
A formação de economista e a experiência em finanças servem bem a Arthur Bongiorno no trabalho atual, como motorista de aplicativo em São Paulo. Cada nova oferta de corrida envolve pelo menos dez variáveis e ele precisa tomar decisões sobre o que compensa ou não o tempo todo.
Não acerta todas, mas está feliz com algumas – como adotar um carro elétrico, alugado, e instalar o carregador em casa, com apoio da 99. “Se tudo ficar como está, é a melhor opção para mim. Posso até avaliar comprar um elétrico, mas voltar para o carro a combustão, jamais”, afirma.
Bongiorno faz parte de um grupo que cresce rapidamente, com apoio financeiro dos aplicativos de transporte, como 99 e Uber. Motoristas “influenciadores”, como Fernando Floripa (canal no Youtube com 512 mil inscritos), Guto Machado (176 mil inscritos) e Claudião (163 mil inscritos), já publicaram alguns vídeos explicando por que consideram bom negócio usar um modelo elétrico.
Mas o debate quente (e nem sempre cordial) nos comentários dos post reflete o quanto várias questões ainda seguem em aberto. Muitos motoristas duvidam dos argumentos pró-elétricos. O histórico relativamente curto do produto no mercado aumenta a desconfiança dos potenciais usuários – sobre valor de revenda, durabilidade de bateria, custo de manutenção, tempo perdido nas recargas e liberdade para decidir trajetos, entre outras.
Subsídios para a expansão
A 99 criou em 2022 a Aliança pela Mobilidade Sustentável, que conta hoje com 23 parceiros. Thiago Hipolito, diretor de inovação na 99, lista algumas das frentes de atuação da empresa, sozinha ou por meio da Aliança, para convencer motoristas a fazer a transição: subsídios para locação de elétricos, apoio para instalação de carregadores residenciais, pagamento maior ao motorista na categoria elétrica e de luxo 99electric-Pro e expansão da rede de recarga. Em três anos de atuação, a Aliança investiu mais de R$ 330 milhões nesta transição.
A 99 tem hoje 1,5 milhão de carros cadastrados no Brasil, dos quais apenas 19 mil (1,3%) são eletrificados – ou seja, elétricos ou híbridos. Esse número forma uma parcela mais relevante (4%) dos 503 mil eletrificados vendidos no país desde 2012, pelos dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
A empresa também tem motos elétricas disponíveis no aplicativo – 300 delas estarão em Belém para a COP30. A meta da 99 para o fim de 2025 é que os carros eletrificados cheguem a 20 mil na plataforma – um avanço lento – e correspondam a 5% dos veículos novos comprados pelos motoristas parceiros.
Outra meta é que haja 10 mil motos elétricas na plataforma, um passo importante também para enfrentar a poluição sonora nas cidades. A Didi, empresa-mãe da 99, opera em 18 países e na China ela apresenta um resultado impressionante. Por lá, atualmente veículos elétricos respondem por 70% da quilometragem total percorrida pelos motoristas parceiros.
Já o Uber não divulga ainda quantos condutores de elétricos se cadastraram em sua plataforma no Brasil, mas tem 230 mil desses motoristas no mundo. O número global cresceu 60% desde o ano passado e 280% desde 2022, quando Bongiorno experimentou veículo elétrico pela primeira vez, como motorista de Uber.
Naquele ano, o aplicativo fazia testes iniciais no Brasil para o Uber Green, serviço com carros elétricos e híbridos. A estreia ocorreu nos Estados Unidos em 2020 e no Brasil, primeiro em São Paulo, em agosto de 2024.
Test drive pro futuro
Mesmo para quem não usa aplicativos de transporte, esse movimento tem relevância, por diferentes motivos. Um carro prestando serviço por aplicativos roda 45 vezes mais que a média e, se tiver motor a combustão, gera as equivalentes emissões de gases poluentes e de ruído, com consequências na saúde pública, no ambiente urbano e na crise climática. Além disso, como usuários ultraintensivos de automóveis, eles podem ajudar a oferecer as respostas sobre o que acontece com os elétricos depois de certo desgaste.
Hipolito, da 99, enxerga nos motoristas o potencial para acelerar a transição na sociedade inteira. “Os motoristas parceiros atuam como a ponta de lança da expansão. Ao optar por elétricos, eles reduzem seus custos operacionais”, diz o diretor de inovação. “Esse crescimento na adoção cria um ciclo virtuoso, impulsiona a demanda e, consequentemente, a expansão da infraestrutura e da eletrificação para toda a população – um modelo de sucesso já observado na China.”
O Uber, desde que criou o serviço Green, vem combinando, em cada país ou cidade, diferentes incentivos aos motoristas para que adotem modelos elétricos, incluindo maior pagamento, desconto na compra do veículo ou na recarga.
O investimento global passou este ano dos US$ 800 milhões. Os descontos em veículos elétricos resultam de acordos com as montadoras chinesas BYD (uma parceria mundial que inclui o Brasil) e JAC (uma parceria específica no Brasil, com o modelo E-JS1, 100% elétrico).
No caso da JAC, motoristas do Uber conseguem acesso a descontos de 10% a 12% na compra, desconto de 25% nas revisões programadas e prioridade no atendimento em manutenções periódicas. Ao comprar o carro, eles ganham um kit com um carregador portátil para uso em tomadas convencionais e um wallbox, carregador mais rápido, seguro e com funções programáveis.
A adoção pelos motoristas tem sido rápida, mas não o suficiente para colocar a empresa no rumo da principal meta definida em 2020, de se tornar uma plataforma sem emissões de carbono até 2040.
No ano passado, Dara Khosrowshahi, CEO global do Uber, ainda acreditava que seria possível atingir o objetivo já em 2030, na Europa e nos Estados Unidos. Mas alertava para alguns obstáculos. “Precisamos de mais veículos elétricos financeiramente acessíveis e de maior rede de recarga, se quisermos que essa mudança aconteça”, afirmou, ao passar por São Paulo, no aniversário de dez anos de atividades no país. “Estamos fazendo o que podemos, mas precisamos de ajuda de governos e de políticas públicas.”
Rebecca Tinucci, anunciada há duas semanas CEO do Uber Freight, braço de transporte de carga do Uber, quando ainda era diretora global de eletrificação e sustentabilidade da companhia afirmou que a empresa não está no rumo desejado.
“Ainda há grandes barreiras para atingirmos nossas metas. Os altos custos iniciais dos veículos elétricos, o acesso limitado à recarga e o apoio inconsistente nas políticas continuam atrasando a adoção”, afirmou a executiva, no relatório de sustentabilidade publicado em maio. “Com base nas tendências atuais, não podemos cumprir as metas restantes de mobilidade e entrega para 2025. Nossas metas para 2030 estarão fora de alcance sem uma ação coordenada mais forte entre o governo e o setor.”
Panorama global e meta de emissões
Os objetivos incluíam encerrar 2025 com carros elétricos respondendo por 50% da quilometragem percorrida no transporte de passageiros num conjunto de sete capitais europeias e 100% em Londres e Amsterdã. Até o relatório de maio, a companhia havia conseguido que os elétricos respondessem por 15% da quilometragem na Europa e 30% em Londres e Amsterdã. Outra meta era que os elétricos respondessem por 100% da quilometragem nos Estados Unidos e no Canadá até 2030. Essa parcela está em apenas 10%.
Os motoristas de aplicativos abraçarem ou não a transição afeta um quadro maior. A substituição de veículos a combustão por modelos elétricos e híbridos no transporte urbano, além tornar as grandes cidades mais habitáveis, contribui com o enfrentamento da crise climática. Um dos cenários para a humanidade chegar ao estado de net zero em carbono em 2050, desenhado pela Agência Internacional de Energia (AIE), exige que até 2035 os modelos elétricos respondam por mais de 95% das vendas de novos veículos leves – carros, vans e motocicletas.
A China está a caminho de atingir 80% em 2030, mas o resto do mundo ficou para trás. Em seu relatório de 2025, a AIE informa que se multiplicaram as dúvidas a respeito dessa trajetória, por causa de tarifas sobre carros e baterias, preços em queda de derivados de petróleo e crescimento econômico incerto em vários grandes mercados. Tudo isso só torna mais preciosa, neste momento, uma forcinha dos aplicativos pela transição.