Cerca de duas toneladas de copos, latas, embalagens, garrafas e outros resíduos passam pela esteira da sede da cooperativa YouGreen todos os dias.
O que para a maioria das pessoas é apenas lixo, para os olhos e mãos ágeis da baiana Marlene dos Santos são cinco tipos diferentes de materiais que ela precisa separar, um em cada compartimento, para que sigam para reciclagem e não sejam descartados como rejeitos em um aterro.
Santos é uma das 60 cooperadas da YouGreen e recebe por seu trabalho R$ 1780 por mês, remuneração cerca de três vezes maior que a da média dos catadores de lixo do país.
Profissionalizar e valorizar a categoria, com um modelo de gestão de resíduos focado na rastreabilidade dos materiais, é o grande diferencial da cooperativa, montada em 2011 pelo tecnólogo em processos de produção Roger Koeppl.
Hoje ela gerencia por mês cerca de 600 toneladas de material e manda para reciclagem em torno de 200 toneladas, volumes também de três a quatro vezes maiores que a média das cooperativas brasileiras.
Com crescimento de 20% ao ano, a YouGreen começou, no ano passado, a expandir seu modelo por meio de franquias. A meta de Koeppl é levar, até 2026, seu processo de gestão a outras 73 cooperativas.
As primeiras estão sendo implantadas no Rio de Janeiro e em três cidades paulistas – São José dos Campos, Guarujá e Ibitinga –, e a próxima será em Manaus.
Catador ‘as a service’
Paulistano criado na Vila Ede, zona norte de São Paulo, Koeppl decidiu aliar sua experiência na área de engenharia de processos com a gestão de resíduos sólidos depois de um trabalho voluntário na Cruz Vermelha.
“Ali descobri que era possível usar o meu conhecimento em um propósito com impacto social”, conta.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, que criou obrigações de logística reversa para as empresas, havia sido lançada um ano antes. “Era algo que eu já conhecia bem e enxerguei na coleta seletiva uma boa oportunidade.”
Koeppl visitou mais de 15 cooperativas para entender como funcionavam e então desenhar um processo que fosse mais eficiente e rentável. Ele percebeu rapidamente que apenas vender o material coletado era um modelo ultrapassado — e que a conta não fecharia desta maneira.
Para financiar o modelo de gestão e ser capaz de remunerar melhor seus cooperados, a YouGreen começou a cobrar pela coleta do lixo.
Era uma revolução para uma cooperativa — que normalmente coleta o lixo de graça, isso quando não paga pelos resíduos.
Hoje, a receita da YouGreen vem 35% da venda de materiais para recicladoras e 65% de serviços, prestados a empresas.
“Nós vendemos relatórios detalhados, rastreabilidade, logística reversa, gestão integrada, tecnologia, conscientização, consultoria, redução de impacto ambiental, melhor remuneração para os catadores, e recicláveis”, diz Koeppl.
Um dos clientes atendidos pela YouGreen, por exemplo, é o Grupo 3Corações. A cooperativa atua com logística reversa de cápsulas pós-consumo da Tres em São Paulo.
A empresa faz a coleta em diversos pontos da cidade e, no galpão, separa plástico, alumínio e borra de café — os dois primeiros seguem para reciclagem e o material orgânico vai para compostagem.
Rastreabilidade
A rastreabilidade é outro dos diferenciais da YouGreen.
O lixo coletado pela cooperativa em cada cliente chega em grandes sacos que, no galpão, são pesados e recebem uma etiqueta com código de barras informando quando e de onde veio aquele material.
Tudo passa pela esteira, na qual, manualmente, 40 diferentes tipos de categorias são separados, sobrando na outra ponta os rejeitos que seguirão para aterros.
Relatórios online são gerados para cada cliente, que acompanha como e quanto do que descartou será reaproveitado.
Os recicláveis passam, então, por compactadoras e viram fardos, também catalogados, o que garante o controle dos resíduos até seu destino final, as recicladoras – que incluem grandes empresas como Gerdau e Klabin, que reaproveitam itens como aço e papel, respectivamente, de volta nos seus processos.
“Além de eficiência, o modelo garante segurança para os dois lados, tanto para geradores de resíduos quanto para quem os recicla”, explica Koeppl. “A rastreabilidade garante que os clientes não correm riscos de comprar material roubado, porque sabemos a procedência de tudo.”
Precificação
A YouGreen também usa tecnologia para fazer a precificação acertada desses serviços.
Baseados em dados coletados em uma década de operação, com poucas perguntas hoje é possível passar ao cliente quanto será cobrado pela gestão de seus resíduos.
O sistema pergunta o endereço, para determinar distâncias, capacidade de armazenamento dos resíduos, para calcular a frequência das coletas, quantas pessoas trabalham na empresa, para ver o volume de resíduos e se separam o lixo ou não, para averiguar a complexidade da separação.
Quando o custo da operação da gestão é menor do que o valor de rendimento do reciclado, a YouGreen paga pelo material, ao invés de cobrar para coletá-lo. Mas quando a conta é inversa, cobra pela prestação do serviço ambiental da destinação correta do lixo.
Segundo Koeppl, na prática, a YouGreen conseguiu reunir em uma solução única duas pontas do mercado: a das consultorias técnicas de gestão ambiental e a dos catadores de lixo, o que permitiu distribuir melhor a remuneração entre elas.
“Trabalho como catador há dez anos e ainda me choco quando vejo empresas que querem vender seu lixo mesmo sabendo do impacto que ele tem, do custo para gerenciá-lo e da remuneração miserável a que a maioria dos catadores é submetida”, afirma. “Mas é uma cultura que, felizmente, a YouGreen vem conseguindo mudar.”
Remuneração
A inteligência do processo e o volume gerenciado pela YouGreen permitem que a ela opere com um custo cerca de 20% menor do que o das demais cooperativas.
Seu faturamento anual é de R$ 5 milhões, com cerca de 13% de lucro, quase todo reaplicada na própria operação. Os cooperados são, principalmente, mulheres, refugiados e egressos do sistema penitenciário.
O modelo de remuneração também é diferenciado — o que lhe garante, desde 2015, uma certificação no Sistema B, comunidade global de negócios que equilibram propósito e lucro.
As faixas de remuneração são baseadas em complexidade, risco e responsabilidade e os gaps entre elas, fixos, são múltiplos do piso.
“A remuneração mais alta é no máximo seis vezes maior que a de entrada. Eu, como diretor, só ganharei mais quando e se o catador nível A receber mais por seu trabalho”, explica Koeppl.
Expandindo o modelo
Para replicar seu modelo e inteligência de processos em outras cooperativas, a YouGreen captou R$ 1 milhão numa rodada com cinco investidores – dos quais Koeppl não revela o nome.
A Green Franquias foi formatada com a consultoria da Din4mo, focada em negócios de impacto. A franqueadora ficará com 10% do faturamento das franqueadas, valor que custeará uma central de serviços compartilhados, com departamento comercial, financeiro e RH.
A meta é que cada franqueada atinja, em até 32 meses, R$ 1,2 milhão de faturamento por ano, com gestão de 1200 toneladas/ano de material coletado e 35 cooperados ganhando, cada um, ao menos um salário mínimo mensal.
A ideia é chegar a cooperativas já existentes, com exceção de cidades que ainda não tiverem cooperativas em funcionamento, nos quais uma unidade pode surgir do zero.
Bancados por empresas patrocinadoras, os valores de implantação, que não incluem equipamentos e variam conforme o estágio de maturidade de cada cooperativa, são três:
- R$ 125 mil para as avançadas, que já têm volume de operação e documentação em dia;
- R$ 175 mil para as intermediárias, nas quais falta uma das duas coisas; e
- R$ 250 mil nas chamadas de startups, que partem do zero.
Nas primeiras unidades implantadas, não há qualquer tipo de contrapartida estabelecida em contrato para os patrocinadores, entre eles BR Properties, Instituto Credicitrus, Nestlé e Dow.
“Os interesses destas empresas são diversos, pode ser uma afinidade de propósitos, uma chance de apoiar o meio ambiente e o cooperativismo”, diz Koeppl.” Mas a grande maioria deve vir pela facilitação do cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos e por sermos uma importante plataforma em suas agendas ESG, por conta do impacto ambiental e social que geramos.”