A Vittia, que produz fertilizantes e defensivos biológicos, finalmente emplacou seu IPO, trazendo para bolsa não somente mais um veículo de investimento no agronegócio, ainda pouco representado, mas outra tendência: a de sustentabilidade.
Os papéis estrearam na quinta-feira (2) com alta de 18%.
O que chamou a atenção dos investidores foi o amplo pipeline da Vittia no desenvolvimento de defensivos biológicos, feitos a partir de fungos, bactérias, parasitas e outras alternativas naturais que substituem os inseticidas químicos.
É um mercado ainda incipiente, tanto no Brasil quanto no mundo, mas que vem crescendo a taxas chinesas, graças à demanda por produtos que tenham menor impacto no meio ambiente e sejam menos tóxicos — e também porque muitas pragas hoje já mostram resistência aos defensivos químicos.
“Estamos entrando na década da restauração e discutindo uma conversão para uma agricultura regenerativa”, afirma José Pugas, sócio e head de ESG e agronegócio da JGP. “Os biológicos representam um dos melhores caminhos para que essa transição aconteça”.
Hoje, estima-se que os biodefensivos respondam por pouco mais de 2% do mercado de defensivos no mundo, mas já há previsões de que essa fatia possa chegar a 30% até o fim da década.
A Vittia fez duas tentativas frustradas de estreia na bolsa, uma em abril e outra mais recente, há cerca de três semanas, mas não deu sorte.
Até agradou os investidores, em sua maioria locais, mas pegou janelas azedas de mercado e teve de engavetar a operação, que serviu principalmente para saída ao fundo de private equity BRZ, que tinha 28% do negócio e está em fase de desinvestimento.
Sem necessidade de caixa para girar o negócio, conseguiu esperar e saiu valendo R$ 1,22 bilhão, no piso da faixa indicativa numa oferta restrita fechada em menos de 24 horas.
Biológicos desde os anos 1970
Fundada há quase cinquenta anos na cidade de São Joaquim da Barra, no norte do estado de São Paulo, a Vittia — então Biosoja — chegou no mercado de biológicos quando era tudo (literalmente) mato.
Sua estreia foi com os chamados inoculantes, fertilizantes feitos à base de bactérias, que capturam o nitrogênio no ar e transformam em nutrientes para as raízes da planta.
O fundador, Plínio Romanini, trabalhava como representante de vendas para uma empresa de adubos quando foi convidado por dois pesquisadores para montar o próprio negócio. A empresa continuou como um negócio de família e hoje os dois filhos — Wilson, CEO, Guilherme, diretor — continuam no controle.
O negócio ganhou nova tração em 2014, quando a BRZ fez um aporte na companhia e ficou com os 28%. O dinheiro deu robustez à área de P&D, colocou a sustentabilidade como uma das estratégias de crescimento do negócio e fez com que a Vittia engatasse uma série de aquisições.
A primeira foi a Samaritá, ainda em 2014, que expandiu os mercados de atuação e diversificou a base de clientes para outras culturas, como a de laranja.
A compra da Biovalens, em 2017, marcou o início das operações com defensivos biológicos, reforçada no ano passado com a compra da JB Biotecnologia.
Ainda em 2020, a Vitória Agro também foi adquirida, trazendo para a Vittia o conceito de economia circular: a empresa recolhe resíduos orgânicos de produtores de gado leiteiro e utiliza como matéria-prima para fertilizantes organominerais, que são utilizados por esses mesmos produtores em um modelo de troca.
Nutrição e combate às pragas
Os fertilizantes especiais — que incluem os compostos biológicos e minerais que auxiliam no crescimento das plantas — ainda perfazem a maior parte da receita do grupo, de cerca de 85%.
É um mercado que ainda não é mainstream, tem potencial de crescimento com a tendência de maior preocupação ambiental, mas existe há décadas e tem algum porte. No Brasil, estima-se que ele gire cerca de R$ 8 bilhões por ano, dos quais a Vittia tem fatia de 5%.
Já o mercado de defensivos biológicos ainda é o caçula.
Movimentou R$ 930 milhões na safra de 2018/2019, segundo a consultoria Spark, especializada no agronegócio. Mas expandiu 46% frente à safra anterior e tem potencial para superar o irmão mais velho.
E é nessa frente que está a maior aposta da Vittia, que faturou R$ 530 milhões no ano passado, com lucro de R$ 86 milhões.
O segmento ainda responde por uma parcela pequena das vendas da empresa, de 12% do faturamento, mas, de um ano para cá, dobrou de tamanho.
A companhia inaugurou recentemente uma fábrica dedicada a essa linha de negócio, com capacidade de produzir 5 milhões de litros anuais. Antes, os produtos eram fabricados nas outras sete unidades da empresa, junto com fertilizantes, somando uma capacidade de 650 mil litros por ano.
A área de P&D também foi turbinada. Em uma estrutura de 1500 metros quadrados, a Vittia estuda uma linha de defensivos que, além de combater pragas e doenças, estimula o desenvolvimento da lavoura.
“A molécula química tem um alvo [praga] específico, enquanto o nosso produto tem vários alvos e um efeito secundário de desenvolvimento das culturas, que é bastante interessante”, afirmou o diretor industrial da Vittia, Matheus Bezerra, em conversa com o Reset antes do IPO, no começo de agosto.
Sustentabilidade e produtividade
A agropecuária brasileira é responsável por 28% das emissões de gases de efeito-estufa no Brasil e o uso de fertilizantes nitrogenados é responsável por quase 10% dessa fatia
O óxido nitroso (NO2) produzido por esse tipo de fertilizante é 300 vezes mais potente em retenção de calor que o gás carbônico.
Os biológicos evitam esse impacto negativo, mas seu benefício vai além de mitigação da mudança climática — é também uma forma de se adaptar a ela.
Os bioinsumos têm sido bem avaliado por agricultores porque também deixam as plantações mais resistentes às intempéries.
“Os biofertilizantes melhoram a capilaridade das raízes, que ficam mais profundas e conseguem acessar água que está no subsolo. Outras plantas que não tiveram o mesmo tratamento biológico sofrem com a escassez hídrica”, diz Pugas, da JGP.
Segundo ele, a substituição de fertilizantes por biológicos nas lavouras pode chegar a 100%.
No caso dos defensivos, a tendência, por ora, é de sinergia com os químicos. Testes em campo têm mostrado que os dois tipos de produto funcionam melhor juntos do que separados.
Um setor em ebulição
Com a busca por métodos de agricultura com menos impacto para o meio ambiente — e o estoque de carbono no solo despontando com uma das principais tendências para conter o aquecimento global —, o setor de bioinsumos vem atraindo investimentos em todo o mundo.
Em julho, o GIC, fundo soberano de Cingapura, comprou uma fatia minoritária na brasileira Biotrop, uma das líderes em insumos biológicos no país.
Nos Estados Unidos, uma outra empresa do segmento, a Pivot Bio se somou aos unicórnios do agronegócio, ao ser avaliada em US$ 2 bilhões numa rodada de investimentos em que captou US$ 430 milhões, liderada pela holding de Cingapura Temasek.
A startup cria em laboratório microorganismos que substituem os fertilizantes convencionais, inoculantes. A empresa cresceu com o apoio do fundo Breakthrough Energy Ventures, fundado por Bill Gates, criador da Microsoft, e que conta com recursos de outros megaempresários, como Jeff Bezos e Mark Zuckerberg.
(Com edição de Natalia Viri)