A transição para fontes de energia mais limpas está abrindo oportunidades para as empresas de transmissão de energia elétrica no país.
Presente em 17 estados e com 29 mil km de linhas de transmissão, a ISA Cteep pretende participar do leilão previsto para o fim deste mês, que vai conectar a oferta crescente de energia eólica no Norte-Nordeste à demanda que é concentrada no Centro-Sul.
E, ainda que de forma incipiente, vê novas fronteiras que podem ser abertas a partir de baterias.
“Os próximos leilões serão super relevantes, porque serão os grandes linhões que farão a conexão Norte-Sul do Brasil”, disse o presidente da companhia, Rui Chammas, em entrevista ao Reset.
Chammas também cita oportunidades para conectar a energia solar que é produzida especialmente no norte de Minas Gerais com o restante do país.
Este será um ano forte em leilões de transmissão. O Ministério de Minas e Energia espera lançar três certames, com projetos que podem exigir até R$ 50 bilhões em investimento. Dois deles são tradicionais, esperados para junho e dezembro, além de um leilão extraordinário no segundo semestre, do bipolo entre Graça Aranha, no Maranhão, e Silvânia, em Goiás.
Hoje, passam pelos linhões da Cteep 30% da energia transmitida no país e a empresa é responsável por quase a totalidade da eletricidade transmitida no Estado de São Paulo.
Numa frente ainda mais experimental, a Cteep também vem fazendo testes com baterias. A empresa foi responsável por inaugurar, em março, o primeiro projeto de armazenamento de energia em larga escala na transmissão do país.
Alocadas na subestação de Registro, no interior paulista, as baterias de lítio têm 30 MW de potência instalada – o que permite atender a demanda máxima do Litoral Sul de São Paulo por duas horas. A inovação se deu como uma alternativa para apoiar o abastecimento de energia na região durante os picos de demanda que ocorrem no verão.
Feito com a verba que, por regulação, precisa ser alocada em pesquisa e desenvolvimento, o projeto teve um caráter isolado e não há previsão no momento de fazê-lo em escala.
Mas os aprendizados podem abrir uma nova fronteira para a companhia. Chammas vem afirmando em entrevistas que a empresa pode participar do leilão de reserva de capacidade de energia, previsto para o fim do ano.
Voltados para garantir a energia em momentos de pico de demanda e a segurança de abastecimento, os leilões de reserva de capacidade normalmente são voltados para usinas térmicas, que conseguem ser acionadas imediatamente – como se fossem uma espécie de ‘liga e desliga’ do sistema. Elas servem como um ‘backup’ caso algo dê errado com a geração tradicionalmente prevista.
A energia armazenada em baterias poderia suprir esse gap. Para isso, seriam necessárias mudanças regulatórias, já que as regras atuais não contemplam esse modelo. A viabilidade financeira do projeto também ainda não é clara.
A expectativa da Cteep é que haja neutralidade tecnológica e de agente nos próximos leilões de reserva de capacidade, diz Chammas. Com a possibilidade de uma nova fonte de receita, a empresa vem estudando alternativas com baterias que consigam atender os produtos a serem contratados por esses leilões.
Da continuidade à intermitência
À frente da companhia há três anos e membro do conselho do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Chammas afirma que, com a intermitência das fontes de energia mais limpas, como eólica e solar, a interconexão do grid é um ponto cada vez mais crucial.
Isso coloca as transmissoras num papel privilegiado na transição energética também no médio e longo prazo.
“Nesse cenário, operar num sistema interligado como o brasileiro é uma grande vantagem que poucas pessoas percebem”, afirma. “Estamos saindo de um sistema linear e muito contínuo para um que é muito neural e volátil. Para trabalhar num sistema assim, primeiro preciso garantir que todo o sistema esteja muito bem conectado.”
Um estudo publicado recentemente pela BloombergNEF aponta que, para limpar o grid e atender à demanda gerada pela tendência de eletrificação, a rede global de cabos de transmissão vai ter que dobrar até 2050 para chegar a 152 milhões de quilômetros – praticamente a distância entre a Terra e o Sol. Atingir esse patamar vai demandar US$ 21 trilhões em investimentos até a metade do século, segundo a consultoria.
Endividamento
Com lotes arrematados em junho do ano passado, a Cteep tem um total de R$ 10 bilhões de investimentos a serem feitos nos próximos cinco anos, metade do valor referente aos novos leilões e metade para reforços e melhorias.
Num momento de dinheiro caro com a Selic em alta, o endividamento da companhia é uma dos principais pontos de atenção dos investidores.
A alavancagem (medida pela relação entre dívida líquida e Ebitda) estava em 2,74 vezes no fim do primeiro trimestre. O patamar é menor que as 3,24 vezes do mesmo período de 2022, mas ainda assim está próxima do limite de 3x, que baliza a distribuição de dividendos da empresa.
Até o teto de 3 vezes, a empresa, por regulamento, distribui pelo menos 75% do lucro em dividendos. Acima disso, o payout pode cair. Nas suas projeções, o Itaú BBA considera uma distribuição de 50% em dividendos entre 2024 e 2026, quando estima que o endividamento deve estar pressionado.
A política de dividendos é um ponto relevante para as transmissoras, consideradas uma espécie de ‘renda fixa’ para os investidores em tempos de incerteza. Com receita previsível e regulada, corrigida pela inflação, esses papéis normalmente são vistos com um caráter defensivo em momentos anticíclicos.
Chammas afirma que está confortável com o patamar de endividamento e que há espaço para que a Cteep aproveite o momento para crescer “sem perder a boa saúde financeira”.
Atualizada às 15h58: O leilão de transmissão está previsto para o fim deste mês, não do próximo, como constava.