Shell leva versão adocicada da transição energética ao horário nobre da TV

Petroleira investe R$ 40 mi em mininovela; movimento global busca, na cultura pop, meios de polir a imagem do setor de petróleo e gás

Shell leva mini novela sobre transição energética ao horário nobre da TV
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Quem sintonizou a TV na novela das nove esta semana ganhou de brinde uma outra trama nos intervalos. 

A protagonista Laura descobre que está grávida pela primeira vez e passa a refletir sobre o futuro que seu filho terá no planeta. Ato contínuo, propõe ao marido, Bruno, que reduzam o uso de água, de energia e plástico. Ao que ele responde: “Tá bom. Mas não vai dar para mudar tudo de uma hora para outra. Vai ter que rolar uma transição primeiro.”

Por trás da produção estão a Shell Brasil e sua co-controlada Raízen, que decidiram apostar numa campanha publicitária em formato de mininovela para tratar de forma acessível um tema para lá de complexo e controverso: o da transição energética

A ação da petroleira no Brasil não é um caso isolado. 

Conforme crescem as críticas sobre o papel das produtoras de óleo e gás no agravamento da crise climática, empresas do setor ao redor do mundo têm buscado contornar a crise de imagem e levar a sua versão de como a transição deve se dar em formato palatável para o grande público. 

Transmitida na Globo, a mininovela da Shell foi batizada de ‘Caminhos do Amanhã’ e é protagonizada por Sophia Abrahão (Laura) e Sérgio Malheiros (Bruno), atores que formam um casal também na vida real e conhecidos pelo público. O quinto e último episódio vai ao ar nesta noite.

A produção tenta educar a audiência sobre as rotas de descarbonização da mobilidade urbana, algo que interessa diretamente à Shell e à Raízen. O texto menciona que o etanol emite pouco carbono e a protagonista manifesta o desejo de ter um carro elétrico no futuro.

“O plano, que é inovador no segmento da Shell, está sendo desdobrado em todas as etapas da campanha com 14 influenciadores que produzem conteúdos para Instagram e TikTok”, diz Glauco Paiva, gerente executivo de comunicação e responsabilidade social da Shell Brasil, por e-mail. 

Os idealizadores estimam que a audiência deva superar 40 milhões de seguidores nas duas redes sociais – bem mais que os 55 mil seguidores que a Shell Brasil acumulou desde o ano passado, quando chegou ao Instagram. 

Só a página de fofoca ‘Choquei’, uma das que integra a campanha, é seguida por mais de 20 milhões de contas. Além das estrelas da mininovela, contas de cultura pop, ciência e humor, como Foquinha (Fernanda Catania), Nath Araújo, Atila Iamarino e Pequena Lô (Lorrane Silva), também foram contratadas. 

“O intuito da campanha é reforçar o compromisso da Shell com o futuro energético do Brasil, transmitindo essa mensagem de forma simples, didática e cativante ao público brasileiro”, diz Renata Dall’Onder, diretora executiva de negócios Wunderman Thompson, agência que criou a campanha. 

Com custo de quase R$ 40 milhões, a campanha representa o maior investimento em publicidade da Shell do Brasil dos últimos anos – o equivalente a quatro vezes o valor da campanha corporativa de 2022. 

Os recursos vão para os cinco episódios de um minuto, inserção nas redes sociais, mídia impressa e ativações em canais de TV abertos, fechados e em cinemas.

“É um investimento bastante intenso, que demonstra que a Shell não está brincando. Está decidida a fazer alguma coisa que gere resultado”, avalia Jaime Troiano, sócio da Troiano Branding. 

Fenômeno mundial

Em junho deste ano, a Shell abandonou o plano de cortar até 2% de sua produção de petróleo anual até 2030 e vem sendo pressionada para assumir a responsabilidade que lhe cabe no aquecimento global. 

“Com o passar do tempo, todas, inclusive a Shell, entraram nessa fase delicada de terem que justificar suas atividades. Então, assim como outras empresas do ramo ao longo do tempo, acredito que o que ela está fazendo é se proteger, se blindar um pouco, para atenuar o sentimento crítico que existe dentro da sociedade em relação a quem atua na área de petróleo”, diz Troiano, referência em construção de marca.

As parcerias com influenciadores não são novidade na estratégia de marketing de grandes empresas. Mesmo entre petroleiras, a própria Shell tem publicidade em outros setores com a humorista Mai Purper e a influencer de lifestyle Maju Trindade, enquanto a Petrobras tem Paulo Vieira, humorista e apresentador, conduzindo uma série em sua página no Instagram. Mas é a primeira vez que o foco por aqui é a transição energética, algo que lá fora já vem acontecendo.

A AFP reportou ter mapeado influencers promovendo grandes petroleiras nos EUA, Índia, México e África do Sul. Além da própria Shell, a agência menciona BP, Chevron, ExxonMobil e TotalEnergies. 

Ao contrário dos registros de reações negativas em outros países, por aqui, a estratégia parece estar sendo bem recebida pelo público. A maioria esmagadora dos comentários em publicações sobre a ‘Caminhos do Amanhã’ na página da empresa celebram, em especial, a atuação do casal. 

Mas alguns repercutem os tópicos ligados a energia, fazendo a alegria dos idealizadores, que miravam “provocar reflexões em torno de uma temática presente no dia a dia” e “levar para dentro da casa de cada brasileiro, um assunto que já é realidade, de forma simples e cotidiana”, como diz Glauco Paiva.