Uma startup que quer descarbonizar o transporte de carga por caminhões é a nova sensação da bolsa americana.
Desde que começou a negociar na Nasdaq, no começo do mês, as ações da Nikola dispararam e a empresa já vale US$ 25 bilhões — mais que o valuation da Ford e um feito impressionante para uma empresa que não tem sequer um dólar em receita.
Fundada em 2015, a Nikola tem planos de produzir caminhões movidos a bateria elétrica e a células de combustível de hidrogênio verde e já conta com mais de US$ 10 bilhões em pedidos, o maior deles vindo da filial americana da Anheuser-Busch Inbev.
A empresa veio a mercado por meio de uma fusão no último dia 4. Foi comprada pela Vector IQ, um SPAC — veículo que levanta dinheiro num IPO para fazer uma aquisição não especificada —, comandado por um ex-executivo da General Motors, numa operação que a avaliou em US$ 4 bilhões.
Entre os investidores, estão o ValueAct Spring Fund, o fundo de impacto liderado pelo ativista Jeff Ubben, e a Fidelity, que colocaram US$ 700 milhões na companhia como parte da compra.
Mas o papel também vem passando pelo chamado efeito ‘Robinhood’, a corretora que virou febre entre as pessoas físicas nos Estados Unidos. Segundo o The Wall Street Journal, a Nikola já tem 130,8 mil investidores individuais na plataforma, atrás apenas da Netflix.
Como toda a companhia pré-operacional que aposta na disrupção de um setor multibilionário, a Nikola divide opiniões acaloradas.
Os comprados apostam que ela vai revolucionar o mercado, enquanto os vendidos focam na distância que separa um plano de negócios ambicioso dos inúmeros desafios de execução.
Tesla, pero no mucho
A comparação com a Tesla é inevitável. Ambas as companhias derivam seu nome do investidor da corrente alternada, Nikola Tesla, e foram fundadas por empreendedores megalomaníacos viciados no Twitter. Assim como Elon Musk, Trevor Milton, da Nikola, é um usuário voraz da rede.
Mas as similaridades param por aí.
Mais que uma fabricante de caminhões, a Nikola quer ser uma empresa de tecnologia de energia e, nesse sentido, está mais para uma Shell da energia verde.
Seu plano é desenvolver e alavancar a tecnologia de caminhões movidos a hidrogênio para vender exatamente o combustível em redes de reabastecimento dedicadas.
“Hoje, a BP ou a Shell chegam a faturar US$ 1 milhão com petróleo para cada caminhão vendido a diesel”, disse Milton em entrevista à CNBC. “Queremos trazer esse dinheiro para a Nikola e funcionar como um provedor dessa solução de energia.”
Enquanto os carros elétricos conseguem rodar com bateria, para os caminhões, o quebra-cabeça é mais complexo.
Para além das inúmeras dificuldades logísticas, como o tempo para recarga, as baterias para caminhões que percorrem longas distâncias seriam muito pesadas e muito grandes — um problema para uma indústria na qual o peso é inversamente proporcional à eficiência e na qual o espaço precisa estar disponível para carga.
A Nikola está trabalhando em dois modelos de caminhões: um movido a bateria elétrica para veículos que percorrem até 500 quilômetros, tipicamente aqueles que operam dentro dos limites das cidades, com caminhões de lixo ou betoneiras.
A menina dos olhos, no entanto, é um modelo voltado para distâncias superiores e que é movido a uma célula de combustível de hidrogênio. Diversas fabricantes tradicionais, como a Daimler e a Volvo, já vêm testando essa tecnologia, mas o principal empecilho, para além do custo superior ao dos motores elétricos, é a oferta de combustível.
É onde a Nikola quer entrar.
É a energia, estúpido
Para produzir o hidrogênio verde, é preciso basicamente separar o hidrogênio do oxigênio na água, em um processo super intensivo em energia renovável. Na célula de combustível dos veículos, o hidrogênio usado para gerar energia se recombina com o oxigênio, tendo a água como único resíduo.
Na prática, o hidrogênio funciona como uma bateria, já que é necessário 1,35 kWh de energia para produzir hidrogênio com capacidade de gerar 1 kWh.
“Construir essa rede de abastecimento custa muito dinheiro”, disse Milton à CNBC. “A ideia é usar a venda de caminhões para ir amortizando o custo de construção da rede e gerar a demanda.”
Ao contrário da Tesla, que controla todo o processo de produção dos seus veículos, a Nikola aposta pesadamente em parcerias com outras montadoras.
Na Europa, onde uma regulação obriga a redução de emissões de CO2 de caminhões até 2030, a companhia vai produzir seus modelos na Alemanha, em parceria com a Iveco, que tem uma participação de 7% na companhia.
A preocupação da Nikola não é com a propriedade intelectual.
“Não queremos só construir um produto que outra empresa mais capitalizada pode construir mais barato no futuro. Estamos construindo a maior rede de hidrogênio do mundo, e todo caminhão que é vendido por nossos rivais será abastecido nas nossas estações. É isso que importa. Espero que todos vendam caminhões a hidrogênio, espero que todo mundo compre e que façam mais barato que a gente”, disse Milton.
O primeiro desafio da Nikola é de fato colocar os caminhões para rodar e comercializá-los a um custo que faça sentido na comparação com os motores a diesel. A previsão é que os primeiros modelos de caminhões comecem a ser produzidos no próximo ano. A companhia tem planos ainda de lançar uma pick-up, que deve começar a ser comercializada em 2023, a colocando num segmento altamente rentável.
Mais do que isso, no entanto, seu sucesso depende essencialmente de conseguir energia limpa e barata, a principal matéria-prima para o hidrogênio verde.
De largada, as perspectivas são animadoras.
Estimativas feitas pelo UBS a partir de contratos firmados pela Nikola para suas oito primeiras estações de reabastecimento na Europa mostra que o custo para produzir hidrogênio da companhia é equivalente ao barril de petróleo na casa de US$ 45 a US$ 50, já bem próximo do valor atual da commodity.