TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Leilão da Foz do Amazonas abre nova fronteira do petróleo em 'janela ambiental’

Concorrência arrecadou quase R$ 1 bilhão com áreas onde ainda não há exploração; leilão ocorreu um dia antes de caducarem autorizações ambientais 

Leilão da Foz do Amazonas abre nova fronteira do petróleo em 'janela ambiental’

Novas fronteiras petrolíferas foram abertas no leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizado ontem (17). O destaque da concorrência foi a oferta de áreas onde atualmente não há exploração de óleo e gás natural, como as localizadas na bacia da Foz do Amazonas.

O leilão aproveitou uma “janela ambiental” para ser bem sucedido. A bacia da Foz do Amazonas fica na Margem Equatorial, que vai do Amapá até o Rio Grande do Norte. Ela é vista como uma nova fronteira do petróleo, pois tem potencial de produzir até 10 bilhões de barris, segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). 

Hoje (18), porém, vencem as permissões ambientais para que áreas da Margem Equatorial pudessem ser incluídas na concorrência – os blocos na Foz do Amazonas são os de maior interesse do setor privado. Após esta quarta-feira, essa janela se fecharia, pois seria necessário um novo aval para que os lotes fossem concedidos. 

Para serem incluídas em leilões, as áreas de petróleo dependem de manifestações conjuntas dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, que têm validade de cinco anos. O documento da Foz do Amazonas foi assinado em 2020 durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Na manifestação, os ministérios apontaram riscos associados ao vazamento de petróleo no mar, mas aprovaram a inclusão das áreas para leilão, indicando ser necessário analisar os cenários “em detalhe” no licenciamento ambiental. À época, porém, as duas pastas estavam alinhadas sobre o tema, o que não acontece no governo atual. 

A exploração petrolífera nessa região (veja foto abaixo) é objeto de queda de braço entre ambientalistas e setor produtivo no Executivo e no Congresso. Estão em jogo a soberania energética; arrecadação em contexto de crise fiscal; o desenvolvimento econômico dos territórios; os direitos de comunidades indígenas e ribeirinhas; e riscos ambientais em meio à pressão por mudanças no licenciamento ambiental. 

Margem Equatorial onde está localizada a Bacia Foz do Amazonas. Crédito: divulgação Petrobras

Dos 34 lotes arrematados no leilão, 19 estão na Foz do Amazonas e foram levados por Petrobras, ExxonMobil, Chevron e CNPC. Eles renderam R$ 845 milhões em arrecadação, 85% do valor total levantado na concorrência (R$ 989 milhões). Esses recursos entram nos cofres públicos sem carimbo, o que aumenta o peso do setor na tentativa do governo de equilibrar as contas públicas – o Ministério de Minas e Energia apresentou um “pacote fiscal do petróleo” para ajudar a Fazenda.

Diversas ações judiciais tentaram suspender o leilão, mas sem sucesso. O Ministério Público Federal (MPF) do Pará entrou com ação na Justiça Federal para condicionar a realização do leilão à realização de um estudo de impacto climático. Petroleiros também questionaram a concorrência por meio da Federação Única dos Petroleiros (FUP), que entrou com ação alegando a falta de consulta prévia às comunidades tradicionais, seguindo ações civis abertas em maio pelo Instituto Arayara.

Licença na Foz do Amazonas

Após vencer o leilão da ANP, as empresas ainda precisam de licenças ambientais para iniciar as atividades exploratórias – todas as atividades de campo dependem de licenciamento específico.

E aqui se tem uma outra janela ambiental. A Petrobras tenta conseguir do Ibama, desde 2014, licenciamento para perfuração do bloco FZA-M-59, conhecido como bloco 59. Ele foi arrematado pela estatal em 2013 e também está localizado na Foz do Amazonas. 

O Ibama vem negando a licença alegando que os projetos apresentados pela Petrobras não atendem às necessidades de proteção ambiental. A empresa precisa de uma licença prévia para realizar uma “avaliação pré-operacional”, o que inclui vistorias e simulações práticas de resgate de animais impactados por possíveis vazamentos de óleo. Depois, será necessária uma licença de operação para as atividades de perfuração. 

A serviço da Petrobras, a sonda que será usada no simulado de emergência em águas ultraprofundas deixou o Rio de Janeiro rumo à costa do Amapá na semana passada. A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, disse à Reuters ter a expectativa de que o simulado ocorra na segunda quinzena de julho, no último passo antes de o Ibama decidir sobre a licença. 

O grande interesse de petroleiras no leilão de ontem é um reflexo da iminente concessão da licença do bloco 59, segundo Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima. “A licença para o bloco 59 sinaliza a abertura de uma nova fronteira e torna mais atraente os investimentos nos outros blocos que foram a leilão”, afirmou em coletiva de imprensa realizada em Bonn (Alemanha), onde está em curso a reunião anual da ONU conhecida como “pré-COP – ela tem papel decisivo para o sucesso da conferência que acontece meses depois. 

Líder ambiental

Ao lado de outros especialistas internacionais, o coordenador do Observatório do Clima criticou o avanço do Brasil sobre novos campos de produção. “Este leilão é um duplo ato de sabotagem. Primeiro, o governo brasileiro está colocando em risco o futuro de todos, já que a ciência tem sido cristalina há vários anos sobre a necessidade de parar a expansão de fósseis. Mas o Brasil também está sabotando seus próprios diplomatas, que estão aqui em Bonn tentando mostrar liderança e fazendo o melhor para mobilizar o mundo em direção a uma COP30 ambiciosa”, disse.

Principais responsáveis pela mudança do clima, os combustíveis fósseis apareceram pela primeira vez em mais de 30 anos de negociações internacionais numa decisão da COP28, em Dubai. Foi uma única frase, mencionando a necessidade de uma “transição que se afaste dos combustíveis fósseis”.

O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, indicou que o assunto será retomado nas negociações em Bonn. Em sua terceira carta à comunidade internacional, o embaixador brasileiro demonstrou que vai tentar costurar algum tipo de acordo sobre o tema. 

O abandono dos fósseis também foi mencionado entre os norteadores do Balanço Ético Global, iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do diretor geral da ONU, António Guterres, lançada ontem. Ela é inspirada no Balanço Global do Acordo de Paris, que avalia os avanços e desafios da implementação do tratado. 

“A COP30 precisa marcar o início da implementação da decisão da COP28 de abandonar fósseis. Isso ainda não está visível na agenda. Para isso, precisamos de liderança crível. E o que o governo brasileiro está fazendo agora está minando essa liderança da COP”, afirmou Angelo.