O americano Yvon Chouinard, fundador da marca de produtos de escalada e montanhismo Patagonia, anunciou na tarde de hoje a doação da empresa que ele criou há quase 50 anos.
Dono de uma fortuna estimada em US$ 1,2 bilhão, Chouinard, 83, sua mulher, Malinda, e seus dois filhos transferiram a companhia para uma estrutura de fundos e trusts que serão responsáveis por tocar o negócio.
A ideia era destinar a maior parte da fortuna da família para causas ambientais. Uma das alternativas seria vender a empresa e doar o dinheiro. Outra seria listá-la na bolsa.
“Que desastre teria sido isso”, escreve Chouinard num comunicado publicado no site da Patagonia. “Até mesmo companhias públicas com boas intenções sofrem pressão demais para criar ganhos de curto prazo à custa de vitalidade e responsabilidade de longo prazo.”
Como não havia boas opções disponíveis, diz o fundador, ele criou um caminho próprio.
A Patagonia, cujos coletes de lã são o uniforme não-oficial do tech bros do Vale do Silício, fatura cerca de US$ 1 bilhão. O lucro anual, que fica em torno de US$ 100 milhões, será destinado a combater a mudança do clima e proteger terras virgens ao redor do mundo.
A empresa já doa 1% de seu faturamento para causas ambientais e desde 2018 define seu propósito como “salvar o planeta”. Mas, para Chouinard, isso não era o bastante diante da urgência da crise climática.
A longevidade do propósito
A Patagonia continuará sendo uma empresa de capital fechado, com sede na Califórnia e valor estimado em US$ 3 bilhões.
Mas todas as ações com direito a voto agora estão sob controle do Patagonia Purpose Trust, que terá entre outras responsabilidades a manutenção dos valores fundamentais da marca.
Os responsáveis por esse fundo serão integrantes da família e conselheiros, segundo a reportagem do New York Times em que foi revelada a notícia.
O restante das ações foi doado para uma entidade sem fins lucrativos chamada Holdfast Collective, que receberá os dividendos da companhia.
“A família é muito fora da curva quando você considera que a maioria dos bilionários doa apenas uma parte ínfima de suas fortunas todo ano”, afirmou ao jornal americano David Callahan, um especialista em filantropia.
“Até mesmo quem assinou o Giving Pledge – iniciativa criada por Bill Gates, que contou com a adesão de Warren Buffett, entre outros – não doa tanto, e eles tendem a continuar enriquecendo.”
Um bilionário diferente
“Nunca quis ser empresário”, escreve Chouinard em sua carta. “Comecei fazendo equipamento para escalada para meus amigos e para mim, e depois comecei a fazer roupas.”
Ele usa roupas surradas, é dono de duas casas simples e não tem computador ou smartphone, descreve o New York Times.
Uma das ironias inexplicáveis da história da Patagonia é que sua peça mais conhecida seja o colete de lã usado por executivos – ou wannabes – do Vale do Silício e banqueiros de Wall Street.
O colete é tão famoso que apareceu na série Silicon Valley, uma paródia da tecnoutopia californiana produzida pela HBO.
No Brasil, por razões ainda mais misteriosas, dada a ausência de inverno rigoroso, a moda foi copiada pelos banqueiros da avenida Faria Lima, mas no modelo “puffy”.
Não se conhece a opinião de Chouinard sobre esse segmento de clientes da marca, mas é razoável supor que não seja muito positiva. “Apareci numa lista de bilionários da revista Forbes, o que me deixou muito, muito puto. Não tenho US$ 1 bilhão no banco.”
Foi há dois anos que ele começou a sondar pessoas próximas, inclusive o CEO da empresa, Ryan Gellert, sobre as possíveis soluções para seu dilema.
Os filhos, Fletcher e Claire, não estavam interessados em herdar o negócio. “Era importante para eles não serem vistos como beneficiários financeiros”, afirmou Gellert ao jornal.
“Pode soar petulante, mas eles realmente personificam a ideia de que todo bilionário é [a prova do] fracasso das políticas [públicas].”
Existe o risco de que o negócio perca o foco sem a presença mais próxima do fundador. Mas Chouinard afirma estar tranquilo.
“É um grande alívio ter organizado minha vida. Para a gente, foi a solução ideal.”