
Fortaleza – O biometano é uma das estrelas da transição energética – ou pelo menos essa é a teoria. Ele é uma alternativa renovável ao gás natural de origem fóssil. As moléculas são idênticas, o que significa que não são necessárias adaptações na infraestrutura de abastecimento ou nos motores.
Uma das principais fontes desse combustível verde, também chamado de gás natural renovável, são os aterros sanitários. Aproveitar o gás liberado pela decomposição da matéria orgânica também contribui para reduzir as emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global.
Mas dar escala à produção dessa nova fonte energética esbarra em um obstáculo logístico: como levar o produto da usina até os potenciais consumidores?
A GNR Fortaleza, uma das maiores produtoras de biometano do país, conseguiu unir essas duas pontas. A companhia foi responsável por quase um terço do gás verde produzido no país no ano passado. Mais importante que este número, entretanto, é que esse volume tem destino.
Um gasoduto de 24 km construído pela Companhia de Gás do Ceará (Cegás) garante que o biocombustível da GNR dê conta de 15% do consumo de gás do Estado. Os compradores do combustível que vem do lixo incluem residências, hospitais, hotéis, indústrias e postos de combustíveis.
O combustível é gerado no município de Caucaia, a 15 km da capital cearense. A conexão com a rede usada para o gás de origem fóssil faz da planta “um exemplo raro e promissor no Brasil, e até mesmo no mundo”, diz Ronaldo Stefanutti, professor do departamento de engenharia hidráulica e ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC).
O que é o biometano
A produção do biometano na planta de Fortaleza começa com a coleta do biogás emitido durante a decomposição dos resíduos orgânicos acumulados em aterros sanitários ou lixões.
A utilização mais comum do biogás é a queima para a geração de eletricidade. Transformado em biometano – o que depende de um processo de purificação –, ele tem um valor potencialmente mais alto, já que se torna um combustível renovável contribui para a descarbonização de várias atividades.
O mercado, segundo Stefanutti, não tem falta de compradores — “o gargalo está na produção”, afirma. A questão é fechar a conta. A GNR Fortaleza conseguiu viabilizar o projeto graças à garantia de compra da Cerbras, uma fábrica de cerâmica local.
Ter um cliente firme durante o período de testes foi essencial para viabilizar o projeto, diz Thiago Levy, diretor comercial da Marquise Ambiental, grupo com faturamento anual de R$ 1,3 bilhão do qual faz parte a GNR.
“A Cerbras consumiu 100% do biometano produzido até que a ANP aprovasse a injeção do gás verde na rede de distribuição”, afirma o executivo. O governo estadual também ofereceu incentivos tributários.
Existe outro desafio importante na ponta da produção: a qualidade da “matéria-prima” que vai gerar o biogás. A coleta seletiva ainda é deficiente, o que significa que o material orgânico muitas vezes está misturado com latas de cosméticos, embalagens de produtos químicos ou de aerossóis.
A presença de contaminantes exige equipamentos mais sofisticados para purificação e, portanto, aumenta o custo. Avanços na separação de resíduos teria impacto positivo duplo: além de incentivar o reaproveitamento de materiais recicláveis, haveria mais insumos para a geração de combustíveis verdes.
Compensação
O mercado de biometano vai além da venda direta do produto. A GNR pode comercializar certificados ambientais, como o Gas- REC. Trata-se de uma maneira de garantir a substituição de combustíveis fósseis por alternativas renováveis.
O Gas-REC rastreia o biometano de sua geração até o consumo. Mesmo que o comprador não receba o gás de origem renovável – por estar distante da rede de distribuição, por exemplo – ele pode comprar uma certificação que atesta a aquisição do gás verde.
O mecanismo é parecido com o que é utilizado no mercado de energia elétrica: empresas que adquirem energia gerada por fontes limpas, como usinas eólicas, independentemente da origem da eletricidade que elas efetivamente recebem pela rede.
O Gas-Rec é retirado de circulação após seu uso, ou seja, quando o comprador contabilizou o benefício climático de sua aquisição.
Rumo à Amazônia
A Marquise Ambiental pretende expandir a produção de biometano com a construção de cinco novas plantas. Em Manaus, a primeira planta do Amazonas conta com um investimento de R$ 150 milhões e deve ser instalada a 40 km da capital.
A unidade vai operar com cerca de 2.500 toneladas de resíduos sólidos diários produzidos na capital do Estado. Os 2,28 milhões de habitantes geram cerca de 1kg de lixo per capita diariamente.
A usina, que inicia as suas operações em três anos, terá capacidade para produzir 80 mil metros cúbicos por dia de biometano, volume capaz de abastecer cerca de 170 mil lares diariamente com energia limpa e renovável, reduzindo significativamente as emissões de gases de efeito estufa, sobretudo o metano.
Foto: Mariana Rosetti
* A jornalista viajou a convite da GNR Fortaleza