Depois de mais de dois anos de obras, alguns atrasos e um investimento de US$ 5,7 bilhões, o plano de Elon Musk era começar a produzir Teslas em uma nova fábrica de Berlim em dezembro do ano passado.
Até agora, porém, nenhum carro saiu da linha de montagem. Vários entraves burocráticos e regulatórios foram superados, mas um deles ainda está sem solução: vai ter água suficiente para todos?
A planta, que se soma a três nos Estados Unidos e uma na China já em operação, fica na cidade de Gründheide, a cerca de 40 km de Berlim, uma das regiões mais secas da Alemanha.
Organizações ambientalistas entraram na Justiça alegando que o consumo da fábrica pode colocar em risco o suprimento de água para os moradores da região.
A “Gigafactory” da Tesla (na ilustração acima), com capacidade de produzir inicialmente até 500 mil veículos por ano, precisará de 1,4 milhão de metros cúbicos de água por ano, o equivalente ao consumo de uma cidade de 40 mil habitantes.
O fornecimento está garantido para a primeira fase de operação da planta. O problema é o que aconteceria em caso de expansão da capacidade – algo praticamente certo, dado o crescimento explosivo da Tesla.
A região de Grünheide vem sofrendo com secas há quatro anos e as projeções indicam mais ondas de calor e menos chuvas no futuro, por causa da mudança climática.
Um especialista em hidrologia ouvido pela Bloomberg disse ser “ingenuidade” acreditar que os reservatórios locais deem conta de atender a população e a nova fábrica.
O caso é emblemático de algo que costuma ser subestimado no afã para se descarbonizar a economia: qual o verdadeiro impacto ambiental – e social – de tecnologias supostamente mais verdes?
Sem graça
A controvérsia se estende há meses. No ano passado, quando questionado sobre o problema, Musk gargalhou e disse: “Tem tanta água nessa região – olhe em volta. Parece um deserto pra você? É ridículo. E chove muito.”
Mas, num relatório de impacto publicado na época em que seu fundador fez o comentário jocoso, a empresa reconhece que esse recurso natural está ameaçado pela mudança climática.
A companhia afirma que a fabricação de seus carros, incluídas as baterias, exige menos água do que a média da indústria.
Na Alemanha, por causa das estritas leis ambientais do país, o uso de água será ainda menor. A estimativa é que a fábrica europeia será cerca de 30% mais eficiente no uso de água em comparação com uma outra nova planta também prestes a começar a funcionar, em Austin (Texas).
O principal uso de água por montadoras está associado ao tratamento de superfícies e sistemas de resfriamento.
A ação movida pelos grupos ambientalistas deve ser apreciada pela Justiça na semana que vem – ou seja, existe o risco de que a inauguração da planta sofra novos adiamentos.
“Qualidade [na decisão] é mais importante que rapidez”, afirmou ao jornal Handelsblatt Benjamin Raschke, líder do Partido Verde no parlamento local.
Mas cada dia a mais de espera é um problema para a companhia, que basicamente nunca conseguiu dar conta da demanda por seus carros elétricos.
No mais recente anúncio de resultados financeiros, Musk afirmou a meta de aumentar a produção em 50% anualmente, pelos próximos vários anos. Enquanto concorrentes tradicionais ainda engatinham no mercado de veículos elétricos, a Tesla nada de braçadas. Mas essa vantagem não vai durar para sempre.
A pegada de carbono de Musk
Foram vendidos pouco menos de 1 milhão de Teslas no ano passado. Dirigir um Tesla significa status e sinaliza para o mundo “estou preocupado com o ambiente”.
De fato, os carros elétricos não têm nem sequer escapamento e, se as baterias forem carregadas de energia renovável, essencialmente não emitem mais CO2 depois que saem da fábrica.
Mas a conta é um pouco mais complicada – e começa muito antes de o carro sair da concessionária.
Pesquisadores da Universidade de Toronto fizeram para o The Wall Street Journal uma análise da pegada total de carbono de um Tesla Model 3, desde a produção das matérias-primas mais básicas.
A fabricação de um Tesla emite 65% mais CO2 que um carro tradicional equivalente, principalmente por causa da enorme bateria.
Depois de 10 mil quilômetros rodados, a diferença diminui um pouco. Além da gasolina queimada, entram na contabilidade trocas de óleo no carro a combustão.
Para o exercício, os autores levaram em conta uma rede elétrica não 100% verde. Isso significa que ainda há emissões associadas ao carregamento da bateria, mas elas são só um terço em comparação com as do combustível fóssil.
O Tesla só ultrapassa o concorrente depois da marca de 30 mil quilômetros de uso. Aí a diferença começa a aparecer.
Quando os dois carros chegam a 57 mil milhas (validade de uma garantia típica), a pegada de carbono total do Tesla fica em cerca de 16,5 toneladas, contra 19,9 do modelo a gasolina.
Só depois de 160 mil quilômetros – uma longa vida em termos automotivos –, a diferença se torna substancial: o motor a combustão terá sido responsável por quase 80% mais emissões de CO2.