OPINIÃO

Por que as petroleiras querem ser líderes da transição? 

Diante da transição inevitável para uma economia de baixo carbono, são elas que globalmente mais têm financiado pesquisas e investimentos no setor

Por que as petroleiras querem ser líderes da transição? 

Com sete títulos mundiais e três medalhas olímpicas nos últimos 10 anos, o Brasil virou referência no surfe, com a atual geração de surfistas apelidada de Brazilian storm. As ondas dos mares parecem estar sendo bem aproveitadas pelos brasileiros, mas e as ondas de inovação? 

A teoria das ondas de inovação diz que avanços tecnológicos significativos se desenvolvem por meio de ondas: longos períodos transformacionais para a sociedade e a economia afetados por novas tecnologias. Os ciclos terminam por meio de criações e inovações que surgem para destruir o que está estabelecido, como uma força incontrolável.

O mundo já teria passado por cinco ondas de inovação, com tecnologias específicas impactando cada uma dessas fases, iniciando com a Revolução Industrial, em 1785, e chegando na era atual das big techs e da internet. Em 2020, teríamos entrado na sexta onda de inovação, que engloba basicamente três temas: inteligência artificial, drones e sustentabilidade, particularmente por meio da transição energética.

A ideia de que estamos no ciclo da sustentabilidade energética não é uma novidade. Em uma pesquisa rápida na internet é possível encontrar artigos tratando do tema desde 2010. A questão é que, em função das mudanças climáticas, esta é uma onda parecida com a dos surfistas, visto que temos prazo para surfá-la, sob pena de colocarmos grande parte da vida na Terra em risco. 

Parece dramático, mas é a realidade: se não pegarmos essa onda até ela se esvair, seremos como um surfista que cai da onda e bate com a cabeça nos corais. 

O tema da transição é bastante complexo. A indústria do petróleo segue, erroneamente, sendo vista como a única vilã da transição. Mas diante da transição inevitável, é a indústria que globalmente financia, mais do que qualquer outra, pesquisa e investimentos em transição. Exemplos no contexto internacional não faltam.

A Saudi Aramco, por exemplo, maior empresa de petróleo do mundo, está ativamente investindo em energia limpa para apoiar a transição energética global. Entre eles o Projeto Sudair Solar PV, um dos maiores empreendimentos solares do mundo, com capacidade de 1,5 GW; o megaprojeto de CCS em Jubail para capturar até 9 milhões de toneladas de CO2 por ano até 2027 em parceria com SLB e Linde; e a iniciativa para desenvolver motores compatíveis com combustíveis sustentáveis, em Parceria com Renault e Geely, visando abastecer 80% do mercado global de motores térmicos até 2050.

A Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC) igualmente tem intensificado seus investimentos em energia limpa. Em setembro de 2024, a ADNOC adquiriu uma participação de 35% no projeto de produção de hidrogênio de baixo carbono da ExxonMobil em Baytown, no Texas. Este projeto ambiciona produzir até 1 bilhão de pés cúbicos diários de hidrogênio de baixo carbono, capturando aproximadamente 98% das emissões de CO2 geradas no processo. 

Em novembro de 2024, a mesma ADNOC lançou a XRG, uma nova subsidiária dedicada a investimentos em energia de baixo carbono e produtos químicos. Com um portfólio inicial de US$ 80 bilhões, a XRG busca dobrar o valor de seus ativos na próxima década.

E o Brasil? 

Há cerca de dois anos, li o livro “Paraíso Restaurável”, que tem entre seus autores o professor Jorge Caldeira e minha amiga, colega de Stanford e do Instituto Ling, Julia Sekula. O livro mostra, de forma clara, que o Brasil pode assumir uma posição de destaque na transição por suas potencialidades naturais. Podemos ser, então, o Brazilian storm da transição energética. 

Mas, como usual, as coisas não são simples.

Em conversas com Julia, ela me contou um dado interessante: à época do seu MBA em Stanford, no centro do Vale do Silício, 65% dos alunos da sua classe se dedicavam ao tema de tecnologias limpas. Dos 12 alunos brasileiros, contudo, apenas ela tinha esse foco. É como se o Gabriel Medina, com toda sua habilidade natural, não se interessasse muito pelo surfe. 

Diversos países, em especial os Estados Unidos e vários da Europa, criaram suas políticas, leis, regulamentações e, em diversos casos, estímulos fiscais e financeiros para a transição energética faz algum tempo. 

Assim, o Brasil seria o Medina competindo no World Surf League com surfistas usando pranchas com motores e que já estão no mar desde o início da bateria. Ou seja: o Brasil estaria em desvantagem mesmo sendo altamente capacitado para ganhar essa competição. Então, como vamos virar esse jogo?

Leis como o marco legal do hidrogênio, a do Combustível do Futuro, do mercado regulado de carbono e do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) colocam o Brasil no mar para a disputa do campeonato, além de terem trazido o tema da transição para discussão da sociedade. 

Entretanto, seguem pendentes regulamentações de diversos órgãos e resoluções das agências reguladoras aplicáveis, que estão aumentando seu escopo de trabalho e necessidade técnica, mas têm sido desprestigiadas pelo atual governo, o que causa preocupação.

A Petrobras, que é a maior empresa de petróleo do Brasil, criou uma diretoria com alta qualificação sobre o tema da transição energética, com profissionais que conheço de longa data e que estão mais do que preparados para impulsionar projetos representativos no setor, cooperando com a iniciativa privada. Ainda não vimos, contudo, uma atuação mais contundente da estatal no setor. 

O Brasil Medina, portanto, já entrou no mar e está finalmente mirando a onda. A pergunta que fica é: quando vamos largar o nosso toco (prancha velha) e começar a surfar com uma nave (prancha nova) para pegar o tubo perfeito? Espero que antes de finalizar a bateria.

*Giovani Loss é mestre em Direito e doutorando em Energia pela Universidade de São Paulo (USP), LL.M. pela Universidade Stanford (Bolsista do Instituto Ling) e sócio do escritório Mattos Filho.