O transporte marítimo será o primeiro setor a ter, globalmente, limites obrigatórios de emissão de gases de efeito estufa e um preço para elas.
Estados-membros da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), agência das Nações Unidas (ONU), chegaram a um acordo nesta sexta-feira (11), que estabelece metas de descarbonizaçãoe um sistema de comércio de emissões.
Hoje, o setor é responsável por 3% das emissões globais de carbono.
O acordo estabelece medidas que devem entrar em vigor em 2027 e são juridicamente vinculantes. Elas serão obrigatórias para grandes navios oceânicos com volume bruto superior a 5 mil toneladas, responsáveis por 85% do total de emissões do transporte marítimo internacional, segundo a IMO.
As medidas definem que os navios devem reduzir, ano a ano, sua intensidade de emissão. Para isso, um novo padrão de combustível deve ser usado, com todos os navios adotando, a partir de 2028, uma mistura de combustíveis com menor pegada de carbono.
Foram estabelecidas duas bandas com objetivos de redução de emissões, com penalidades diferentes.
A primeira meta, mais branda, exige que os navios diminuam a emissão de CO2 em 4% até 2028, em comparação a 2008. A exigência aumenta para 8% até 2030. Quem descumprir a meta, deverá pagar US$ 380 por tonelada acima do permitido. A segunda meta, mais rigorosa, é de redução de 17% até 2008 e 21% até 2030, com valor de US$ 100 por tonelada acima do permitido.
Ou seja, na meta de 2028, se um navio reduziu abaixo de 4%, ele pagará o valor mais alto por tonelada. Com redução entre 4% e 17%, ele pagará um valor mais baixo pela tonelada de CO2.
Ambos os preços são válidos apenas para o período de 2028 a 2030, com valores futuros a serem definidos posteriormente. Segundo o Financial Times, os valores são mais altos do que os cobrados pela União Europeia a grandes empresas poluidoras, de 62 euros, hoje o maior esquema de pagamentos obrigatórios de carbono do mundo.
O acordo do setor marítimo estabelece um sistema de comercialização de “créditos” de emissão, o que chama de “unidade corretiva”. Navios que emitirem acima dos limites terão que adquirir o saldo excedente de navios que atingirem redução de emissões acima do volume obrigatório, em um esquema de recompensas financeiras.
Foram definidos outros dois tipos de conformidade. A empresa de navios pode utilizar “créditos” excedentes que ela próprio acumulou ou adquirir unidades corretivas por meio de contribuições ao Fundo Net-Zero da IMO.
Os valores arrecadados vão alimentar esse fundo, que terá como objetivo financiar tecnologias de baixo carbono. Hoje, navios de grande porte usam principalmente um combustível fóssil derivado de petróleo.
O novo sistema, batizado de IMO Net-Zero Framework, está em discussão desde 2023, quando os países-membros, incluindo o Brasil, assumiram o compromisso de levar a cadeia de transportes marítimos ao net zero até 2050.
“A aprovação das propostas, que tornam obrigatória a estrutura de emissões líquidas zero da IMO, representa um passo significativo em nossos esforços coletivos para combater as mudanças climáticas”, disse secretário-geral da agência da ONU, Arsenio Dominguez, no encerramento da reunião. “
Agora, é importante continuar trabalhando juntos, dialogando e ouvindo uns aos outros, se quisermos criar as condições para uma adoção bem-sucedida.”
Ameaças dos EUA
Com 108 países signatários, cobrindo 97% da frota de navios mercantes, a IMO aprovou o acordo em sua 83ª sessão, que ocorreu de 7 a 11 de abril, em Londres. O resultado da votação foi 63 membros a favor, 16 contra e 24 se abstiveram.
Os Estados Unidos, que saíram recentemente do Acordo de Paris, permanecem na organização, mas se retiraram das discussões com ameaças de retaliação. Documento obtido pelo Financial Times mostra que o governo de Donald Trump pretende adotar “medidas recíprocas” contra quaisquer taxas impostas aos seus navios caso as novas normas sejam aprovadas.
As metas ainda precisam de uma aprovação final pelos países-membros, prevista para ser votada em outubro deste ano, em reunião protocolar da IMO.
A gigante do transporte marítimo AP Moller-Maersk disse em comunicado que o acordo é “um passo importante em direção à primeira estrutura global de preços de gases de efeito estufa para qualquer setor”. Durante as negociações do acordo, porém, a empresa alertou que o objetivo do acordo de corrigir a diferença de preço entre combustíveis fósseis e energia verde apenas incentivariam o uso de GNL no setor.
Como parte de um acordo anterior para atingir o net zero, os estados-membros da IMO concordaram em reduzir as emissões anuais do setor em pelo menos 20% até 2030. O alvo, porém, não é considerado factível pela organização não-governamental Clean Shipping Coalition.
A ONG criticou as metas definidas nesta sexta, afirmando que elas não são duras o suficiente, pois na prática devem manter as emissões como estão até 2028. “Quanto maior o atraso para concluir a transição energética marítima para zero emissões, mais caro ele se torna”, diz a organização em nota.