A Fama Investimentos, que tem 3% das ações da Linx, divulgou uma carta ao mercado nesta madrugada dizendo que os três fundadores da empresa de software de gestão para o varejo estão recebendo um prêmio indevido disfarçado na venda para a Stone, na forma de pacotes de trabalho e um contrato de não-competição.
A duas empresas anunciaram na terça-feira uma oferta de compra da Linx pela fintech de meios de pagamento Stone e os termos da transação foram conhecidos ontem pelo mercado.
A gestora liderada por Fabio Alperowitch calcula que os fundadores estariam recebendo cerca de 35% mais que os minoritários na transação, o que fere as regras do Novo Mercado, que estabelece um ‘tag along’ de 100% — isto é o mesmo valor para todos os acionistas no caso de alienação de controle.
“Tirar vantagem de quem confiou em você é muito feio. Grande parte do que os fundadores da Linx construíram se deve ao apoio do mercado, que deu o dinheiro no IPO e no aumento de capital”, disse Alperowitch ao Reset.
Antes de divulgar a carta, a equipe da Fama fez a reflexão de que colocar a boca no trombone poderia doer em seu próprio bolso. “Mas não dava para ser conivente.”
O gestor tem a expectativa de que outros acionistas minoritários se mobilizem para negociar novos termos para a transação. Mas reconhece que uma mobilização não é um movimento óbvio, uma vez que a base de acionistas da Linx é muito pulverizada.
Os fundadores têm 14% da empresa e o restante está espalhado pelo mercado. Entre os acionistas com fatias relevantes está o Itaú Unibanco, com 5% do capital e o GIC, quase 9,9%. Boa parte das ações está com acionistas estrangeiros.
Alperowitch enxerga a transação como um teste diante da onda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) que tomou conta do mercado local nos últimos meses.
“Cada vez se fala mais em ESG no mercado brasileiro e essa transação é uma flechada no ‘G’. É o ESG em teste e se nada acontecer é sinal de que o mercado não amadureceu.”
Conta de chegada
Nas contas da Fama, os três sócios fundadores da Linx, Nércio José Monteiro Fernandes, Alberto Menache e Alon Dayan, receberão R$ 240 milhões a mais por um contrato de não competição com duração de três anos.
Trata-se de um adicional aos R$ 900 milhões que terão direito pela venda da participação que possuem no negócio, de 14%.
Menache, que é presidente executivo da Linx, receberá ainda R$ 75 milhões, além do salário mensal de R$ 416 mil e outros benefícios para ser presidente do conselho da divisão de software da empresa combinada. (O contrato de trabalho estabelece que ele trabalhará quatro dias por semana no primeiro ano, três dias no segundo e dois dias por semana no terceiro).
O valor salta aos olhos: de acordo com o formulário de referência da Linx, a maior remuneração do conselho em 2019 foi de R$ 18,2 milhões.
“É difícil entender o sentido lógico de alguém ter, simultaneamente, um contrato de trabalho e uma remuneração por ‘non-compete’. Quem está trabalhando pode competir consigo mesmo?”, escreve a equipe da Fama.
Alperowitch também questiona o valor dos contratos de trabalho em si. “O valor não é compatível com o que o Alberto recebia como executivo. O valor do trabalho dele não pode ter se multiplicado.”
A estrutura, diz o gestor, evidencia que foi feita uma conta de chegada para atingir o preço de venda desejado pelos fundadores da Linx. “Os minoritários da Linx estão pagando a conta desse prêmio. Isso não poderia estar nos termos da transação. Se a Stone quiser contratá-los depois, pode fazê-lo.”
Nas contas da Fama, somando os valores referentes a esses contratos, o valor total a ser recebido pelo grupo é de aproximadamente R$ 1,2 bilhão, o que resultaria em um valor de R$ 46 por ação, prêmio de aproximadamente 35% sobre o valor a ser recebido pelos minoritários.
A proposta da Stone foi de R$ 34 por ação, extensível a todos os minoritários, um prêmio de 30% em relação à cotação de fechamento do pregão imediatamente anterior ao anúncio da operação.
No caso de Alberto Menache — o que leva em conta a proposta de trabalho –, o valor sobe para 63% a mais que o valor a ser recebido pelos minoritários.