Rascunho da COP28 exclui ‘eliminação gradual’ de fósseis

A retirada da expressão, que era uma opção na mesa em versão anterior, desencadeou forte reação; prazo oficial para acordo termina na terça

Rascunho da COP28 exclui ‘eliminação gradual’ de fósseis
A A
A A

DUBAI – Uma nova versão do documento mais importante da COP28 menciona os combustíveis fósseis, mas não inclui o termo phase out (eliminação gradual), frustrando a expectativa de ativistas e de um grupo crescente de países que defendem uma linguagem mais incisiva sobre a necessidade de abandonar as energias sujas.

O termo era uma das opções na mesa no último rascunho divulgado. O texto mais recente fala em “reduzir o consumo e a produção de combustíveis fósseis, de maneira justa, ordenada e equitativa, para atingir o net zero até, antes ou por volta de 2050, acompanhando a ciência”.

União Europeia, Reino Unido e a coalizão dos pequenos Estados insulares rejeitaram enfaticamente o que foi proposto pela presidência da conferência.

“O texto atual engana o mundo. Sugere que os combustíveis fósseis continuarão tendo um papel essencial em nosso mundo”, disse a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock.

Falando aos jornalistas por volta das 22h locais, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, criticou “insuficiências” em relação ao fim dos fósseis, mas não recusou categoricamente a proposta.

Ela afirmou que o país defende a eliminação das energias sujas, começando pelos países ricos, mas não deu detalhes sobre que formulação seria aceitável para os negociadores brasileiros.

Nos corredores da Expo City Dubai e na internet, poucos demonstraram insatisfação de forma tão comedida.

Se a atual linguagem evasiva constar da decisão final, será o “fracasso mais vergonhoso e deplorável em 28 anos de negociações internacionais do clima”, escreveu no X (antigo Twitter) o ex-vice-presidente americano, ativista e investidor climático Al Gore.

‘Lista de compras’

O texto em consideração faz referências a uma “redução rápida” do uso de carvão cujas emissões de CO2 não foram sequestradas, a uma triplicação da capacidade instalada de energias renováveis e uma duplicação da eficiência energética.

O documento de trabalho também aponta a importância de combustíveis de baixo carbono, energia nuclear a tecnologias de sequestro e armazenamento ou utilização de carbono.

São medidas necessárias, ainda que insuficientes, para atingir os marcos de curto e médio prazo com o objetivo de limitar a 1,5°C o aquecimento global em comparação com os tempos pré-industriais.

Mas no draft divulgado pela presidência da COP28 elas são medidas opcionais. Pela redação atual, cada país poderia escolher qual delas melhor lhe convém.

“A conferência das partes reconhece a necessidade de reduções profundas, rápidas e sustentadas das emissões de gases de efeito estufa e invoca as partes a tomar medidas que poderiam incluir, entre outras” – seguida por oito tópicos.

“É uma lista de compras”, diz Natalie Unterstell, colunista do Reset e presidente do centro de estudos Talanoa, especializado em política climática.

Há avanços importantes, diz ela, como a necessidade de os próximos planos nacionais de descarbonização estarem alinhados à meta de 1,5°C e incluírem todos os setores da economia e todos os gases do efeito estufa – não somente o CO2.

Mas o sucesso da conferência do clima de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, será determinado pela linguagem adotada em relação aos combustíveis fósseis.

Reação furiosa

“O texto é vago e a linguagem é extremamente decepcionante, para dizer o mínimo”, segundo a organização ambientalista 350.org. Para Camila Jardim, do Greenpeace Brasil, “a eliminação progressiva já não é uma escolha, apesar de ser tratada como tal”.

“Não viemos aqui para assinar nossa sentença de morte. Viemos para lutar pelo [limite de] 1,5°C e pela única maneira de obtê-lo: uma eliminação dos combustíveis fósseis”, disse um comunicado das Ilhas Marshall, um dos países-ilha que correm o risco de desaparecer sob as águas do Pacífico. “Não vamos para nossos túmulos aquáticos em silêncio.”

A expectativa é que as negociações entrem pela madrugada da terça-feira. A intenção declarada do presidente da COP, Sultan Al Jaber, era bater o martelo final da COP28 às 11h (4h de Brasília), mas o prazo parece inatingível.

Antes mesmo da divulgação da proposta, uma ativista postou no X (antigo Twitter) que as equipes de apoio foram avisadas: preparem-se para trabalhar até a quinta-feira.

Uma negociadora com anos de experiência em COPs disse esperar uma conclusão na madrugada de quarta. “Mas isso é minha intuição.”