Um novo programa de créditos de carbono nascido no Oriente Médio despontou como uma alternativa à emissão desses títulos por projetos de energia eólica e solar – que há anos não são mais aceitos pelos padrões mais consagrados no mercado voluntário, como o Verra e o Gold Standard.
Lançado em 2019 e com base no Catar — onde vai ser usado para compensar as emissões relacionadas à Copa do Mundo —, o Global Carbon Council (GCC) ainda tem apenas 150 mil toneladas de créditos de carbono efetivamente emitidas, mas uma fila de quase 1.500 projetos cadastrados à espera de avaliação.
Desses, 38 projetos têm origem no Brasil, segundo informações do próprio GCC.
Entre os que passaram por um pente fino inicial e já estão em fase de consulta pública, estão cinco pedidos. O maior deles é o apresentado pela Omega Energia, que submeteu dois projetos para gerar quase 1 milhão de créditos de carbono por ano em seus complexos eólicos Delta, no Piauí e no Maranhão, e Assuruá, na Bahia.
A 2W, que vende energia eólica para clientes de médio porte, também registrou seu projeto eólica de Anemus II, pleiteando a emissão de 273 mil créditos anuais.
Para pedir a emissão de créditos retroativos de projetos em operação desde 2016, o prazo de solicitação de cadastro se encerrou em 5 de julho — o que gerou uma corrida por parte dos desenvolvedores.
A Future Carbon foi uma das principais desenvolvedoras a apostar no padrão.
Ao todo, a empresa tem 20 projetos em validação, capazes de gerar 70 milhões de toneladas de carbono.
“Essa região faz as coisas de maneira estruturada e muito bem pensada. O GCC tem uma boa perspectiva de liquidez, os países têm uma natureza de óleo e gás, de empresas que estão buscando compensações”, aponta Rafael Borgheresi, head de energia da Future Carbon.
Segundo ele, liquidez é um dos pilares buscados quando se avalia um novo programa de créditos de carbono. Os outros dois são gente boa e qualificada e governança forte. “Eles cumprem esses três pontos.”
No ano passado, o GCC ganhou o aval para integrar o Corsia, programa de compensação de emissões da aviação internacional, que conta com a chancela da ONU – o que foi considerado um selo de qualidade do novo padrão.
De Kyoto ao Catar
Projetos de energia eólica e solar foram um dos principais emissores de créditos de carbono na primeira perna desse mercado, o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), estabelecido pelo Protocolo de Kyoto em 2005.
E esses títulos representaram um bom incentivo para a adoção das tecnologias – tornando-se uma linha de receitas relevante nesses negócios e ajudando a fechar as contas para botá-los de pé.
Hoje, com mais escala e o consequente barateamento desse tipo de instalação, os principais programas de certificação e custódia do mercado voluntário não aceitam mais projetos desse tipo.
A interpretação é que a energia eólica e solar já não atendem mais ao critério de adicionalidade, isto é, não precisam mais do incentivo econômico dos créditos para se viabilizar – e portanto, não deveriam ser usados para compensar emissões.
Desde 2019, o Verra e o Gold Standard já não aceitam mais a submissão de projetos eólicos e solares, com exceções sendo feitas para países menos desenvolvidos economicamente, como algumas regiões da África.
O GCC não tem essa proibição.
“É complicado dizer que um tipo específico de projeto não tem adicionalidade”, afirma Borgheresi, da Future Carbon. “Tenho casos concretos na mesa de projetos de energia eólica que, se o preço no mercado de carbono estivesse maior, já teriam saído do papel.”
Incertezas
Fato é que, até agora, ninguém sabe qual vai ser a régua do GCC para aceitar esses projetos. Até agora, apenas 150 mil créditos de carbono, de dois projetos – um eólico na Turquia e de uma hidrelétrica na Índia — foram aprovados.
Em meio a um interesse maior que o esperado pela emissão de créditos, o programa tem encontrado dificuldade em dar vazão na velocidade necessária.
Mas, em resposta ao Reset, representantes do GCC disseram que já têm 35 experts para avaliação dos projetos e que preveem a emissão de 20 milhões de toneladas de carbono no horizonte de seis meses a um ano.
“Somos um programa relativamente novo, e leva tempo para os stakeholders entenderem completamente as regras. Temos enviado muitas perguntas aos donos dos projetos para assegurar que eles atendem a nossos requisitos”, disse o GCC em nota à reportagem.
“Estamos fazendo nossa parte para assegurar de maneira diligente que cada tonelada de carbono que emitimos atenda aos padrões mais altos de integridade.”
Outra grande questão é se vai haver demanda pelos os créditos – e a que preço. Hoje, os créditos de energia renovável são negociados a desconto no mercado em relação a soluções baseadas na natureza, como projetos de desmatamento evitado (REDD).
Em entrevista ao Reset no fim de julho, o diretor de comercialização da Auren Energia, maior emissora de créditos de eólicas no padrão da Verra, disse que estudava entrar no GCC.
“Estamos estudando, até porque a gente tem novos parques eólicos para eventualmente certificar lá”, disse Cadena. “Mas, mesmo que os projetos sejam aceitos, tem que ver se vai ter mercado para um novo tipo de padrão.”