Era uma vez um país em que seu presidente eleito se gabava perante parte da elite econômica de ter demitido toda a equipe do órgão que zela pela preservação do seu patrimônio histórico em nome dos interesses privados de um amigo. Aplausos. Fim.
Infelizmente, a história é real. E, infelizmente, aconteceu aqui no Brasil na última quarta-feira.
Jair Bolsonaro fez o seu discurso do atraso num evento com o apropriado nome de “Moderniza Brasil”. Evento esse realizado na Fiesp, a federação da indústria paulista. Tudo bem moderno mesmo.
Recomendo a quem ainda não teve a chance que assista ao vídeo para poder sentir todo o choque e horror.
Bolsonaro discursava a empresários sobre o que o governo federal tem feito para melhorar o ambiente de negócios, quando resolveu produzir provas contra si mesmo.
Contou que soube que, durante as escavações para construir mais uma daquelas lojas de gosto duvidoso da rede Havan, do seu amigo e empresário Luciano Hang, foram encontrados ‘pedaços de azulejo’; e que o Iphan, órgão sobre o qual ele nunca ouvira falar, havia paralisado a obra.
Bolsonaro disse que teve que ligar para o ministro da pasta para saber o que era “o tal do Iphan com ph” e, na sequência, afirmou que “ripou” todo mundo do órgão, que “agora não dá mais dor de cabeça para a gente”.
Difícil dizer o que é mais grotesco e assustador.
A desfaçatez com a qual o presidente da República conta que se encarregou de resolver os problemas da obra de um amigo, a ignorância sobre o que é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (o tal do Iphan) e a sua relevância, ou os aplausos e gargalhadas dos empresários presentes, que acharam tudo excelente.
Vou me concentrar na última.
A reação dessa parte da elite econômica é o retrato do atraso brasileiro. Até quando será aceitável – e digno de aplausos – que empresários queiram crescer seus negócios e enriquecer a qualquer custo?
Afinal, o que é um ‘pedaço de azulejo’ perto da arquitetura de bom gosto de mais uma loja da Havan, que replica toscamente o estilo neoclássico da Casa Branca americana – sem falar na cópia mal feita da Estátua da Liberdade, esse símbolo tão apropriado. É mesmo o fim.
* Vanessa Adachi é editora-chefe do Reset