Na fronteira do aço verde, startup sueca está de olho no Brasil

Com € 6,5 bi para sua primeira planta, que começa a produzir em 2026, H2 Green Steel já planeja expansão internacional

Kajsa Ryttberg-Wallgren, diretora de hidrogênio e expansão internacional da startup H2 Green Steel
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Para os fundadores da sueca H2 Green Steel, o mundo não precisava de um piloto: a empresa nasceu com o plano de construir a primeira usina de aço de zero carbono produzido com hidrogênio verde.

“Nossos clientes pedem e estão dispostos a pagar um prêmio por isso”, diz Kajsa Rytttberg-Wallgren, diretora responsável pela área de hidrogênio e pela expansão internacional da companhia.

Montadoras como Mercedes-Benz, Porsche e Scania e a fabricante de móveis Ikea já assinaram contratos de compra do aço da startup, que começa a ser produzido no final do ano que vem.

Entre as vendas garantidas, dívidas e equity, a H2 Green Steel levantou € 6,5 bi para erguer a usina. O insumo mais importante, o hidrogênio verde que substitui o carvão mineral, também será produzido pela companhia.

Essa integração é chave. Existem centenas de projetos em estudos ao redor do mundo, incluindo no Brasil, mas a disponibilidade de hidrogênio verde no curto prazo é incerta.

No final de fevereiro, o principal executivo da ArcelorMittal na Europa afirmou que a empresa, uma das maiores siderúrgicas do mundo, não tinha certeza se conseguiria o suprimento necessário de hidrogênio.

Em vez disso, as plantas teriam de usar gás natural, uma alternativa com menor impacto climático que o da queima de carvão num alto-forno – mas aquém do corte de emissões prometido pela companhia.

A H2 Green Steel mira somente no aço mais premium, o que significa ter controle sobre a produção do hidrogênio. A empresa já está olhando quatro outros países onde possa se expandir.

O Brasil é um deles. O país é “provavelmente um dos melhores lugares do mundo” para produzir aço verde, disse Rytttberg-Wallgren ao Reset.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Como nasceu a H2 Green Steel?

A H2 Green Steel foi fundada em 2020 e lançada oficialmente em 2021. Tudo começou como uma consequência do Acordo de Paris. Para cumprir o objetivo de [limitar o aquecimento global a] 1,5°C grau, as empresas começaram a se comprometer com metas de descarbonização baseadas na ciência.

Muitas do setor automotivo logo perceberam que o aço é uma parte significativa das suas emissões do escopo 3 [aquelas relacionadas à cadeia de valor].

Elas procuraram as siderúrgicas para falar de aço de baixas emissões e ouviram como resposta algo como: “Sim, conseguimos fazer, mas em 2040, com sorte em 2035”. Ou seja, estavam atrasadas e não poderiam ajudar a indústria automotiva a alcançar metas de curto prazo.

Na Suécia, tínhamos uma iniciativa chamada Hybrit. Esse consórcio de empresas suecas provou ser possível realizar [a etapa de redução do ferro] usando hidrogênio em vez de carvão. É aí que ocorre a maior parte da poluição, e o processo com hidrogênio reduz em 90%, 95% a emissão de CO2.

A Hybrit fez isso em escala piloto. Nossos fundadores decidiram que o mundo não precisava de mais um piloto, mas sim de algo grande, algo com impacto para mostrar um novo caminho não só para a Suécia e para a Europa, mas globalmente. Então desde o começo pensamos em grande escala.

Nossos clientes estão pedindo por isso e estão dispostos a pagar um prêmio se pudermos produzir um aço quase zero emissões.

Qual é o cronograma? Quando a H2GS começa a produzir grandes volumes desse aço verde?

Planejamos o início da produção para o final de 2025, com aceleração durante 2026 para alcançar então a capacidade máxima dessa primeira fase, que é de 2,5 milhões de toneladas de aço por ano.

Depois vamos crescendo gradualmente até atingir a capacidade total de 5 milhões de toneladas até 2030.

Recebemos a licença para começar as obras da planta em meados de 2022. Depois de preparar o terreno, estamos a pleno vapor nas obras. 

Você poderia descrever esse complexo?

São três plataformas, por assim dizer. Teremos nossa própria produção de hidrogênio, cerca de 700 megawatts. Esse hidrogênio vai alimentar o eixo de redução direta [do ferro]. E a maior parte desse volume então alimenta diretamente a siderúrgica, onde é produzido o aço.

Da capacidade de 2,5 milhões de toneladas, já temos acertada a venda de 1,5 milhão de toneladas. Nos perguntam sempre: ‘Mas são somente cartas de intenções…’ Não é isso. São contratos reais, de longo prazo.

Também vamos vender uma parte do ferro na forma de briquetes [HBI, na sigla em inglês] e já temos contratos fechados.

Recentemente um alto executivo da ArcelorMittal disse numa entrevista que talvez usassem gás natural em vez de hidrogênio nas novas plantas, por questão de disponibilidade e preço. O que você pensa a respeito?

Não dá para replicar o que fazemos em qualquer lugar do mundo. A localização é essencial. O que garantiu o sucesso de uma siderúrgica no passado não significa sucesso no futuro.

Estar perto da fonte de energia renovável será fundamental, porque o hidrogênio é muito difícil e caro de transportar.

Então faria sentido reduzir ferro perto da fonte de hidrogênio e então transportá-lo?

Exato. O ferro já é uma commodity comercializada globalmente. E o maior impacto em termos de emissão de CO2 está justamente em abandonar o alto-forno e o carvão. Só que isso não pode ser feito em qualquer lugar.

Talvez uma siderúrgica na Alemanha ou na Holanda tenha que se concentrar na etapa final do processo. Pode haver uma redistribuição [geográfica] da cadeia de produção.

E você vai sacrificar alguns empregos, mas é uma maneira de proteger as plantas. Você vai se concentrar nos processos ‘downstream’, em que tem a competência de engenharia e o contato com clientes.

A planta da H2 Green Steel fica perto de uma hidrelétrica. Isso é parte do modelo?

Sim. Quando olhamos possíveis locais para novas plantas, um dos pontos importantes é a energia com a menor quantidade de emissões possível naquele sistema.

Quanto mais verde a eletricidade, mais verde será nosso produto e, portanto, maior o prêmio na hora de vender. E essa relação não é linear. O prêmio não acompanha o grau de descarbonização. Na verdade, a curva é mais exponencial, ou seja, você só consegue o melhor preço se for superverde ou se estiver muito perto de zero [emissões].

A H2 pretende crescer em outros países?

Estamos estudando quatro outros lugares: Estados Unidos, Canadá, Portugal e Brasil.

 Poderia falar mais do Brasil?

Sim. É um projeto de mais longo prazo. O país tem condições ótimas tanto para produzir o ferro verde e potencialmente para o aço verde. Também tem excelentes recursos de minério de ferro de alta qualidade e ótimos sistemas de energia em algumas regiões, além de custos competitivos.

Estamos procurando as melhores localizações possíveis. Já anunciamos parcerias com a Anglo American, e também temos um acordo com a Vale para o fornecimento de ferro para nossa usina de Boden.

Fala-se muito no potencial brasileiro. Temos a energia limpa, temos o minério de boa qualidade. Deveríamos ser capazes de produzir aço com hidrogênio aqui, não?

Sem dúvida. É provavelmente um dos melhores lugares do mundo para isso.

Vocês olharam os detalhes? Tem algo que o país deva fazer em termos de políticas públicas para que essa promessa se torne realidade?

Sabemos que há diferentes incentivos fiscais em alguns Estados. Entender as diferenças e fazer a escolha certa é fundamental.

Outra questão é o longo processo de licenciamento. As licenças de que precisaríamos levariam até cinco anos. Essa é uma área que precisamos entender melhor. Como poderíamos agilizar esse processo, obviamente respeitando a legislação e o meio ambiente.

Aqui na Suécia, nossa primeira licença saiu em apenas seis meses, e ao todo a espera foi de um ano e meio. [O processo] normalmente demoraria entre seis e oito anos. 

O Brasil é um país imenso. Precisamos entender qual é o melhor lugar, depois trabalhar localmente.

Algum desses quatro países sai na frente?

É uma ótima pergunta, e que me fazem o tempo todo. Cada um tem seus prós e contras.  

Nos Estados Unidos, estamos olhando o Texas. É um Estado muito “pro-business”, o licenciamento é rápido, você recebe incentivos. Mas a matriz elétrica é muito suja, então teríamos de trabalhar nisso.

Québec, no Canadá, tem o minério e energia hidrelétrica, mas há entraves políticos.

O Brasil tem a complexidade fiscal e a cultura [de negócios] também é um pouco distante da americana, por exemplo.

Fala-se muito no uso do hidrogênio na siderurgia. Mas esse método exige um minério de melhor qualidade, e é claro depende de hidrogênio, que ainda não está disponível em grandes quantidades. Isso terá impacto na adoção da tecnologia?

Certamente o hidrogênio não é a bala de prata para o setor. Dito isso, ele pode ser uma ótima solução se você estiver no lugar certo. E o minério de ferro de alta qualidade deveria obviamente ser usado para isso.

O próprio uso de gás natural [em vez de hidrogênio] é significativamente melhor que um alto-forno. Em vez de duas toneladas de CO2 para cada tonelada de aço, você produz somente uma. É um passo na direção certa. Adicionando a captura de carbono, você reduz ainda mais as emissões. 

Decidimos seguir o caminho mais “limpo”, e conseguimos fazer isso porque somos uma empresa nova. Estamos construindo o que faz sentido para o futuro.

Qual é o prêmio que vocês esperam para o aço verde?

Esse número está evoluindo. No que já fechamos, os valores têm sido entre 20% e 30% acima do aço tradicional [produzido em altos-fornos].

Mas notamos que a disposição para pagar mais vem aumentando nos últimos seis meses, um ano. Também vemos que muitos dos projetos de aço com hidrogênio anunciados na Europa talvez não se materializem.

Então, não teremos grandes volumes em 2030. Com essa distância entre oferta e demanda, acreditamos que o preço possa subir. Além disso, temos de levar em conta o ETS [mercado regulado europeu de carbono] e o CBAM [a sobretaxa da União Europeia que será imposta a importados que embutem muito carbono].