geral têm menos de 10 funcionários, mas que precisam de algumas licenças específicas para operar, como laudos de segurança do corpo de bombeiros e cadastro no Ibama. “Não estamos falando do catador.”
O chamariz da startup é o aumento da receita. “Ele continua vendendo os materiais que recuperou, como sempre fez, mas agora tem uma remuneração a mais por esse serviço ambiental prestado. Alguém tem interesse nas informações dele.”
O pagamento é feito por tonelada de resíduos destinada corretamente. Oliveira afirma que a remuneração fica em torno de R$ 1.000 a R$ 1.500 a tonelada, dependendo do volume.
A Circular Brain também identificou empresas que processam grandes quantidades de materiais, mas que em geral lidam com sucata de ferro, por exemplo. “Só que lá no meio das 40 mil toneladas tem umas duas mil de eletrônicos”, afirma o CEO.
Mas o maior desafio, especialmente entre os recicladores de menor porte, é cultural. “Muitos têm que mudar a maneira de trabalhar, criar controles que não existiam”, diz Oliveira.
A expectativa é que o dinheiro injetado na cadeia de reciclagem de eletrônicos reforce o argumento. Hoje a Circular Brain repassa mais de 80% do que recebe das fabricantes.
“Vamos colocar de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões na cadeia de reciclagem nos próximos três anos”, diz Oliveira.