Maior produtora de energia eólica do Brasil, a Bahia pode ser a fonte de mais uma solução para irrigar o mundo de energia renovável — desta vez, a centenas de metros abaixo da superfície do solo.
É o que aposta a Largo Resources, uma mineradora sediada no Canadá e que explora vanádio no município de Maracás, a cerca de 300 quilômetros a sudoeste de Salvador.
Tradicionalmente usado pela indústria siderúrgica para dar mais resistência ao aço, o metal de cor prateada vem despontando como uma das principais apostas para armazenamento de energia em larga escala — o que permitiria o avanço de fontes solar e eólica.
Dependentes da insolação ou da força dos ventos, a geração a partir dessas fontes é intermitente. Hoje, para garantir a segurança de abastecimento, a maior parte dos países ainda depende muito de energia termelétrica a partir de combustíveis fósseis — acionáveis a qualquer momento — para garantir que não falte energia, especialmente nos momentos de pico.
As baterias de armazenamento em larga escala são, portanto, uma peça-chave no quebra-cabeça da transição energética para fontes livres de carbono.
Responsável por 7% da produção de vanádio do mundo a partir da Vanádio de Maracás, a Largo Resources decidiu entrar de cabeça na produção de baterias.
Em dezembro, comprou 12 patentes de baterias de vanádio da americana VionX Energy, que trabalha em soluções de armazenagem de energia há quase duas décadas, e criou uma nova divisão, a Largo Clean Energy, voltada apenas para o negócio de baterias.
A nova companhia, sediada em Boston, já apresentou proposta de fornecimento de duas baterias, de 1 MW e 1,1 MW, com previsão de entrega em 2022, e está terminando de fazer os últimos ajustes para a produção em escala comercial, o que deve acontecer nos próximos seis meses, conta Paulo Misk, CEO da Largo Resources.
“Vai ser o início do que a gente está validando para serem as mega baterias do futuro”, disse o executivo mineiro, com mais de 25 anos no setor e passagens por Anglo American e Magnesita, em entrevista ao Reset. “É um mercado específico, que vai crescer demais e que pode mudar completamente a cara do nosso negócio nos próximos anos”.
Em meio ao compromisso de empresas e nações signatárias do Acordo de Paris de zerarem as emissões líquidas de gás carbônico, o mercado de baterias de longa duração deve crescer oito vezes até 2025, chegando a US$ 16 bilhões em todo o mundo, de acordo com projeções da consultoria Wood Mackenzie.
A transformação da Largo deve se refletir na bolsa de valores.
Listada em Toronto, a bolsa mais tradicional para empresas de mineração, na qual é avaliada em pouco mais de US$ 1 bilhão, a Largo chamou uma assembleia de acionistas para o dia 1º de março com vistas a uma listagem “em uma bolsa americana” — muito provavelmente a Nasdaq, destino das empresas de tecnologia, diz Misk.
A mineradora começou a explorar vanádio no Brasil em 2014, após levantar capital com investidores canadenses e americanos e alavancada em financiamento de bancos como BNDES, Itaú e Votorantim, que já foram quitados.
Dona da única mina de vanádio das Américas, a companhia se especializou no metal de alta pureza, vendido com prêmio no mercado para as indústrias química e aeroespacial. Nos nove primeiros meses de 2020, o faturamento foi de US$ 77 milhões.
Atualmente, o maior acionista é a Aria Resources, uma firma de private equity de Miami focada em investimentos em mineração na América Latina e que tem 47% do capital.
Por dentro da bateria
As baterias mais conhecidas são as de íons de lítio, que abastecem desde celulares até carros elétricos — mas, em linhas gerais, elas são utilizadas para períodos mais curtos. Já as baterias de vanádio são capazes de armazenar energia em grandes quantidades, para uso acima de quatro horas, podendo chegar a mais de 12.
Além do tempo de armazenamento, outro diferencial em relação a outras tecnologias é que o material é totalmente reciclável, aponta Misk.
Uma bateria de lítio tem vida útil de cerca de sete anos, e ao fim desse processo, menos da metade do lítio é recuperado. Já a bateria de vanádio tem uma vida útil de mais de 20 anos, ao fim dos quais apenas as partes mecânicas, como tanques e bombas, precisam ser trocados. Mas o vanádio pode ser integralmente aproveitado.
“Você usa, troca a casca e o material em si continua sendo capaz de armazenar energia indefinidamente”, resume.
Viabilizando o mercado
Com a tecnologia há cerca de uma década no mercado, já há algumas empresas no mundo produzindo baterias de vanádio. Mas a Largo aposta na sua cadeia verticalizada como diferencial.
“O vanádio tem uma volatilidade de preços muito grande, por isso, fazer compromisso para dois, três anos é quase impossível”, diz Misk. “Esse é um dos motivos pelos quais as empresas [que fabricam as baterias] têm dificuldade de crescer e acontecer.”
Hoje, a China é disparado a maior produtora de vanádio do mundo, seguida por Rússia, África do Sul e Austrália. O Brasil vem em seguida.
Com toda a produção concentrada na planta de Maracás — a única das Américas —, a companhia tem capacidade para atender a demanda por vanádio no curto e médio prazos. A duração das reservas, de acordo com documentos regulatórios, é de cerca de oito anos.
Nesse sentido, o mercado de baterias é uma alavanca importante para garantir a expansão sustentada.
“No mercado de aço voltado para a indústria aeroespacial, se eu duplicar minha produção na Bahia, causo excesso de oferta e o preço cai. Já com o mercado de armazenamento de energia, isso não acontece, porque ele é enorme.”
Além da mina em operação numa área de 300 hectares, a Largo Resources tem uma faixa geológica de 40 quilômetros para exploração na Bahia. O material é beneficiado em uma indústria associada à planta, que tem ao todo cerca de mil funcionários.
A mineração é feita buscando o menor impacto ambiental possível, diz Misk.
“Nós não jogamos uma gota de efluente no meio ambiente. Não temos barragens, temos bacias e todas são revestidas. Metade dos nossos rejeitos é filtrada e estocada a seco e 94% da nossa água é reutilizada. Só não é 100% porque evapora, não tem jeito”, diz.
Além do Acordo de Paris
A grande alavanca de demanda para o mercado vem das políticas de governo assumidas pelo Green Deal europeu e de estados americanos, como a Califórnia, que devem ganhar ainda mais ímpeto com a eleição de Joe Biden.
Mas já há outros usos mais imediatos para a bateria de vanádio, aponta o CEO.
O primeiro deles é para projetos em comunidades isoladas, como empresas no norte do Chile e na Austrália, que usam óleo diesel como fonte de energia. “Nesse caso, se instalarmos painéis solares mais bateria, o custo é de cerca de 35% daquele incorrido com diesel, ou seja, é extremamente competitivo”, diz.
O mesmo raciocínio vale para sistemas isolados da região Norte do país, que têm um custo altíssimo com combustíveis fósseis, como diesel e óleo combustível.
Outra aplicação imediata é em fazendas solares que estão dentro do sistema de geração distribuída — ou seja, que são capazes de produzir energia própria e injetá-la no sistema de distribuição.
Nesse caso, as baterias podem armazenar a energia excedente gerada em momentos em maior insolação, como no meio do dia, e vendê-la ao sistema em momentos de pico de demanda.
(Atualizado em 24/fev para corrigir uma informação: Diferentemente do publicado na versão original, a Largo Clean Energy ainda não tem pedidos confirmados para duas baterias. A companhia apresentou propostas de venda, ainda pendentes de aprovação.)