Concessão de estrada, porto e ferrovia deve ter meta de descarbonização, propõem Rumo, CCR e Cia

Medida integra sugestões para transição da infraestrutura logística, elaboradas pelo MoveInfra, que reúne grandes empresas

Concessão de porto, rodovia e ferrovia deve ter meta de descarbonização, dizem empresas do setor
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Os novos contratos de concessão de infraestrutura de transporte no Brasil deveriam vir acompanhados de metas obrigatórias de redução de emissão de carbono. O mesmo poderia valer para contratos já existentes, dadas algumas condições. 

Essa é uma das sugestões de políticas públicas feitas por seis das maiores empresas dos segmentos de ferrovias, rodovias, hidrovias e portos do país, com o objetivo de acelerar a descarbonização do setor.

A sugestão faz parte de estudo encomendado pela MoveInfra, associação fundada há dois anos e que reúne CCR, Ecorodovias, Hidrovias do Brasil, Rumo, Santos Brasil e Ultracargo Logística, todas listadas na B3. O documento foi elaborado pelo escritório de advocacia BMA, que fez um diagnóstico do arcabouço legal e regulatório existente e, a partir dele, trabalhou propostas de aproveitamento e melhoria.

Para isso, foram analisadas as políticas dos ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente, além de outras pastas setoriais e também das agências reguladoras.

“O governo tem apetite e iniciativa para descarbonizar a economia, mas falta o setor privado ser mais propositivo. Até para entender o que que dá para fazer e poder dizer para o governo ‘olha, por esse caminho não vai dar, mas por esse outro eu consigo”, diz Natália Marcassa, CEO do Move Infra. Um segundo estudo, diz ela, deverá focar nas ações necessárias para adaptação dos equipamentos à mudança climática.

“Começamos pela descarbonização porque achamos que o debate está um pouco mais avançado do que adaptação.”

O sistema de transportes no Brasil respondeu por 16% das emissões de gases de efeito-estufa do país em 2022. E, embora não seja considerado prioritário para mitigação das emissões brasileiras, é sabidamente crítico quando se pensa na matriz energética do país, que inclui eletricidade, aquecimento e transporte. 

Enquanto a matriz elétrica tem 84% de fontes renováveis e limpas, na energética, por conta dos combustíveis fósseis, o percentual cai a 47% – ainda elevado para padrões mundiais.

Marcassa explica que o estudo se divide em três eixos: políticas públicas relacionadas à agenda climática, dispositivos regulatórios do setor de infraestrutura logística e mecanismos de financiamento.

A seguir, algumas das principais propostas em cada um deles:

Políticas públicas: ‘first things first’

Nessa frente, boa parte das propostas tem como objetivo contribuir com o novo Plano Clima, que servirá como guia da política climática brasileira de 2024 a 2035 e está em elaboração pelo governo.

A primeira delas é para que todas as concessionárias tenham que fazer o inventário de carbono, tanto das emissões diretas quanto da cadeia de valor, para conhecer sua pegada e dar transparência a ela. 

“Somos empresas listadas na bolsa e todas têm inventário das emissões de carbono. Mas analisamos o universo de infraestrutura e vimos, por exemplo, que 70% dos terminais portuários não divulgam inventário. Pensamos: first things first”, diz a executiva.

Aqui também entra a sugestão para adoção de metas de descarbonização nos novos contratos de concessão (projetos greenfield); e de inclusão em contratos vigentes que passam por ajustes para ampliação ou melhoria dos serviços.

Outras duas ideias são para estipulação de “métricas progressivas para contratação sustentável na cadeia de fornecimento e uso de materiais sustentáveis” e também estímulos ao uso de combustíveis de baixo carbono e energia renovável pelos concessionários.

Para prover o setor de infraestrutura logística com serviços e bens “verdes”, o estudo indica vincular os benefícios do plano de neoindustrialização do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) a esses atributos.

O estudo sugere ainda que sejam criadas políticas para incentivar o reflorestamento de mata nativa em áreas de rodovias e portos, com a possibilidade de uso dos créditos de carbono gerados para compensação das emissões das próprias concessionárias.

Regulação

Na frente regulatória, no caso de novos contratos de concessão, são feitas algumas sugestões de incentivos à adoção de medidas de descarbonização: retenção ou vinculação de parte da outorga paga ao governo para que a concessionária faça investimentos em descarbonização; descontos progressivos no valor da outorga atrelados a um plano de descarbonização; e incentivos tarifários para os usuários dos serviços.

“Poderia ser concedido desconto no pedágio de rodovias para veículos menos poluentes” exemplifica Marcassa.

Outra ideia seria que medidas de descarbonização fossem adotadas como critério de desempate em licitações de novos contratos.

Já para contratos em andamento, o estudo menciona a possibilidade de o poder público incluir novas exigências pró-descarbonização, desde que venham acompanhadas de ajustes que garantam o reequilíbrio econômico-financeiro em caso de necessidade de mais investimentos. 

“A Agência Nacional de Transporte Terrestre já começou a olhar isso, fez uma primeira tomada de subsídios e agora abriu consulta pública com uma minuta de resolução”, diz a executiva. Segundo ela, a entidade fez sugestões no sentido de usar uma parte da outorga para cobrir os custos das concessionárias. 

Sobre a dificuldade de se transferir a fatura dos investimentos para o governo diante da necessidade de arrecadação para fechar as contas públicas, ela diz que será necessário fazer escolhas. “Qual é a prioridade? Essa é uma discussão que a gente vai ter que ter no Brasil. Quando se fala na agenda de descarbonização, tudo custa. Quando começarmos a falar de adaptação da infraestrutura, será mais caro ainda. Isso terá que ser pensado como política pública.”

Financiamento climático

Quando se trata de pagar a conta, o diagnóstico é que a escassez de recursos impera e merece atenção especial. 

“Precisamos começar a ter dinheiro relevante para financiar a transição. As debêntures incentivadas, no ano passado, levantaram R$ 60 bilhões só para o nosso setor. E o Fundo Clima tem R$ 10 bilhões para tudo. É muito pouco”, diz Marcassa.

Além disso, a leitura é que a aplicação dos recursos do fundo não contempla os setores rodoviário e portuário e, no caso do ferroviário, limita-se a soluções de eletrificação – algo pouco viável no caso brasileiro, em que são transportadas cargas pesadas, como minério de ferro e grãos, e por longas distâncias. “Há várias outras formas de descarbonizar o setor além da eletrificação.”

O estudo deposita grande expectativa em relação ao programa Eco Invest, lançado pelo Ministério da Fazenda, com apoio do BID, para destravar financiamento internacional para a agenda verde brasileira. “Precisamos ver quais setores serão contemplados, porque isso ainda não foi divulgado.”

Para acessar bolsos locais, Marcassa diz que as novas debêntures de infraestrutura, que oferecem benefício fiscal para o emissor dos títulos, mas que ainda precisam ser regulamentadas pelos respectivos ministérios, também têm potencial de se converter em importante fonte de financiamento da descarbonização. “Se o processo não ficar muito burocrático e caro, tem apetite de mercado para isso.”

O Move Infra pretende, ainda, fazer sugestões ao desenvolvimento da taxonomia sustentável, coordenada pelo Ministério da Fazenda. “Em tese, todas as políticas de financiamento verde terão que seguir a taxonomia sustentável. Então, estamos vendo como contribuir, porque ela será um guarda-chuva para todas as políticas de descarbonização”, diz ela.