Iniciativa global vai acelerar fertilizante à base de hidrogênio verde em MG

Projeto de R$ 5 bilhões da Atlas Agro é o primeiro do mundo apoiado pelo programa de descarbonização Industry Transition Accelerator

Imagem ilustrativa de usina de hidrogênio verde
Imagem ilustrativa de usina de hidrogênio verde
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Não há quem resista ao jeitinho mineiro, mas agora, foram a inovação e a oportunidade de negócio que atraíram uma iniciativa global para Minas Gerais. Uma planta industrial da Atlas Agro, que vai produzir fertilizantes nitrogenados de baixo carbono usando hidrogênio verde, foi a primeira selecionada para integrar uma aliança global que quer acelerar a descarbonização em setores que emitem muito CO2.

O Acelerador de Transição Industrial (ITA, na sigla em inglês) foi lançada há um ano, na COP28, em Dubai, pela presidência da conferência, a convenção do clima da ONU e a Bloomberg Philanthropies. O Brasil foi o primeiro país a aderir formalmente à iniciativa. 

Depois de alguns meses de chamada pública para a inscrição de projetos, a Atlas Agro foi anunciada nesta quinta-feira (17) como primeira escolhida. A empresa, fundada há três anos na Suíça, está erguendo uma planta em Uberaba integrando a produção do hidrogênio verde com a do fertilizante nitrogenado – seu produto final. A previsão é que os investimentos totais superem os R$ 5 bilhões. 

“Nesse projeto, encontramos todas as qualidades que estávamos buscando: uma redução importante das emissões de CO2 associadas à produção de fertilizantes e escala comercial, com potencial de ser replicado”, disse Faustine Delasalle, diretora-executiva do secretariado do ITA, ao Reset durante evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) nesta quinta-feira, 17. 

Outro diferencial foi o foco da empresa no mercado interno. A ideia é que o fertilizante seja comercializado em um raio de até 500 quilômetros para grandes produtores da região. “Isso é muito raro. Todos os outros projetos de amônia verde com os quais temos falado estão olhando para o mercado estrangeiro, em especial o europeu”, afirma Delasalle. 

O Brasil consome mais de 40 milhões de toneladas de fertilizante atualmente e importa 85% deles, ocupando a cadeira de maior importador do mundo. 

Os fertilizantes são responsáveis por cerca de 3% das emissões globais de CO2, que acontecem em dois momentos: na produção e na aplicação no solo. A Atlas Agro foca na na descarbonização do primeiro fator, momento em que cada tonelada de fertilizante nitrogenado produzido emite duas toneladas de CO2 equivalente, diz Rodrigo Santana, diretor de operações da Atlas Agro.

Hoje, o processo de produção tipicamente envolve gás natural de origem fóssil, do qual se extrai um hidrogênio sujo que será convertido em amônia para a fabricação dos fertilizantes. 

“Para tornar a situação mais crítica, o Brasil importa esses produtos de locais onde as emissões [de CO2] são mais altas, por conta das matrizes elétricas. Ou seja, na prática, o país importa carbono para nossa agricultura”, afirma. 

A fábrica vai produzir 530 mil toneladas de fertilizante por ano e, portanto, evitar a emissão de cerca de 1 milhão de toneladas de CO2 nesse período. A expectativa é que a produção inicie em 2028.

Catalisador

Isso só vai acontecer depois de fechada a engenharia do projeto e tomada a decisão final de investimento – e é justamente neste ponto em que o ITA trabalha. 

A ideia é que a entidade atue junto a líderes do setor público, privado e financeiro para identificar projetos com grande potencial de redução de emissões e que não seguem adiante por causa de vários tipos de obstáculo.

O ponto de ataque pode ser um trabalho junto ao governo. No caso da Atlas Agro, isso deve envolver debater a taxação sobre materiais e equipamentos necessários para a produção da amônia verde, um derivado do hidrogênio usado na fabricação do fertilizante. Outro gargalo é ajudar a desenvolver a demanda para o adubo verde, diz Delasalle.

Por enquanto, o acelerador tem outras 15 potenciais iniciativas mapeadas no Brasil, que representam um potencial de investimento de US$ 33 bilhões. Isso não significa que todas serão selecionadas, mas a meta é trabalhar com o maior número possível. 

“O número pode parecer baixo, mas não é fácil encontrar projetos. Em especial, por duas razões: as empresas já têm plantas industriais convencionais e olham primeiramente para investimento incremental, mesmo com corte marginal de CO2, enquanto nós buscamos grandes reduções; e o business case para esses projetos ainda está fraco.”

O ITA quer levar esses projetos à decisão final de investimento nos próximos 18 a 24 meses, com o intuito de que já estejam em funcionamento em 2030. O foco é em setores como aço, alumínio, cimento, combustíveis para aviação e transporte marítimo e a indústria química – que inclui a produção de fertilizantes. 

Os trabalhos para atuar em outros países também já estão nos preparativos e anúncios de outros projetos devem ser feitos em breve. 

Ar, água e energia renovável

A Atlas Agro quer aproveitar as vantagens brasileiras na economia verde para conquistar seu espaço no mercado de fertilizantes. Tradicionalmente, esse insumo é produzido em plantas gigantes em países onde o custo de gás natural é baixo, como Oriente Médio e alguns lugares da Ásia. 

“O que nós vamos fazer é uma planta grande, mas não gigante, e alocar próximo ao produtor rural, onde a demanda pelo fertilizante já existe. E vamos usar a energia renovável no processo produtivo”, diz Santana. A planta deve consumir cerca de 200 MW de energia elétrica ao ano, comparável ao consumo de cidades como São José dos Campos (SP) ou Juiz de Fora (MG).

O fertilizante nitrogenado tem como elemento principal a amônia (NH3). Para chegar nessa molécula, é necessário capturar o nitrogênio do ar e o hidrogênio da água – a quebra do H2O é feita pelo processo de eletrólise, que culmina no hidrogênio batizado de “verde” quando se usa energia renovável. Esta, por sua vez, virá da geração solar e eólica em contrato ainda a ser firmado. 

“Essa é a mágica da química: para fazer esse fertilizante, você precisa de água, ar e energia renovável, só isso”. 

A empresa também investiu na melhoria de processos para tornar mais eficiente a integração do processo de eletrólise e a produção do fertilizante nitrogenado. 

Em paralelo à planta brasileira, a Atlas Agro está desenvolvendo uma fábrica semelhante nos Estados Unidos.

Correção às 16h21: o valor de investimento é de 5 bilhões de reais, não dólares, como constava anteriormente. A informação foi corrigida.