
Veja o resumo da noticia
- Brasil tem as segundas maiores reservas de terras raras, minérios essenciais para a transição energética
- País é considerado chave para a quebra do domínio da China na produção desses metais
- A Serra Verde, de Goiás, opera a única mina que produz comercialmente; diversos projetos estão em estudos
- Depósitos brasileiros podem ser explorados com custos e impactos ambientais mais baixos
- Empresas afirmam que licenciamento complexo dificulta a atração de investimentos para o país
O tarifaço e as tentativas de interferência americana em assuntos domésticos brasileiros teriam um objetivo oculto: o país seria parte do plano dos Estados Unidos para deixar de depender das terras raras importadas da China.
A afirmação foi feita pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista recente. “Eles [EUA] precisam de um governo entreguista, porque é estratégico. Acham que a América Latina é o quintal dos Estados Unidos.”
A retórica parece uma lembrança de décadas passadas, mas o tema não poderia ser mais atual. O acesso a essa classe de minérios pode moldar o equilíbrio de forças global pelas próximas décadas.
Sem terras raras não há carros elétricos, placas solares, turbinas eólicas, mísseis ou chips. A transição energética e a corrida pela supremacia na inteligência artificial dependem desses 17 elementos críticos – e as segundas maiores reservas deles estão no Brasil.
Somente uma companhia extrai esses metais no país – e também é a única a produzir terras raras em escala fora da Ásia. A Serra Verde começou suas pesquisas na região de Minaçu, em Goiás, em 2008 e foram necessários oito anos para o início das operações.
Várias outras mineradoras nacionais e estrangeiras têm projetos em estudo no Brasil. Conhecidas como juniores, algumas estão listadas nas bolsas do Canadá e da Austrália para levantar recursos e comprovar a viabilidade econômica de suas jazidas.
Por trás dessa corrida estão o esperado aumento da demanda e a busca por alternativas ao domínio chinês. Além das reservas comprovadas, as terras raras do país podem ser exploradas a um custo mais baixo e de forma mais sustentável, ou pelo menos essa é a teoria.
O valor da argila
A mineração tradicional em rochas envolve explosões, moagem, britagem e processos de concentração que usam químicos e geram rejeitos tóxicos.
A Serra Verde e as juniores estão concentradas nos metais valiosos contidos em um material conhecido como argila iônica. O processo envolve retirar essa argila de cavas e submetê-la a um processo de “lavagem” com cloreto de sódio (sal de cozinha).
O produto final é uma uma mistura de elementos como neodímio, praseodímio, disprósio e térbio. O que sobra é essencialmente a massa inicial de argila, com a adição do sal, que é empilhada a seco.
Esse método dispensa as barragens que acumulam rejeito. Em todos os projetos, a ideia é que esses resíduos sejam tratados. Quase todo o sal é resgatado para retornar ao sistema e, depois de um ano, a argila volta para o lugar que veio.
A australiana Meteoric Resources foi a primeira das juniores a receber licença em Minas Gerais para construir uma planta-piloto. A unidade fica em Poços de Caldas e representa um investimento de US$ 2 milhões.
O custo do projeto todo está estimado em US$ 440 milhões. “Um projeto de rocha dura custaria cinco vezes mais, cerca de US$ 2,5 bilhões”, afirma Marcelo De Carvalho, diretor executivo da Meteoric. O plano da empresa é iniciar a produção em escala industrial em 2028.
O que são terras raras
Apesar do nome, as terras raras não são escassas na natureza. O virtual monopólio da China na mineração e no refino desses metais tem a ver menos com as reservas do país e mais com decisões políticas e comerciais tomadas ao longo das últimas décadas.
Até os anos 1990, os Estados Unidos eram os maiores produtores desses insumos. Mas os chineses tomaram a liderança graças a uma combinação de subsídios, relaxamento de regras ambientais e uma estratégia de longo prazo do governo chinês.
Hoje, a China é responsável por 90% do processamento do material vendido para a indústria. Minas como a Serra Verde enviam a maior parte de sua produção para que o refino seja realizado no país.
Depois de passar por essa purificação – uma atividade que demanda grandes quantidades de eletricidade e gera rejeitos tóxicos –, os metais são usados em inúmeras aplicações.
Um dos usos mais comuns são os chamados superímãs, peças fundamentais de carros elétricos e turbinas eólicas. Esses metais também são matéria-prima de baterias e estão presentes em vários componentes de celulares, como os motores que fazem vibrar os aparelhos.

A corrida no Brasil
A largada na corrida pelas terras raras no Brasil foi dada há muitos anos, quando o assunto ainda não figurava nas manchetes. As pesquisas da Serra Verde começaram há 17 anos.
A operação em Goiás tem capacidade de produzir 5 mil toneladas anuais, mas as exportações até agora foram modestas: 60 toneladas em setembro de 2024 e 419 toneladas em fevereiro de 2025, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior.
A ideia é atingir a capacidade total no próximo ano. A empresa é controlada pelo Serra Verde Group, com sede na Suíça, e tem entre seus investidores o fundo Vision Blue, fundado por Mick Davis, ex-CEO da Xstrata, mineradora adquirida pela Glencore.
Em outubro do ano passado, a empresa recebeu US$ 150 milhões do britânico Vision Blue e do texano The Energy & Minerals Group. O investimento total na empresa até aqui não é revelado.
A companhia também integra a Minerals Security Partnership, iniciativa que reúne a União Europeia e outros 14 países para incentivar o desenvolvimento de cadeias sustentáveis para os minerais críticos para a transição energética.
O sucesso da Serra Verde estimulou outras mineradoras juniores a avançarem em pesquisas. Entre elas, estão:
- Aclara Resources – Derivada da britânica Hochschild Mining, é listada na bolsa de Toronto (TSX). Planeja investir US$ 599 milhões em Goiás e busca contratos de longo prazo com montadoras como Ford, GM e Stellantis;
- Meteoric Resources – Australiana listada na bolsa de Sydney (ASX). Está construindo uma planta-piloto para extrair terras raras em Poços de Caldas (MG), com expectativa de iniciar produção em escala industrial em 2028;
- Viridis Mining and Minerals – Também australiana, listada na ASX e com projeto em Poços de Caldas. Além da mineração, a ideia da companhia é reciclar ímãs de sucata e fornecer como matéria-prima para o LabFabITR, em Lagoa Santa, fábrica de ímãs de terras raras;
- Cabo Verde – Brasileira, com área de 91 mil hectares em pesquisa em Poços de Caldas, estima recurso de 100 milhões de toneladas (foto de destaque). Faz pesquisas geológicas com capital próprio.
Negócio de risco
Como qualquer outra startup, as mineradoras juniores são uma aposta de risco. Para dar credibilidade aos projetos e captar investimentos, elas tipicamente divulgam relatórios técnicos segundo padrões aceitos pelas bolsas canadense e australiana.
Os dois países têm longa tradição no setor e são os destinos mais procurados pelos empreendedores.
A pesquisa mineral tem baixa taxa de sucesso. “De cada 100 áreas avaliadas, apenas duas revelam potencial econômico”, diz Júlio Nery, diretor de assuntos minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
As empresas não partem do zero. “Elas se concentram em regiões já exploradas, onde há histórico de ocorrência mineral”, diz Guilherme Sonntag Hoerlle, geólogo econômico e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Foi o que fez a Cabo Verde. A partir de uma mina de ferro em Poços de Caldas, a companhia começou a investigar a presença de terras raras. Hoje, ela detém 57 direitos para pesquisa, que somam 91 mil hectares.
Oficialmente, os requerimentos foram abertos para buscar minério de ferro. O motivo é segredo estratégico. Quando uma empresa requer uma área para pesquisar terras raras no Sigmine (plataforma da ANM), outras mineradoras tendem a requerer áreas adjacentes, explica Hoerlle.
Show me the money
Apesar do potencial brasileiro, o setor enfrenta obstáculos estruturais.
O primeiro desafio é financeiro. Muitas empresas mineradoras, principalmente as pequenas e médias, dependem de capital externo para avançar da fase de pesquisa para a produção.
“Chega um ponto em que não conseguimos mais avançar sozinhos. O investimento é muito alto”, afirma Túlio Rivadávia, CEO da Cabo Verde, que pretende buscar investimento externo para seguir no projeto de extração.
Em junho, o BNDES, em parceria com o Finep, selecionou as mineradoras Meteoric, Viridis, Aclara e Serra Verde para um programa voltado a projetos que, além de explorar os minerais, tenham capacidade de refino local.
Elas devem apresentar planos adicionais para disputar uma fatia de até US$ 1 bilhão em financiamento público.
O país também carece de recursos para o Serviço Geológico do Brasil (SGB), responsável por mapear e confirmar reservas minerais. Apenas 27% do território brasileiro está mapeado na escala 1:100.000 – que traz informações microscópicas e detalhadas das características das rochas.
Hoeller, da UFPR, explica que a falta desse levantamento detalhado e atualizado aumenta o risco para investidores e dificulta a atração de fundos privados e internacionais.
Regulamentação
Outro gargalo é regulatório. As mineradoras avaliam que o licenciamento ambiental brasileiro é adequado em termos de normas, mas lento e fragmentado. O ritmo das análises e a falta de integração entre entidades federais e estaduais podem atrasar projetos, o que também aumenta a insegurança para investidores que buscam prazos claros de retorno, dizem as empresas.
O Ibram defende uma maior coordenação interinstitucional e a criação de processos mais ágeis para acelerar as aprovações sem comprometer a sustentabilidade ambiental. “O que mais atrasa não é o órgão que licencia, mas a quantidade de entidades que precisam se pronunciar, com novas exigências”, diz Nery.
Ele também diz que mudanças frequentes nas leis “geram um ambiente com muitas ações judiciais, que atrasam ainda mais os projetos”.
Apesar de tudo, nunca houve um momento tão oportuno para o país, afirma Richard Torsiano, diretor executivo da R. Torsiano Consultoria e especialista internacional em governança fundiária.
“Essa conjuntura [mudanças climáticas, avanços tecnológicos e tensões geopolíticas] coloca o Brasil em uma posição central”, afirma ele.
O próprio ministro Fernando Haddad alterna o discurso antiimperialista com falas mais pragmáticas. Em agosto, ele mencionou as jazidas brasileiras de terras raras como uma possível moeda de troca em negociações tarifárias com os Estados Unidos.