O Brasil foi o primeiro país a aderir formalmente a uma iniciativa lançada com o apoio da ONU na COP28, no fim do ano passado, para “catalisar a descarbonização” de setores da economia que respondem por 30% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa.
Batizada de Aceleradora da Transição Industrial (ITA, na sigla em inglês), a aliança tem o objetivo de atacar as travas – financeiras, regulatórias ou de infraestrutura – que impedem o avanço de projetos necessários para a transição energética em escala global.
“Vamos trabalhar in loco, e o Brasil será o primeiro lugar em que faremos isso”, diz ao Reset Faustine Delasalle, diretora-executiva do secretariado da ITA. “O plano é agir junto aos desenvolvedores de projetos privados que ainda não chegaram à decisão final de investimento porque as contas ainda não pararam de pé.”
A entrada brasileira foi anunciada em meados de julho pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
A ITA abriu um chamado público para que projetos se candidatem: podem ser empreendimentos novos ou então planos de transformação de empresas.
O prazo de inscrição vai até setembro, e ainda não há data certa para o anúncio dos selecionados. Delasalle espera ter a definição até a COP29, que acontece na primeira semana de novembro, no Azerbaijão.
A palavra de ordem da iniciativa, que recebeu financiamento do governo dos Emirados Árabes Unidos (sede da última COP) e da Bloomberg Philanthropies, é urgência, afirma Delasalle.
Cartas de intenções e memorandos de entendimento não faltam, mas obviamente o que faz a diferença é o sinal verde definitivo para que os projetos saiam do papel.
Essa será a métrica do sucesso da ITA, segundo Delasalle: o número de decisões finais de investimento que a iniciativa ajude a concretizar.
O foco é voltado a setores difíceis de descarbonizar: aviação, siderurgia, alumínio, químicos (particularmente fertilizantes), captura de carbono e armazenamento de longo prazo de eletricidade.
Mantido o cenário atual, as emissões desses setores vão crescer mais de 30% até 2050, o que inviabilizaria qualquer chance de alcançar as metas do Acordo de Paris.
Embora não haja um alvo preciso em termos de número de projetos aprovados, a intenção é que as decisões saiam até a COP do ano que vem, no Brasil, com a maioria deles em operação até 2030.
Tecendo a teia
Delasalle diz que o papel da ITA é como o da aranha em sua teia: no centro de tudo, garantindo que todas as partes envolvidas tenham o que precisam, quando precisam.
Essa é a teoria, pelo menos. A iniciativa, que funciona em conjunto com o programa Mission Possible Partnership, começou listando empreendimentos ao redor do mundo de acordo com o potencial climático.
Todos estão apontados num mapa publicado no site da Mission Possible. O critério de escolha foi o potencial de descarbonização: somente os que prometem cortes de 80%, 90% das emissões de CO2 são acompanhados.
Seis deles estão no Brasil: cinco de hidrogênio verde e um de combustíveis sustentáveis de aviação (mas estes não serão necessariamente os inscritos no chamado).
E como a ITA pretende entregar na prática o que promete no nome? Como vai ajudar a fechar as contas e garantir a luz verde?
“Não seremos cientistas nem engenheiros. Queremos ajudar com [a busca de] mercados internacionais, a conexão com os financiadores.”
Um dos integrantes da ITA é o Gfanz, uma aliança global pelo net zero que reúne as principais instituições financeiras globais na busca pela descarbonização dos seus portfólios de empréstimos.
Mark Carney, ex-presidente dos bancos centrais do Reino Unido e do Canadá e líder do Gfanz, afirmou que os grandes emissores de carbono estão presos numa “armadilha da transição: sabem o que precisam fazer, mas têm dificuldade de levantar os recursos”.
No caso brasileiro, Delasalle afirma que a ITA pode facilitar o diálogo dos desenvolvedores de projetos com o governo federal e seus planos de Transição Ecológica e Nova Indústria Brasil.
Outro auxílio é na montagem de cadeias de valor. Isso envolve a conexão com fornecedores de energia limpa — hidrogênio verde para uma usina siderúrgica, por exemplo.
Também para os ricos
Essas necessidades não são exclusivas dos projetos no mundo em desenvolvimento, diz Delasalle. A Mission Possible Partnership vem fazendo justamente esse trabalho há dois anos nos Estados Unidos.
“Existem algumas particularidades nas economias emergentes, como o câmbio. Mas a coordenação é importante para todos.”
A criação de demanda por meio de regulamentação também é outro ponto que interessa à iniciativa. Poucos países têm condições de incentivar a oferta como os Estados Unidos e seu pacote verde de quase meio trilhão de dólares.
E, mesmo assim, essa injeção massiva de recursos não resolve tudo, afirma Delasalle. “O que observamos nos EUA é que muitos projetos ainda não chegaram à decisão final de investimento por falta de demanda [da produção].”