Um decreto presidencial publicado na quarta-feira remove restrições à exportação de lítio pelo Brasil e tem o potencial de destravar investimentos bilionários na cadeia de suprimentos desse insumo-chave para as baterias e fundamental na transição energética do setor de transportes.
Até aqui, uma empresa só podia exportar o lítio equivalente a 10% de seus recursos minerais, ao mesmo tempo em que a venda ao exterior dependia de uma autorização expressa do governo brasileiro.
Com o novo decreto, tanto a cota quanto a anuência prévia deixam de existir, eliminando um risco que sempre pairou sobre as decisões de investimento na cadeia do lítio no país.
“O decreto tem uma importância estratégica. O Brasil ainda está fora do mapa mundial da produção de lítio e agora a indústria deve ganhar uma atratividade maior”, diz Marcelo Barros, analista de commodities da JGP. A gestora do Rio é investidora da Sigma Lithium, a maior mineradora de lítio do país.
Ana Cabral-Gardner, co-CEO da Sigma, faz coro: “Esse decreto pode destravar um tsunami de investimentos em toda a cadeia do lítio no Brasil”.
Até chegar a uma bateria, o lítio passa por uma série de etapas de processamento – começando na mineração e terminando na indústria química. Na avaliação de Cabral-Gardner, com o novo decreto o país pode passar a receber investimentos tanto para o upstream (mineração) quanto para o downstream (indústria química) da cadeia.
Estima-se que até aqui o Brasil tenha visto cerca de R$ 2 bilhões em investimentos para a mineração de lítio. Na vizinha Argentina, que não tem as mesmas amarras à exportação que vigoravam aqui até agora, a cifra registrada nos últimos anos já supera os R$ 70 bi. Ao divulgar o decreto, o governo brasileiro estimou em R$ 15 bilhões os investimentos que podem ser feitos apenas até 2030.
A origem e os efeitos da cota do lítio
Desde 1962, o lítio era enquadrado no Brasil como um minério de interesse nuclear, junto com o urânio. Isso porque, no passado, usinas nucleares usavam um composto de lítio para resfriar os reatores, tecnologia que se tornou ultrapassada há décadas.
Por conta desse status ‘estratégico’, foram criadas as restrições à sua exportação – apesar de o minério ser irrelevante para o segmento de energia nuclear há muito tempo e ter assumido papel-chave na corrida da eletrificação.
Pela regra antiga, qualquer empresa que fosse atuar em algum elo da cadeia do lítio precisava obrigatoriamente estar também na ponta da mineração para poder comprovar que suas exportações (de qualquer derivado) equivaliam a apenas 10% dos seus recursos minerais.
(Tecla SAP: Grosso modo, pode-se dizer que os chamados ‘recursos minerais’ são a medida mais ampla do ‘estoque’ de minério que uma empresa estima ter. A partir desse cálculo dos recursos em suas concessões minerais, a empresa ainda precisa fazer estudos de viabilidade econômica para, então, saber quais são suas reservas, ou seja, aquilo que pode ser efetivamente extraído).
No caso da Sigma, especificamente, a empresa calculava que a cota não seria um problema para suas exportações pelo menos até 2040. Isso porque a empresa dispõe de 27 concessões minerais e 9 minas e atualmente está desenvolvendo a primeira delas, com expectativa de começar a produzir em escala comercial no começo de 2023.
Mas, para outras mineradoras que não dispusessem de tantos recursos ou para indústrias químicas, o limite de exportação sempre foi um problema.
A partir de agora, cada atividade da cadeia poderá ser exercida livremente, sem estar atrelada à posse dos recursos minerais.
“O decreto desengessa a dinâmica do setor e permite que indústrias inteiras possam se instalar aqui. Permite, inclusive, que surjam outras Sigmas”, diz Ana Cabral-Gardner.
Novos investimentos
Mesmo com as restrições, alguns investimentos vinham acontecendo aqui e ali.
Além da Sigma, a Latin Resources tem projetos de mineração de lítio em Minas Gerais. Nesta semana, a Oceana Lithium fez uma IPO na bolsa da Austrália e levantou US$ 4,1 milhões em parte para investir em um projeto no Ceará.