O imposto de carbono da UE é uma oportunidade para o Brasil

Com exigências climáticas internacionais mais rigorosas, o país tem um trunfo em sua matriz energética limpa – mas a janela não ficará aberta para sempre

O imposto de carbono da UE é uma oportunidade para o Brasil
A A
A A

A emergência climática passou a influenciar a agenda econômica de diversos governos pelo mundo. Os principais objetivos são manter o desenvolvimento econômico condicionado à descarbonização das cadeias produtivas e promover maior justiça social.

Apesar dos desafios impostos por essa nova dinâmica, a transformação da economia brasileira em menos carbono-intensiva também representa uma janela de oportunidade para o país avançar em indicadores de produtividade, inovação, renda e qualidade de vida.

O mix elétrico nacional é um dos menos poluentes do mundo. Em 2022, a participação das fontes renováveis atingiu 87,9% da nossa matriz elétrica, com destaque para as fontes hidrelétrica, eólica e solar, com 61,9%, 11,8% e 4,4% de participação, respectivamente.

Mas essa posição privilegiada do Brasil na transição energética só se converterá em ganhos para a nossa sociedade caso decisões políticas preservem essas condições e fortaleçam outros aspectos fundamentais para este momento.

Desde o processo de abertura comercial iniciado nos anos 1990, a economia brasileira está em processo de desindustrialização, e a balança comercial é cada vez mais dependente da exportação de produtos primários de baixo valor agregado, com capacidade de geração de renda relativamente baixa.

Contudo, a necessidade de os países se adequarem às metas de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) somada à maior pressão das sociedades em relação ao assunto criou um novo paradigma econômico: diferentemente do modelo produtivo vigente desde a consolidação das economias de mercado, agora as externalidades negativas causadas pelas atividades econômicas serão levadas em consideração, inclusive de forma monetária.

O principal exemplo disso é o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, na sigla em inglês), implementado pela União Europeia, que amplia os mecanismos do mercado de carbono europeu para as nações que exportam para o bloco. Países que possuem relações comerciais com a UE podem perder competitividade se seus produtos não atenderem às novas normas.

Vantagem verde

Assim como a escala produtiva e o baixo custo de mão de obra foram decisivos para a China nos últimos 20 anos, a capacidade de produzir com menor impacto ambiental será uma grande vantagem competitiva para o Brasil, especialmente à medida que mais países aumentam o rigor de suas legislações climáticas.

O CBAM representa essa situação por meio da inclusão de segmentos importantes como ferro, aço, fertilizantes, hidrogênio, cimento e energia. 

Alguns estudos indicam que o Brasil seria um dos países mais impactados pelas novas regras, principalmente na indústria siderúrgica. Felizmente, o impacto tem tudo para ser positivo: nossa alta capacidade de produzir energia elétrica renovável para ser utilizada em indústrias e o potencial de produção de hidrogênio de baixo carbono e de outras tecnologias nacionais limpas (carvão vegetal, etanol, biometano etc.) garantem ao país uma posição de maior resiliência quando comparado a outros que atuam no segmento e não possuem essas vantagens, como África do Sul, China, Índia e Austrália.

Mesmo que o CBAM e outros mecanismos semelhantes representem um desafio importante para a cadeia produtiva brasileira, são também oportunidades para o país se tornar líder na exportação de produtos de baixo carbono.

Nova indústria

Essa liderança vai depender da atração de novos empreendimentos industriais e da modernização dos existentes, com consequente aumento do PIB industrial e criação de empregos de qualidade.

O setor de aço é um exemplo dessa condição. O Brasil já produz aço de zero emissões líquidas com o uso do carvão vegetal proveniente de florestas plantadas.

Com a modernização do parque industrial existente e a criação de uma infraestrutura de hidrogênio e biometano, poderemos exportar não só o aço verde, como também produtos intermediários, contribuindo para a descarbonização também da indústria siderúrgica internacional.

Esse é um horizonte cada vez mais palpável: a Vale e o Porto do Açu assinaram um memorando de entendimentos para estudar o desenvolvimento de um megahub no porto, localizado na região norte do Estado do Rio de Janeiro, para fabricação de ferro-esponja.

A ArcelorMittal não só comprou a siderúrgica do Porto de Pecém, como já sinalizou o interesse em comprar o hidrogênio a ser produzido no Complexo de Pecém.

A descarbonização pode ainda proporcionar avanços de novos segmentos industriais no Brasil. A produção de silício policristalino, material essencial para a confecção de painéis solares e chips, é um caso com grande vocação para se tornar um pilar do powershoring – nome dado à migração de indústrias para países que têm energia abundante.

Hoje esse mercado é dominado pela China, que utiliza um mix elétrico majoritariamente fóssil para transformar o silício metalúrgico em polissilício. Com essa mesma energia bastante intensiva em carbono, a China fabrica os painéis fotovoltaicos que exporta para o mundo inteiro.

O transporte dos equipamentos ao redor do mundo também é uma forte fonte de emissões. Por aqui, com nossas jazidas do mineral, nosso parque industrial fornece o silício metalúrgico, principal insumo do polissilício, com a menor pegada de carbono do mercado. 

Caso abraçássemos parcerias para fazer a transformação do metalúrgico ao polissilício e, depois, a fabricação os painéis fotovoltaicos, teríamos um produto final realmente baixo em emissões, uma indústria pujante e empregos de qualidade.

Mantendo a matriz limpa

Para aproveitar a nova conjuntura econômico-climática, entretanto, é essencial direcionar ações político-econômicas a fim de preservar nosso status de matriz limpa, algo que por vezes é ameaçado em situações como as crises de energia.

O aumento da utilização de fontes fósseis nesses períodos eleva o fator de emissão de carbono da eletricidade proveniente do Sistema Interligado Nacional (SIN), prejudicando a capacidade de o país atrair investimentos por dispor de energia limpa e barata. 

Além disso, para o Brasil ser eficiente na corrida tecnológica inaugurada pelos novos compliances ambientais globais, é imperativa a criação de políticas industriais que coloquem em perspectiva o desenvolvimento de cadeias industriais de maior sofisticação tecnológica.

Precisamos de mecanismos modernos de condicionalidades tanto para a concessão de crédito como em termos de integração entre pesquisa e desenvolvimento e produção efetiva.

E é fundamental que as regulações brasileiras em novos mercados, como o hidrogênio de baixo carbono, favoreçam a prospecção de novos segmentos industriais, em consonância com as aspirações de o país realmente conquistar um crescimento econômico sustentável.

* Rosana Santos é diretora executiva e Edlayan Passos é especialista em energia do Instituto E+ Transição Energética.