Átila, influenciador de ciência, é bombardeado depois de fazer publicidade para a Shell

Biólogo que ganhou notoriedade durante a pandemia é atacado por divulgar conteúdo pró-petróleo para mais de 1 milhão de seguidores no Instagram

Átila, influenciador de ciência, é bombardeado depois de fazer publicidade para a Shell
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O biólogo e influenciador Átila Iamarino foi alvo de críticas em seu perfil no Instagram (@oatila), que conta mais de 1 milhão de seguidores, por ter sido contratado pela petroleira Shell como um dos rostos da campanha Caminhos do Amanhã.

Iamarino publicou três posts – o primeiro há três semanas, e o mais recente nesta quarta-feira (17) –  nos quais cita de onde vem o petróleo, por que o país tem potencial importância como líder na transição energética e como a empresa britânica atua com expertise e segurança no Brasil, “oferecendo energia vital e ajudando a impulsionar vidas”.

Até o fechamento deste texto, os vídeos contavam, juntos, mais de 9 milhões de visualizações. Quase 3.000 comentários postados logo abaixo, a maioria deles negativos, condenam sua decisão de participar da campanha.

“Onde o ouro fala, tudo cala”, “Perdemos mais um”, “Virou um negacionista” e “Certeza que ele sabe que esse planeta já deu ruim e tá garantindo seu lugar numa nave espacial” foram alguns dos comentários.

O investidor de impacto João Paulo Pacífico (@joao_pacifico) também fez um post criticando Iamarino pela publicidade para a Shell . Com o título “Até tu, Átila”, o vídeo teve mais de 200 mil visualizações.

A atriz e influenciadora socioambiental Laila Zaid publicou um vídeo em que “energia vital”, do vídeo original, vira “energia mortal”. “Há anos as petroleiras contratam famosos para suas campanhas, isso não é novidade”, ela disse ao Reset. “O problema é quando este famoso, um influenciador, é um cientista bem informado. Não tem como não saber do impacto gigantesco do petróleo sobre as mudanças climáticas.”

Apesar das metas e dos enormes investimentos na transição energética mundo afora, os combustíveis fósseis – petróleo, carvão mineral e gás natural – hoje ainda atendem 80% da energia global. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a previsão é de que a demanda por eles atinja o pico só no fim desta década. 

Um relatório divulgado nesta semana pela AIE aponta que o atual ritmo de consumo de energia e suas emissões de gases de efeito estufa devem fazer o planeta esquentar 2,4oC até 2100. Nas negociações climáticas internacionais, ainda se trabalha com um  aumento máximo de 1,5 oC na temperatura do planeta em comparação com a era pré-industrial.

Investimentos em energia renovável

Os vídeos pagos postados pelo influenciador são a sequência de uma campanha publicitária da companhia com o objetivo de tratar de forma acessível e leve um tema complexo: o da transição energética. 

Há um ano, a primeira parte foi lançada com uma mininovela em cinco episódios veiculados na Globo. Estrelada pelos atores Sophia Abrahão e Sérgio Malheiros, a trama falava de economia de água, descarbonização e mobilidade urbana. 

Com custo de quase R$ 40 milhões, a campanha representa o maior investimento em publicidade da Shell do Brasil dos últimos anos.

Procurada para falar sobre a polêmica em torno desta segunda fase, a Shell declarou que “procura, por meio de influenciadores, estimular a reflexão sobre o futuro da energia, incluindo os aspectos de segurança e eficiência energética num mundo em transição”.

A petroleira afirma ser uma empresa de energia integrada, com participação em biocombustíveis, trading, pesquisa e desenvolvimento, e comprometida com uma transição energética segura, acessível e eficiente, com meta global de zerar suas emissões líquidas até 2050.

A Shell também atua em créditos de carbono, com uma participação minoritária na desenvolvedora brasileira Carbonext.

O ímpeto da transformação da companhia se arrefeceu com a guerra da Ucrânia, que provocou aumento nos preços dos combustíveis fósseis e levou as companhias do setor a alcançar lucros recorde.

No caso da Shell, uma das consequências da bonança foi “tirar o pé” dos compromissos climáticos ambiciosos divulgados originalmente em 2021. O corte de 20% na intensidade líquida de carbono de seus produtos previsto para 2030 vai ficar na faixa entre 15% e 20%. E o compromisso de reduzir 45% da intensidade de emissões até 2035 foi abandonado, segundo a companhia, pela incerteza em relação ao ritmo que a transição energética vai tomar nos próximos anos.

Em contrapartida, a empresa comprometeu-se a reduzir entre 15% a 20% das emissões absolutas dos produtos petrolíferos que vende até 2030.

Em 2024, a Shell prevê investir R$ 500 milhões no Brasil (cerca de US$ 88 milhões) pesquisas: 70% focados em descarbonização e o restante em energias renováveis. Globalmente, os investimentos em fontes renováveis giram em torno de US$ 2 trilhões.

“Acho estranho que os posts tenham sido sobre petróleo, se há tanta vontade em avançar e investir em energia renovável”, questiona Zaid. “E falam sobre valores de investimentos sem citar quanto lucram anualmente com o combustível fóssil, acabando com o planeta.”

O lucro global da Shell em 2023 foi de US$ 28,25 bilhões.

Iamarino foi procurado pelo Reset, mas não respondeu às mensagens.

* Atualizado às 19h45 corrigindo o número de vídeos postados por Iamarino: foram três, não dois.